Médicos e saúde pública
(até final da monarquia)
Introdução
As câmaras de Alhos Vedros e da Moita sentiram desde sempre
sérias dificuldades em fixar médicos na área dos respectivos concelhos. Tanto
pelas vilas não oferecerem condições dignas para habitação dos clínicos, como
pelos ordenados oferecidos, como ainda pela reduzida clientela.
Apenas na segunda metade do século XIX a informação se torna
mais esclarecedora. Vejamos, relativamente ao assunto, alguns exemplos.
Médicos na Moita
O partido de médico na vila da Moita foi criado por provisão
régia de 17/8/1799, depois de uma súplica do concelho de Alhos Vedros em que se
queixava do facto do médico do partido do seu concelho assistir os doentes do
concelho da Moita, pelo que “não era
justo um concelho suportar as despesas de outro concelho”.
A 6/12/1800 foi admitido como médico o José Joaquim de
Oliveira Semedo, mas logo no ano seguinte a sua nomeação foi posta em dúvida. A
situação é caricata, tendo sido referida por Oliveira Martins na sua História
de Portugal, de forma jocosa, pelo que transcrevo do auto respectivo a parte
relativa ao assunto.
Auto de Vereação de 14
de Março de 1801.
E propôs na mesma
Vereação o Vereador segundo Manoel de Jesus Ribeiro que havia requerido a
presente Vereação para despacho das partes, e a bem da Fazenda Real, que no dia
seis de Dezembro, próximo passado apareceu em Vereação daquele dia José Joaquim
de Oliveira Semedo, requerendo que por ser Médico pretendia o partido desta
Vila mostrando uma Carta a qual foi lida, em língua latina pelo Doutor Juiz de
Fora que depois disse ele e mais Vereadores que aquele pergaminho eram Cartas
de Formatura em Medicina, e por essa razão o dito Vereador segundo, e os mais
Vereadores aceitaram, e assignaram a eleição que eles mesmos fizeram, do dito
José Joaquim de Oliveira Semedo, para Médico do partido desta Vila na fé de que
era Médico, porem depois se espalhou a notícia de que o dito José Joaquim de
Oliveira Semedo não era Médico, e que as Cartas que tinha mostrado em acto de
Câmara eram supostas, conforme ele Vereador Segundo tinha ouvido, e por essa
razão fazia a presente proposição e pretendia, fosse chamado o dito Médico para
vir a esta Câmara com as Cartas de Formatura a fim de serem vistas, e ficar ele
Vereador desenganado, e livre de suspeitas, e dúvidas, por que no caso de ser
Médico legitimamente se lhe continuasse o partido, e a não ser fosse suspenso
do mesmo partido.
E logo votou o
Procurador actual deste Concelho, que não tinha necessidade de ver outra vez as
Cartas deste Médico José Joaquim de Oliveira Semedo, pois já as tinha lido o
Doutor Juiz de Fora Presidente desta Câmara no acto de Câmara, em que foi
ouvido.
E votou o terceiro
Vereador Manuel Victor de Almeida e Costa que visto a proposição do Vereador
segundo Manuel de Jesus Ribeiro, protestava, não ser responsável em tempo algum
por sua pessoa, e bens, para a satisfação do partido do dito Médico enquanto se
não verificar a certeza de o ser.
E votou o Vereador mais
velho Domingos António Nunes, que as Cartas que o dito Médico apresentou em o
acto de Câmara, em que se lhe conferiu o partido de Médico, foram lidas pelo
Doutor Juiz de Fora Presidente desta Câmara, e que não tinha dúvidas nelas; E
que a proposição do segundo Vereador, era por ser Cirurgião, e ter prejuízo,
que haja Médico residente na Vila; E que o terceiro Vereador tinha assim votado
porque era Boticário, por que não mandava para a sua botica as receitas todas.
E logo disse o Vereador
segundo o Vereador segundo Manuel de Jesus Ribeiro, que à vista de todos do
Vereador mais velho, e do Procurador, protestava não ser responsável por seus
Bens a Real Fazenda do Cofre das Sisas donde sai o pagamento de alguns dos
quarteis, antes de apresentar as Cartas originais de Formatura.
As suspeitas eram fundadas, de tal forma que a notícia
ultrapassou os limites do concelho e o médico resolveu despedir-se e “isto da cidade de Évora para onde foi
tratar dependências de sua casa”. A Câmara aceitou de imediato e decidiu
mandar publicar na Gazeta que o partido estava vago.
Em junho de 1802 a Câmara pede ao rei que dê o lugar ao
cirurgião António Borges de Lima enquanto não houvesse médico que residisse na
vila. O problema volta de novo a provocar divergências, agravando alguns
vereadores para o rei. Estas decisões reais não são referidas nos autos,
todavia a morosidade destes processos acabavam por ser ultrapassadas pelas
novas conjunturas. Contra a nomeação deste médico opôs-se Manuel de Jesus
Ribeiro que é admitido, mas faleceu ainda nesse ano.
É admitido então Francisco de Sales Godinho, francês que se
dizia cirurgião mas a sua nomeação era ilegal pois necessitava de confirmação
régia e acaba também por ser demitido.
