O
diabo do Braga da Moita
Manuel Luís Braga, o diabo
do Braga da Moita, foi um liberal, pelo que se percebe nas entrelinhas do
documento. Terá sido, (não posso confirmar) enforcado pelos absolutistas no
reinado de D. Miguel.
Este personagem da história
moitense apaixona só pelos documentos abaixo transcritos. É possível, até
porque estes autos dão várias pistas de investigação, saber mais. Até lá… deixo
aqui o que pude apurar, na esperança de que motive outros com mais
disponibilidade, a investigar.
Auto de Vereação de 12 de
Janeiro de 1805.
E na mesma, foi proposto
pelo Procurador deste Concelho António de Sousa Freire que em vereação de vinte
e dois de Dezembro do corrente ano próximo pretérito, se haviam eleito por esta
Câmara para servirem de Almotaceis, nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março do
presente ano unanimemente consensoem (?) sairão eleitos Thomas António Soeiro e
Valentim José Emmaus sujeitos hábeis, e capazes segundo a ordem desta Povoação,
pois que têm bens, ofícios decentes, são naturais e moradores nesta vila,
filhos e netos de vereadores, e do Procurador deste Concelho, e sabem ler e
escrever, e não serem licenciados, por isso condignos do sobredito emprego para
que foram eleitos, de cujos cargos se lhe não deu logo posse por obstar a falta
de solenidade que está em prática de mostrarem suas folhas corridas ficando
transferida esta ultimação para outro dia, sucedeu pois que um Luís da Silva
Braga com orgulhoso despotismo só para nutrir as suas más intenções, da
mavolencia (?) do seu génio por uma simples suspeita pediu vista da sobredita
eleição, que sendo-lhe concedida pelo Meritíssimo Presidente que talvez lha não
devera dar-lha pois que só pode pedi-la e agravarem das determinações da Câmara
os vogais dela, por serem os membros que decidem as determinações da mesma, que
em segredo se devem entender se propõem, facto este que só competiria pedir
vista, e conceder-se-lhe depois de publicada, e executada a resolução, da
vereação, assaz privilegiada pelas leis e pela razão, pois ao contrário, nunca
se obteria completa execução, a que a Câmara determinasse, se antes de se
executarem se dessem vista a quem delas pedisse contudo concedida a dita Vista
fez em o dia sete do corrente citado o sobredito Braga, para vir com as razões
dos seus embargos para os apresentar no termo de vinte e quatro horas ao que
não satisfez suposto lhe fossem assinadas em audiência com pena de lançamento,
e passado este termo sendo por equidade o dito embargante avisado pelo escrivão
de nosso cargo para levar os autos, e formar os seus embargos os não levou o
expoente Procurador desta Câmara e Concelho requereu na audiência do dia dez o
lançamento dos ditos embargos, que sendo-lhe concedido pelo meritíssimo Juiz em
termos pediu novamente o dito Braga outra vez vista para embargar o despacho já
dado do lançamento, que lhe foi concedido em termos: Tendo em vista o expoente
o relatado que só se encaminha a mover intriga, dolosa e culpável e aval acção,
e orgulho alheia de toda a razão, e lisura maiormente sendo praticada por um
homem que a todas as vistas não só maquina estas, e semelhantes desordens, como
também não é pessoa legítima para embaraçar as determinações da Câmara antes de
publicadas, e menos se achar habilitado para o fazer, pois que não tem
concluído a contestação dos factos de seus convícios com que se opôs Manuel
Ferreira Chaves interino vogal da Câmara e eleição, a que este assistiu quando
o embargante teve votos para ser almotacé nos três meses próximo passado que deles
se vê as vergonhosas exclusivas com que o sobredito vogal se opôs ao embargante
por isso incapaz de ser admitido em o recurso, que agora intenta: E por que na
época presente se precisa muito de haver juízes almotaces para a boa repartição
das carnes ao povo para vigiarem sobre a distribuição dos mais géneros de
primeira necessidade e examinarem a inteireza das aferições, punirem os
transgressores das posturas em que tudo tem parte a Real terça e serviço de Sua
Alteza Real exercícios que só aos almotaces competem na forma de seu regimento
constante na ordenação do reino, e régias Provisões e Ordens. Por tudo o que
fica dito lhe parecia ser de justiça e razão, fossem chamados os sobreditos
eleitos, que mostrando os seus alvarás sem culpa se lhe desse e deferisse o
juramento e posse para servirem de almotaces nos três meses mencionados, e que
assim isto satisfeito o escrivão de nosso cargo dos sobreditos autos, que param
em seu poder com mais documentos, que se julgassem convenientes, e deste justo
procedimento se desse conta a Sua Alteza Real pela secretaria de Estado ou ao
Régio Tribunal do Paço e assinou.