A 3/8/1803 é apresentado o Dr. António Firmo de Figueiredo
Moreira a pedir o seu antigo partido de médico com o ordenado de 60 000 reis
anuais enquanto não houvesse um médico formado que viesse residir na Moita. E
como saíra logo que apareceu o Dr. Semedo que se dizia formado mas que se
ausentou, devia por isso ser de novo admitido porque a Câmara nunca procedeu
legalmente contra ele pois nunca faltou às condições do seu termo. A Câmara
aceitou na condição deste sair logo que houvesse médico formado e nas condições
a que se tinha sujeitado em 14/3/1796, a saber; vir duas vezes por semana curar
os enfermos, aos pobres de graça e aos outros não pedir mais de 60 reis por
visita e vir todas as vezes que fosse chamado e houvesse necessidade. Faltando
a estas condições e havendo duas testemunhas podia ser despedido, não sendo por
doença ou urgente necessidade. A decisão não foi pacífica, tendo os vereadores
agravado para o Supremo Tribunal tanto contra a admissão do médico como contra
o Juiz de Fora por este ter decidido a sua admissão e mandado pagar os seus
honorários o que na opinião dos vereadores só podia ser executado por despacho
da Câmara.
Em 1807, o partido de médico é conferido ao bacharel José
Ferreira Cidade, morador no Lavradio. No ano seguinte o bacharel João Batista
Antunes pede para ser nomeado para o partido médico, porque o actual servia
interinamente e enquanto não aparecesse outro que se obrigasse a residir na
vila. Este pedido é aceite, devido à necessidade de um médico residente na vila
e o anterior é despedido pela impossibilidade que tinha em assistir aos
enfermos visto morar no Barreiro e nela ter o partido de médico. O médico João
Antunes fica obrigado a residir na vila, a curar de graça os pobres, a cobrar
pelas visitas 120 reis na vila e 300 reis no termo e o ordenado era de 140 000
reis. Ainda neste ano é despedido por se ter ausentado sem dar conhecimento nem
ter autorização da Câmara.
Em 1810 este médico volta a requerer o dito partido, é aceite
nas mesmas condições de 1808, mas vai requerer ao rei que lhe aumente o
ordenado, que é pago pelo cofre das sisas, pois é a causa do pouco interesse em
servi-lo
A relação dos médicos com a Moita pode ser resumida pela
justificação que deu para aceitar o cargo, “só
aceita o cargo por ter na Moita pessoas da sua familiaridade e ficar perto da
corte, onde tem a família”, mas na esperança de um aumento que satisfaça a
sua subsistência física, de um criado e de uma ama. Afirma que 140 000 reis
chegam apenas para manter uma cavalgadura, absolutamente necessária a um médico
para o desempenho do seu ofício. Recorre por isso à benignidade do rei para lhe
conferir um partido de 300 000 reis pagos pela mesma maneira, para fazer face a
outras despesas com casas e rebate de papel-moeda (estávamos em pleno período
de invasões francesas) e porque o médico deve tratar-se com decência e
gravidade. A resposta é favorável ao requerimento apresentado, considerando não
serem excessivos os 300 000 reis, não só pelas razões apontadas como ainda
porque as circunstâncias e a saúde pública exige ainda mais que em outro tempo
a assistência de um médico, pois a guerra e a invasão do inimigo tem feito
sofrer na corte e mais povoações quase uma epidemia, sendo certo que irá haver
falta de médicos, não só pelos que têm ido para a América como por ter fechado
a universidade de Coimbra. Quer dizer que não era lugar apetecível para a
classe. Esta situação vai ser recorrente ao longo do século com uma ou duas
excepções.
Em 1873 Silva Evaristo aposentou-se. Aberto novo concurso é
admitido Joaquim Nascimento Trindade de 28 anos, porque “mais pode satisfazer ao exercício clínico da área da freguesia cuja
maior parte precisa ser percorrida a cavalo”, em detrimento de outro concorrente
porque “já é septuagenário”.
A 6/8/1874 é admitido como médico na vila da Moita, Alexandre
Gomes Carvalho Ferreira. Toma posse a 1/4/1875, (meio ano depois), em 6/8,
demite-se.
Abre-se concurso para novo médico e a 2/10 toma posse Joaquim
Nascimento Trindade Rodrigues a 5/12 pede licença para se ausentar. Em janeiro
de 1876 continua a faltar, justificando-se pelo facto da “mulher estar doente” e pede licença para se ausentar. Em maio pede
exoneração do cargo, o que não é aceite, mas no mês seguinte volta a pedir
licença para se ausentar.
A 21/6/1876 é admitido Jerónimo Gonçalves Ribas, a 4/8 toma
posse e no mesmo dia pede licença para se ausentar. Aguentou dois anos pois em
1878 pede exoneração.
Em outubro a Câmara regista que “o médico recentemente nomeado pede desculpa por não se ter
apresentado”, por várias razões, uma delas, “ter-lhe adoecido a esposa”.
Caso exemplar é o de Joaquim Silva Evaristo de Almeida, filho
do médico Silva Evaristo, personalidade prestigiada no concelho, e natural da Moita.
Apesar de ainda estudante do 5º ano, é aceite como médico, em virtude de não
haver concorrentes, mas depois de aceite recusa tomar posse. No ano seguinte
oferece a sua tese de licenciatura à Câmara, que muito se orgulha do acto pois “trata-se de um filho desta terra”.
João José Santos Graça é admitido em 1880 devido “a informações favoráveis e honrosas que a
seu respeito pode colher”. Já que um dos vereadores preferia e votou noutro
concorrente. No mesmo ano pede exoneração.
No mês seguinte é admitido Gregório Rafael da Silva de
Almeida. Entretanto nos períodos em que não havia médico era solicitado o
médico de Aldeia Galega.
Joaquim da Cruz Nogueira é admitido em 1885, “por algum tempo, …, no impedimento do
efectivo” isto porque “grassando, …,
as epidemias de sarampo e anginas diftéricas se prestou a combate-las com a
maior energia, desvelo, desinteresse e inexcedível prontidão”.
Em 1886 é admitido João Cândido Cordeiro. Caso raro de
permanência no lugar, apenas suplantado por Silva Evaristo. Demitiu-se em 1901
desiludido com a Câmara. Diz que aceitou “o
cargo quando este estava desacreditado, não havendo ninguém que o quisesse
ocupar. Sai por lhe fazerem exigências a que não se pode submeter e à falta de
gratidão”.
Tanto João Cândido Cordeiro como Evaristo de Almeida
ofereceram à Câmara as suas teses de licenciatura. Tive oportunidade de as ler
quando estes documentos se encontravam na antiga biblioteca da Moita que
funcionava num pré-fabricado. Recordo que se tratavam de trabalhos que hoje nos
pareceriam coisa de alunos do liceu. Eram constituídos por cinco ou seis folhas
e dissertavam sobre a temática que preocupava a ciência médica na época, ou
seja, a higiene pessoal e pública como foco de doenças.
Câmara decide então que o médico de Alhos Vedros acumulasse
os dois lugares, que aceita, mas solicita imediatamente outro médico “para o coadjuvar”.
A falta de médico ou a sua negligência não cumprido com o
contratado que era a de não se ausentarem é constante. O exemplo registado nos
autos da Câmara de 1903 é prova disso. Diz assim; “Câmara lamenta que no dia de entrudo fossem requisitados, pela autoridade
administrativa, socorros a médicos diferentes, por ferimentos de que um deles
resultou a morte, e não se encontrasse no concelho médico algum”.
Em abril é admitido José Boleirão Proença que no acto de
posse que tem de se ausentar, mas deixa Alberto Guimarães a substitui-lo.
Acabará por ser este médico na Moita pelo menos até 1910. Em dezembro de 1908 a
Câmara faz-lhe um elogio, considerando-o “um
clínico modelo”.
Nesta sucessão de médicos devemos considerar o Dr. Silva
Evaristo um caso particular. Foi na Moita que fez a sua carreira, constituiu
família e morreu. É nomeado médico em 1845 e foi titular do cargo até 1873.
Neste ano aposentou-se e a acta da Câmara de 3 de Outubro elogiou a sua dedicação
nos 28 anos de serviço. Nos anos seguintes de 1874 e 1875 volta a ser chamados
várias vezes para desempenhar o cargo por falta dos efectivos, ou nos períodos
em que este vagava. Faleceu a 19-10-1877, pelo que transcrevo o acento de óbito;
Em 25 de Agosto de 1909 o Presidente da Câmara “como preito à memória de dois ilustres cidadãos; propõe que a rua de Palmela se passasse a denominar rua Dr. Silva Evaristo e a rua Direita, rua Teodoro da Costa Afonso, depois de obtida autorização dos familiares”. Filho de Silva Evaristo autorizou. Já o filho de Teodoro da Costa Afonso não autorizou “porque se fez benefícios ao Concelho, não fez mais que o seu dever”.
Aos dezanove dias do mês de Outubro, do ano de mil oitocentos
setenta e sete, por oito e meia horas da noite, em sua casa, na Quinta de Ponte
de Caia desta Freguesia da Moita do Riba Tejo, Concelho e Arcyprestado do mesmo
nome, Diocese de Lisboa, faleceu sem ter recebido os sacramentos da Santa Madre
Igreja, um indivíduo do sexo masculino, por nome José Joaquim da Silva
Evaristo, cirurgião médico pela escola de Lisboa, e proprietário, de cinquenta
e seis anos de idade, casado com Dona Isabel Maria de Almeida Evaristo, natural
da vila de Alverca do Riba Tejo, desta Diocese, e paroquiano desta da Moita,
filho legítimo de José Evaristo da Silva, e de Dona Jacinta Maurícia Gonçalves,
falecidos, naturais da supra mencionada Vila e Freguesia de Alverca. O qual não
fez testamento, deixou cinco filhos, e foi sepultado no cemitério público,
digo, e foi depositado no jazigo do Ilustríssimo José Luís Correia, levantado
no cemitério público desta Vila. E para constar, lavrei, em duplicado, este
termo, que assino. Era ut supra
O Prior- Miguel de Pina Melo
Em 25 de Agosto de 1909 o Presidente da Câmara “como preito à memória de dois ilustres cidadãos; propõe que a rua de Palmela se passasse a denominar rua Dr. Silva Evaristo e a rua Direita, rua Teodoro da Costa Afonso, depois de obtida autorização dos familiares”. Filho de Silva Evaristo autorizou. Já o filho de Teodoro da Costa Afonso não autorizou “porque se fez benefícios ao Concelho, não fez mais que o seu dever”.
Médicos em Alhos Vedros
As nomeações de médicos para Alhos Vedros surgem desde o
século XVII, altura em que temos documentação. Na Moita desde a criação do
concelho. Todavia a informação é escassa e irregular.
Em 1667 fazem os moradores de Alhos Vedros uma petição, “em que pediam fosse despedido o médico João
Rebelo”. Analisada a petição “o
houveram por despedido do partido visto as queixas que havia dele e a este
respeito se lhe não lançaram já este ano no cabeção das sisas os 60 000 reis
que lhe davam”.