Auto de Vereação de 19 de
Janeiro de 1805.
E logo pelo Procurador deste
Concelho António de Sousa Freire foi dito e requerido, que Luís da Silva Braga morador
nesta vila, continuamente de noite e de dia não cessa de mal dizer dos
magistrados já do Meritíssimo Desembargador e Corregedor desta Comarca,
animando-se a rogar a muitos que quem dizia aqueles convícios era o diabo do
Braga da Moita, pois até o disse ao caminheiro Clemente José Correia quando
veio com a ordem do mesmo Corregedor para serem levantadas as guaritas do
contágio da peste, e que lho fosse dizer assim; e igualmente do nosso
Meritíssimo Juiz Presidente desta Câmara, Almotaces e mais Justiças, palavras
injuriosas lembradas só a quem tem um espírito revoltoso, maligno, e depravado,
que até ofende, não só a quem dirige sua maledicência, mas ainda aos que o
ouvem e isto sem escolha de lugar, pois que com toda a liberdade os publica, já
nos barcos da carreira, nas praças, casas de pasto e bebida, em que
frequentemente entra, até chega sua inimizade chamar e impor os títulos de
ladrão a todos: E por que o ponderado se faz digno de Providencia requeria se
lhe desse, segundo o caso exige castigo e quanto em atenção à sua pobreza e da
sua família, se lhe não quisesse impor a de prisão, ou autuação ao menos a de
assinar termo de não tornar a pronunciar tais palavras,……….., debaixo das penas
de degredos para terras de África, e as mais penas impostas pelas leis contra
os revoltosos, amotinadores e inquietadores do sossego e tranquilidade pública,
a fim de ver se por este modo se coíbe sua maledicência , e reprime a
depravação de sua má língua o que tudo é bem público nesta vila e aprovaria
sendo preciso com pessoas de crédito e verdade que repetidas vezes, e em os
ditos lugares o tem assim presenciado, e ouvido os pendurados factos e assinou
António de Sousa Freire
O que sendo visto e ouvido
pelos ditos vereadores determinarão se devera dar pronta execução ao que
requeria o Procurador actual deste Concelho, pois que tinham em vistão a
maledicência do sobredito Luís da Silva Braga, fosse o mesmo chamado na
primeira conferência desta Câmara para a execução do dito requerimento.
Auto de Vereação de 23 de Janeiro
de 1805.
E na mesma Câmara foi
presente Luís da Silva Braga avisado por mim escrivão em observância do
determinado a folhas, duzentas deste livro depois dele ser lido, a requerimento
do Procurador actual deste Concelho de folhas cento e noventa e nove verso
disse em sua defesa o seguinte: Que todo o conteúdo no dito requerimento passa
pelo contrário, pois ele sempre respeitou, e respeita a todos os delegados do
seu soberano, e igualmente a todos os concidadãos, como também as pessoas da
mais baixa plebe, o que tudo se deixa ver, não só do seu procedimento e acções,
como também na presente ocasião pelo comparecimento que fez, pois a passar na
realidade o conteúdo do requerimento, que todo ele é falso, e afectado, deveria
ele Procurador, ou outra pessoa que se sentisse agravada usar daquele meio que
lhe permite a ordenação do livro primeiro, título sessenta e cinco parágrafo
vinte e cinco, que pelo assim responder assinou
Luís da Silva Braga.
Auto de Vereação de 8 de
Novembro de 1806.