Apenas sete anos depois surge nova referência. A Câmara
declara que “aceitaram por médico desta
vila a Matias Enriques,…, médico moraria nesta vila para todos os dias assistir
aos doentes, …, pagando-se-lhe suas visitas, …, pelo partido de 60 000 reis
pagos em quatro quartéis. … e também será obrigado a acudir aos lugares deste
termo quando for chamado pagando-se-lhe suas visitas na forma que no dito lugar
for estilo.”
Nova referência surge em 1685, onze anos depois. É nomeado
Domingos Ferreira, as condições são as mesmas, apenas diverge a linguagem,
agora em vez de visitas fala-se em “curas
e sangrias” e o ordenado aumenta para 100 000 reis. Esclarece que morando
fora da vila perde o lugar.
Nestes séculos o médico podia recusar, (pedir escusa), para
qualquer lugar ou função para que fosse nomeado. Aconteceu ao médico Diogo
Mendes Castro, em 1690. Nomeado para recebedor das sisas, entende que “devia ser escuso, …, por ser muito
achaquado e por essa causa não poder satisfazer sua obrigação como também por
ser médico do partido desta vila e lhe ser preciso assistir aos doentes, …, e
ser médico do partido do Lavradio, …, e por estar de presente desposado e
recebido por procuração na província da Beira”.
Em Alhos Vedros a situação é pior, pois os médicos preferem a
Moita, onde ganham mais e têm mais clientes, pois tem mais população. Sempre
que vagava o lugar na Moita o médico de Alhos Vedros solicitava transferência.
Vejamos alguns casos; em janeiro de 1876 o médico em serviço
pede exoneração. Aberto concurso apenas concorre um médico licenciado pela
escola médica do Funchal, pelo que não podia ser “aceite”. Apenas eram admitidos médicos formados nas faculdades de
medicina de Lisboa, Porto e Coimbra. Todavia acaba por ser admitido em maio,
por não haver mais concorrentes. Apesar disso faltou ao acto de posse, o que
sendo “avisado”, respondeu “que só podia tomar posse em novembro ou
então renunciava”.
Não sei se chegou a tomar posse, mas em abril do ano seguinte
não havia médico nem concorrente para o lugar.
Entretanto deveria ter sido admitido outro médico pois ainda
em novembro desse ano a Câmara regista que o médico resignava e era admitido
José Carmo Borges. Não chegou a aquecer o lugar pois em abril seguinte já não
há médico nem concorrente ao lugar. É admitido em novembro José Maria Jacob,
mas a história repete-se, em abril do ano seguinte nem médico nem concorrentes.
A falta de médico em Alhos Vedros levava a Câmara a tentar
remediar a situação. Assim em 1879 é o médico da C.P. a pedir para “ir diariamente a Alhos Vedros visitar os
enfermos”, o que não é aceite.
Além disso a Câmara encarrega o médico da Moita a ir a Alhos
Vedros, “para não deixar aquele povo
abandonado de recursos médicos” e porque “não onera o município,…, antes pelo contrário”. Poupavam nos
vencimentos.
Entretanto outro médico terá sido admitido pois os “habitantes,…, pedem para serem visitados
pelo médico da Moita” porque “actual
é pouco assíduo nas suas obrigações”. É demitido e aberto novo concurso.
Esta situação é recorrente para todo o período em análise.
Outros casos; em agosto de 1883 toma posse o médico Porfírio
de Miranda, em outubro pede exoneração por “não
lhe servir continuar”.
Entretanto é admitido António Patrício de Miranda que deveria
ter-se demitido pouco depois, já que no início do ano seguinte não há médico
Aberto concurso não há concorrentes. Artur Lima Carvalho é
admitido provisoriamente e abre-se novo concurso. Em abril continua a não haver
concorrentes, em dezembro a situação mantem-se e torna-se necessário abrir
outro concurso pois tinha passado o prazo do concurso em vigor.
Só no ano seguinte de 1885 é admitido novo médico, mas
solicita imediatamente licença para se ausentar “devido aos seus negócios em Lisboa”, o que é recusado. Então o
médico pede exoneração do lugar. Quer dizer, não chegou a exercer o cargo.
Em 1895 é admitido outro médico, no mês seguinte pede licença
para “se ir tratar nas termas”. Não
deveria ter voltado pois no início do ano seguinte é nomeado outro médico. Só
que, quando devia tomar posse informa que “
não aceitava o cargo”.
Caso insólito ocorreu em 1898 com o médico Teodorico
Ildefonso Colaço. Registam as actas que o referido médico foi agredido por
Francisco António Moreira e que “habitantes
de Alhos Vedros apontam irregularidades ao médico”. Assiste-se então a um
diferendo entre o médico e a população. Em face da discórdia a Câmara porque “duvida de algumas assinaturas, manda
averiguar os factos”. Por sua vez o médico “pede certidão da acta referente às acusações contra ele e as pessoas
que as fizeram”. Este diferendo é resolvido pela acta de 12 de dezembro
onde a Câmara conclui que o “médico de
Alhos Vedros, está dando lugar a contínuos clamores e conflitos, exige de
doentes pobres e indigentes honorários por serviços que tem obrigação de
atender gratuitamente negando-se a atender quem não pode pagar, chegando a
rasgar as receitas já passadas para não serem aviadas; apresenta-se em casa dos
doentes completamente embriagado, chamado muitas vezes em casos urgentes, não
vai, o que obriga a recorrer a médicos de fora o que obriga os doentes a pagar
1500 e 2000 reis por visita.
Na contestação
apresentada pelo médico algumas assinaturas foram extorquidas a doentes que
estava tratando e exigidas sob ameaças, outras são completamente falsas por
serem de indivíduos que não sabem ler nem escrever, outras são de indivíduos
moradores no Barreiro. Inquirido sob estas acusações respondeu de forma
inconveniente e ardilosa. Para impedir vindictas contra os que o acusaram e
irregularidades e restabelecer a tranquilidade, decidem afastar do meio deles
quem já não os pode servir”. Por unanimidade foi exonerado.
Os médicos só aceitam trabalhar em Alhos Vedros como última
opção. Isso continua a verificar-se nos anos seguintes. Logo em fevereiro de
1899 é nomeado novo médico mas no acto de posse diz que “não aceita”. Em abril é nomeado António Anastácio Bettencourt, só
que “não se apresentou para tomar posse”.
Faltando o médico em Alhos Vedros o cargo era assumido pelo
médico da Moita. Neste caso o médico da Moita, em Maio de 1899, pede exoneração
propondo para o substituir Manuel Fernandes da Costa Moura, que é aceite. Mas
em Abril seguinte é este a pedir a sua exoneração e é aberto novo concurso.
No ano de 1900 é o médico João Gonçalves que “aceita apenas interinamente visto a
epidemia de gripe que grassa no concelho”.
Alho Vedros tem a particularidade de existir uma
misericórdia. Aqui, desde o século XVII, a Câmara de Alhos Vedros ao contratar
os médicos estabelece uma cláusula onde obriga os médicos a curar “por amos de Deus”, os providos da
misericórdia, cláusula desnecessária, pois sendo provido da misericórdia não
tinha rendimentos e o médico só podia cobrar as consultas a quem tivesse
rendimentos acima de determinada quantia. Referido nas actas da misericórdia é
o caso insólito que passo a transcrever; “… lamentável caso de João Escumalha que regressava a casa e se disparou a
espingarda que trazia ferindo-se no braço, esmagando-lhe e rompendo-lhe uma
artéria, de que resultou forte hemorragia sendo socorrido pelo doutor João
Cândido Cordeiro com urgência de que resultou a salvação do infeliz, decidiu a
Mesa que fosse inserida na acta um acto de louvor agradecimento ao digno doutor
João Cândido Cordeiro, pelo desvelo, carinho, prontidão e desinteresse, …, para
salvar o infeliz”.
A misericórdia inicia, pelo menos desde 1894 a estipular no
seu orçamento uma verba para medicamentos. Apesar disso esta era reduzida ou
eliminada sempre que havia carências económicas ou financeiras.
A intervenção da misericórdia na saúde pública torna-se mais
importante na vila depois da segunda década do século XX como descrevo no
artigo: Assistência social na S. C. M. Alhos Vedros.
Guarda-mor da saúde
Nos séculos XVII e XVIII as câmaras nomeavam para todas as
localidades do concelho, não só as vilas sede, os chamados Guarda-mor da saúde,
que eram constituídos por um provedor, um escrivão e um meirinho. As actas
referem apenas as nomeações, e o nome dos nomeados sendo omissas quanto às suas
competências obrigações.
Funções do médico
Higiene pública
O final do século XIX foi particularmente agressivo em
epidemias que vitimaram milhares de pessoas. Em Alhos Vedros é inclusivamente
necessário, em 1898, alargar o cemitério “devido
à epidemia de varíola que tem atacado a região”. O desenvolvimento da
medicina estabelecia uma relação directa entre a propagação de certas doenças
como a cólera, a malária ou a gripe com as condições higiénicas. Assim a Câmara
sob proposta ou conselho do médico vai tomando decisões para combater a falta
de higiene.
Porto da lama, (da
merda)
Problema grave que afectou, desde o seu início, a vila da
Moita, foi a instalação do porto da lama, ou seja da merda, pois era disso que
efectivamente se tratava. Os dejectos de Lisboa eram transportados em barcos e
despejados na Moita. Tratava-se de um negócio altamente lucrativo para o
Presidente da Câmara de então, Antas Barbosa, que não vou desenvolver pois não
se insere no âmbito deste trabalho.
Certo é que logo em 1880 é a própria Câmara que reconhecendo
que “grassando há tempos nesta vila e
especialmente no sítio do porto a epidemia de varíola que tem afectado crianças
e adultos havendo já dois casos fatais, atribuía esta epidemia à montureira
existente no porto” decide fazer regulamento para “evitar futuros males”.
Outra decisão ocorre em 1882 determinando “a proibição de desembarque e acumulação de
estrumes no sítio da Orta, contígua à estrada do Rosário” devido aos
perigos para a saúde pública.
Em julho 1883 a Câmara considera que “nesta quadra mais doentia do ano, e quando a cólera ameaça invadir a
Europa, …, tomar precauções”. Entretanto ordena que se retirem o “mais breve possível” para fazer “desaparecer da vila qualquer foco de
infecção”. Por isso a Câmara decide elaborar um regulamento “para obstar à demora de estrumes”.
Médico fica incumbido de fazer a vistoria para “passada hora e meia donos intimados a retirar os adubos”.
As ditas lamas tornam-se um problema que a Câmara procura
resolver sem sucesso. Ora determina que as lamas e lixos existentes no porto
fossem “mudados para a fazenda do
Clemente contígua ao Juncal” como determina ao encarregado da companhia dos
descarregadores do porto “para que não
permita o desembarque das lamas e outros quaisquer objectos na área no porto,
sem que se dirija ao guarda da Câmara para este destinar, …, lugar onde devem
ficar depositados”.
Também perigoso para a saúde pública é o facto de algumas
pessoas, como foi o caso de dois filhos de Bernardo Tavares, andarem “na apanha de trapos vindos nas lamas da limpeza
da cidade de Lisboa, …, que se costumavam desembarcar e depositar no porto”.
Por isso esta prática foi proibida.
Apesar disso o negócio não parou. Por exemplo em 1885 a
Câmara proíbe entre Julho e Outubro, “por
disposições higiénicas e sanitárias” a “importação
de lamas”. Imediatamente os barqueiros reclamam 60 000 reis correspondentes
a 120 barcos que deviam carregar e assim ficam impossibilitados de o fazer. É
fácil fazer as contas. Um barco de merda por dia, recebendo o dono do barco 500
reis por carga. Também os rendeiros do imposto do cais e porto “pede abatimento por, …, não haver
desembarque de lamas no porto, …, se achava prejudicado em relação ao preço de
arrematação”.
Percebe-se que a Câmara não conseguia resolver o problema e
tomava medidas conjunturais. Repare-se nesta de 1900, em que proíbe “a descarga de lamas no porto, desde o muro
da caldeira até ao lugar onde estão as lenhas. Só pode descarregar quando as
águas forem de quebramento que impeçam os barcos de chegar mais acima, depois
de obter licença do vereador do pelouro”.
No ano seguinte nova decisão. Diz que de Maio a Setembro é “proibido depositar lamas, estrume ou outros
adubos no porto. Só pode descarregar para dentro das carretas”. Num auto
posterior é também proibido “o desembarque
de lamas para depósito” para “mais
tarde não estorvar o desembarque por conta dos fazendeiros”.
Até 1910 foram tomadas diversas medidas para resolver ou
minorar a situação. Apesar disso em 1909 a Câmara ainda reconhece que “lixo importado para agricultura empesta”.
Focos de infecção
Diferentes razões podem provocar focos de infecção,
nomeadamente as águas estagnadas. É o que se verifica em diversos casos. Uma
das situações descrita em 1884, diz que na estrada para o Barreiro “ao lado do aterro contígua à propriedade de
Francisco Gomes de Jesus, havia uma porção de terreno onde se acumulavam águas
por falta de um viaduto que lhes dê passagem podendo na próxima época calmosa
resultar dali prejuízos para a saúde pública”. É decidido tomar as
providências necessárias.
Em Alhos Vedros o Administrador do Concelho, em 1895, “solicita que mande pôr à disposição do
delegado de saúde meia barrica de cloreto e meia de sulfato de cobre para
desinfeção de valetas e outros lugares”.
Outra situação ocorre em 1906 quando o médico de Alhos Vedros
contesta junto da Câmara, “condenando a
forma como se está a construir uma fossa junto à estação da C.P.”.
Paços do concelho
Logo na década de oitenta o médico lembra “a conveniência de mandar caiar o pátio dos
Paços do Concelho, e as cadeiras que se acham bastante porcas” por ser
assunto de “salubridade pública”.
Escolas
Também nas escolas o médico “lembra a conveniência de serem lavadas repetidas vezes e desinfestadas
as sentinas,…, limpar com grandes quantidades de água,…, semanalmente com
desinfetante”.
Limpeza das ruas
A limpeza das ruas da vila passa a ser também uma
preocupação. Em 1903 é determinado que os “varredores,
…, tem ordem de varrer as valetas e limpar as imundícias do macadame, por determinação
do subdelegado de saúde”. No mês seguinte “lembra a conveniência de se fazer a limpeza das ruas às duas horas da
manhã e de se deitar cloreto de cal onde for preciso”. Em 1909 a
Câmara determina que o “zelador não
consinta montureiras dentro da vila, e olha-se com mais cuidado de forma como
se faz a limpeza de ruas, cujo estado é deplorável”.
Pão
Também sobre o fabrico e venda de pão se tomem medidas de
caracter sanitário. Assim foi aprovada uma postura municipal que decide que é
proibido pôr à venda pão bolorento, pouco levedado, mal cozido ou fabricado com
farinha que tenha mistura, prejudicial ou não à saúde. Determina ainda que é “proibido empregar no fabrico pessoa pouco
asseada, ou que padeça moléstia contagiosa ou asquerosa”. O incumprimento é
penalizado com 2 000 reis de multa. “Para
se aplicarem estas multas, …, é necessário reconhecimento da entidade
sanitária”.
Água
Também relativamente à salubridade da água para consumo das
populações o médico intervém. Em 1883 o médico de Alhos Vedros apresenta um
ofício onde solicita reparações no poço, para que a população tivesse acesso a
água potável, demonstrando em que consistiam as reparações. A Câmara
constatando que as ditas reparações orçavam em cerca de 100 000 reis decidiu
que “não é possível para já”.
No ano seguinte de novo o médico sugere a “urgência em adquirir por qualquer meio o
porte de uma fonte de excelente água sita em um caminho público e numas salinas
pertencentes a Vicente Coelho de Miranda, …, água do poço, …, está transtornada”.
No ano seguinte a Câmara decide “melhorar poço de água potável de Alhos Vedros” mandando fazer “reparos” para “evitar que infiltrações alterem a água” pelo que manda “betumar fendas e calçar com preciso declive
a área que o circunda”. Obviamente os reparos não resolveram nada.
Relativamente a este assunto passaram duas décadas até a
Câmara voltar a preocupar-se quando solicita que o médico de Alhos Vedros “informe sobre doenças epidémicas e sobre a
influência que tenha o consumo de água do poço”.
Já na Moita a situação de seca em 1906 obriga a tomar
medidas, não só limpando o poço do concelho, chamado das bravas, como a tentar
melhorar a mãe de água e a sua canalização ao chafariz. Medidas que não
resolveram a situação pois a água continuava insalubre. A Direcção da C.P. Sul e
Sueste, a pedido da Câmara, “autoriza os
habitantes da Moita a utilizarem a água do poço da estação enquanto durar a
presente estiagem, sujeito às horas em que a estação está aberta”. Câmara
fica reconhecida.
Talhos
Nos talhos do concelho torna-se obrigatório “trazer balanças, pesos e cepo no maior
estado de asseio”.
Matadouro e abate de
animais
O matadouro deve ser limpo. A decisão da Câmara é clara neste
aspecto quando em 1881 afirma que “ casas
do paço e açougue se acham no maior estado de porcaria, …, intimados a
conservar no maior grau de asseio”.
Também perigoso para a saúde pública é o abate de animais
doentes, pelo que é decidido “não
permitir (abate de reses e porcos), sem
prévio exame do vereador, do médico e do regedor” Já no século XX, compete
ao médico da área do matadouro “avaliar
estado da carne” assim como do estado de limpeza do matadouro.
Peixe
A venda de peixe fica também sujeita a controlo sanitário. A
partir de 1880 é decidido fazer um regulamento para esta actividade devido aos “abusos praticados pelos vendedores de peixe
nos mercados públicos, …, denominados paços de venda, …, indo (o povo) abastecer-se,
…, se encontravam em estado de putrefacção …, outras vezes com preços acima do
primeiro pregão”.
Iluminação pública
Relativamente à iluminação pública também se tomam medidas.
Determina a Câmara que os candeeiros sejam limpos “por se considerar anti-higiénico e evitar desenvolvimento de febres”.
Amas
A miséria no concelho era endémica. A Câmara subsidiava
amas-de-leite para criar crianças cujos pais não podiam ou não queriam fazer. A
justificação mais comum era a de que se tratava de crianças órfãs ou
abandonadas. Era vulgar também as mães não terem leite, os pais já terem muitos
filhos ou por serem “extremamente
miseráveis”.
A Câmara só efectua o pagamento às amas depois do médico inspeccionar as crianças e atestar ”estarem
no melhor estado de saúde e tratamento”.
Sortes
Compete também ao médico assistir “às sortes” militares. Todos os anos, entre os mancebos sorteados
para o serviço militar vários pediam “escusa”.
Os motivos desse pedido de escusa, por vezes, requeriam a opinião do médico.
Relacionavam-se sobretudo deficiências físicas e mentais, ou insuficiência
física, “ser muito fraco”. As
decisões destes exames médicos, por vezes, ficam registadas, mas numa frase que
justifique o veredicto, como em 1879 em que um mancebo é escusado porque o
médico “confirma gaguez e alguma coisa de
surdo”. Já no ano seguinte, um outro mancebo que afirmava ser surdo, não teve
a mesma sorte, porque o médico não confirmou.
Jazigos
Foco infeccioso era sem dúvida a falta de cuidado com os
cadáveres. Por isso a Câmara decide que os jazigos da capela do cemitério
fossem desinfectados com “cloreto de cal,
sulfato de cobre e água de la barraqua” (?).
A partir de 1898 os donos dos jazigos ficam obrigados a
limpá-los uma vez por mês.
Prevenção das doenças
Apesar das medidas atrás referidas visassem prevenir e
combater as doenças e sua propagação outras de carácter mais específico foram
tomadas. Vejamos; em 1899 é o Governo Civil que dá instruções “sobre a recepção, isolamento e tratamento
de alguns doentes com moléstia suspeita”. Ainda nesse ano é a Câmara que
decide transferir todas as verbas destinadas a obras que ainda não se tivessem
iniciado para “despesas sanitárias”.
Decide ainda “incluir no orçamento verba
para fundo de beneficência contra a tuberculose”.
Ainda nesse ano informa que “no Instituto Bacteriológico de Lisboa pode ser requisitado soro anti-tetânico
gratuitamente, aos munícipes e indigentes que o requisitem. Às farmácias pelo
preço de 900 reis, assim como a vacina anti-pestosa que poderão vender pelo
preço máximo de 1 000 Reis”.
Em 1900 é o Administrador do Concelho que requisita uma
barrica com cloreto de cal para desinfeção de alguns locais.
No ano de 1901 é autorizada a compra de aparelhos de
desinfeção, mas não especifica.
Em 1903 “o subdelegado
de saúde, requisita desinfectantes e um pulverizador para combater doenças
contagiosas, endémicas ou epidémicas e lembra a necessidade de prover os
edifícios dos Paços do Concelho e das escolas primárias com escarradores para
evitar que se lancem sobre o pavimento a expectoração”.
Requisita também “frascos
de vidro com capacidade de 1 litro para colher amostras para análise em Lisboa
e caixas para enviar os frascos”. A Câmara não atende porque “não tem orçamento”.
Ainda neste ano torna-se obrigatória a vacina anti varíola.
A situação todavia não melhora e a Câmara decide em 1908 “que se dê desinfectantes aos povos de Alhos
Vedros e da Moita”.
Já em 1910 é decidido “regular
o funcionamento do serviço de desinfestação de habitações no concelho, de forma
a que não seja a cargo da Câmara podendo os moradores pagar. Só será dada
assistência aos reconhecidamente pobres”. E é decidido o seguinte preçário:
1 grama de sublimado 30 reis; 1 grama de formol 500 reis; 1 grama de enxofre 40
reis.
Neste ano de 1910 a Câmara ordena que o “subdelegado de saúde tome medidas enérgicas em relação à higiene na
previsão da cólera”.
Instalações
hospitalares
Em qualquer dos concelhos nunca houve instalações próprias
para tratar ou internar doentes. Apesar de sabermos da existência de hospitais
em Alhos Vedros desde o século XV, estes não tinham a função que hoje lhe
atribuímos.
No final do século XIX as epidemias matavam sem olhar a sexo,
idade ou classe social. A Câmara não podia ficar indiferente. As epidemias
matavam e metiam medo. Por isso em 1883 decide “dispensar qualquer quantia para fundação e manutenção de hospitais
para coléricos” como também “por em
execução todos os esforços para prover de remédio e os mais prontos socorros”.
No ano seguinte é o próprio Administrador do Concelho que “oferece casa, …, próximo da vila, …, na
quinta de S. Rosa para formação do hospital de coléricos”. Para o formar e
manter a Câmara despende a quantia de 800 000 reis. Passado o período de maior
crise epidémica parece que o interesse no hospital também passou.
No ano de 1885 é aberto um auspício na rua Direita pois a
Câmara arrenda uma casa para o efeito, tendo pago um ano de renda adiantados.
A situação era de tal forma grave e preocupante que a Câmara
informa a direcção dos Caminho-de-ferro que “no
sítio do alto da Moita cujo terreno havia a mesma direcção arrendado para fazer
ali um barracão por ordem do Ministério do Reino, a fim de nele isolar qualquer
passageiro que por ventura fosse no trajecto atacado de doença suspeita.
Informar que tal construção se não reatou”.
Já no século XX, 1903, é o Administrador do Concelho “que pede um quarto para instalar a
subdelegação de saúde”.
Havendo necessidade de tratamentos ou internamento os médicos
enviavam os doentes para o hospital de S. José, ou estes apresentavam-se
pessoalmente. As despesas ficavam por conta da Câmara. As verbas gastas são
regularmente referidas nos respectivos livros de contas da Câmara. Atingiam
somas elevadas ficando a Câmara sempre devedora que ia pagando conforme podia.
Várias vezes suspeita destas verbas, por vezes desconfia das pessoas que se
apresentavam no hospital, sob o pretexto de não serem da Moita. Certo é que não
havia controlo e a dívida ia sempre aumentando.
Farmácias
Num auto de Dezembro de 1908 é dito que na Moita existem três
farmácias. Determinado que o “fornecimento
de medicamentos a pobres e bolos para extinção de cães seja dividido pelas
três”.
Vencimentos
Os vencimentos dos clínicos foram, como é natural, aumento ao
longo dos tempos. Todavia a sua evolução foi lenta, estando quase um século sem
alterações. Em 1667 o ordenado do médico no concelho de Alhos Vedros era de 60
000 reis e em 1685 era de 100 000 reis.
Já na moita mais de um século depois, em 1803, se mantinha em
60 000 reis acrescido de 60 reis por visita, não incluindo os pobres que tinha
consultar de graça. Em 1807 passa para 140 000 reis podendo cobrar 120 reis por
visita na vila e 300 reis no termo. Em 1810 passa para 300 000 reis como descrevi
atrás.
No final do século estes preços mantêm-se.
Em 1877 o médico de Alhos Vedros recebe 300 000 reis anuais e
pode cobrar as visitas, só a quem pague 1 000 reis de imposto, ao preço de 200
reis sendo na vila, 500 reis no campo e 120 reis se a consulta se realizar em
sua casa, no ano seguinte aumenta para 150 reis. Aos pobres não cobrará nada e “não poderá negar-se sob pretexto algum, …,
e a qualquer hora”. Passará as certidões de óbito gratuitamente. Fica
proibido de se ausentar por mais de 24 horas.
As dificuldades em recrutar clínicos levam a Câmara a
reconhecer os “deficientíssimos honorários do facultativo” e decide que as
consultas no campo passem a custar 500 reis sendo dia e 1 000 reis sendo de
noite.
Na Moita face às dificuldades em contratar médicos o
vencimento passa para 350 000 reis, em 1884 aumenta para 400 000 reis e no ano
seguinte para 500 000 reis, por ano.
O subdelegado de saúde aufere mais uma bonificação de 100 000
reis, anuais.
No caso de o médico acumular as duas freguesias, Alhos Vedros
e Moita, acumula com o seu vencimento 200 000 reis. Não recebe dois
vencimentos.
Para outro tipo de intervenção médica a Câmara definiu que “não havendo tabela de honorários por
qualquer operação cirúrgica pequena ou grande” esta seja feita “de acordo com os pacientes fixando-se
sempre com a máxima modicidade e em relação às forças de cada um”.