E na mesma representou o
Doutor Juiz de Fora desta vila António de Castro, Presidente desta Câmara, que
as notórias e públicas violências, despotismos e usurpação de Jurisdição,
praticados pelo almotacé Luís da Silva Braga, fazendo estes procedimentos
arbitrários, e de prisão, contra os vassalos de Sua Alteza Real, e oficiais de
justiça desta vila como praticou contra Francisco dos Santos Calado, Alcaide e
Carcereiro desta mesma vila mandando-o recolher na cadeia desta vila fazendo-o
descer para a enxovia pondo-o a tormentos, mandando-lhe deitar ferros, e
mandando intimar, a sua ordem ao Tabelião do Judicial, Escrivão do Geral desta
vila para que fosse à cadeia da mesma assistir às perguntas judiciais que o
dito almotacé com o escrivão da almotaçaria fez ao preso Francisco dos Santos
Calado, além destas coisas procedeu o dito almotacé a constranger aos
estalajadeiros desta vila para que debaixo de pena de prisão, dessem quartel
aos mendigos, como praticou com a estalajadeira Teresa Clara do Sacramento,
além disso entrando em correcção o dito almotace nas boticas desta vila
procedendo a condenações, contra os boticários desta vila como praticou contra
António da Rosa Martins e Castro, além de todos estes excessos, que de continuo
praticou, já depois de ser corrigido e advertido em Câmara, não resultando
desta correcção emenda alguma: foram estes os motivos e as razões que obrigaram
ao dito ministro a dar a providencia interina de suspender ao dito almotacé Luís da Silva Braga para assim o coibir e abster de tantos excessos até a primeira
vereação, em a qual o dito ministro expõe a esta Câmara para que ela haja de
decidir livremente o que muito bem lhe parecer sobre este procedimento: E sendo
ouvida por esta Câmara a representação supra decidiram que se convocasse as
pessoas do povo para que fossem ouvidas sobre estes factos e se era ou não
conveniente que o dito Luís da Silva Braga continuasse a exercer o dito cargo e
todos uniformemente disseram que eram verdadeiros, e públicos todos os factos
acima referidos e que de forma alguma convinham que o dito almotacé servisse o
dito cargo pois que era um homem apaixonado, e tudo quanto praticava no
exercício do dito cargo mostrava o amor e ódio para com as partes, pois
favorecia umas, por amor, e castigava outras por ódio e vingança, de tudo isto
mandou a Câmara que se lavrasse este termo e que todas as pessoas que presentes
se achavam assinassem, e eu Manoel Luís de Mendonça Ribeiro o escrevi
Valentim José Emmaus Martinho José de Almeida
José da Silva Pedro
José dos Santos
Joaquim Carvalho José Rodrigues
Manoel Ferreira Chaves Francisco das Chagas e
Silva
Manoel Victor de Almeida e
Costa Manoel da Costa
Manoel Rodrigues José Duarte
Simeão Rodrigues Pedro António
de Barros
José Joaquim Soeiro José António
Pereira Machado
José Carvalho de
Oliveira Francisco
José Correia
Francisco José Dias Francisco José
Maria Livrero
Assinaram de cruz:
Luís de Abreu Joaquim da
Costa
José de Oliveira Thomas José
Correia
António Carvalho de
Oliveira Cesário de Sena
Manoel Martins António
Lourenço
António de Pina Matias Cardoso
Manoel Nunes José Gonçalves
Sebastião José Manoel Cardoso
Valentim Gomes Manoel Pinto
Ribeiro
Bernardino de Sena a rogo de
Manoel Jorge
E sendo ouvidos por esta
Câmara, e perguntadas as pessoas do Povo que a ela vieram acima assinadas,
procederam a decisão do negócio exposto pelo doutor Juiz de Fora desta vila
Presidente da Câmara pela maneira seguinte; Votou em primeiro lugar o
Procurador actual do Concelho, que devia ficar suspenso do ofício de almotace
Luís da Silva Braga. Votou em segundo lugar o vereador terceiro, que não dava o
seu voto sobre o assunto proposto por que primeiro queria aconselhar-se.
Votou em terceiro o vereador
segundo, que devia ficar suspenso o oficio de almotace Luís da Silva Braga: À
vista da pluralidade de votos decidiu a Câmara que continuasse a ficar suspenso
do oficio de almotace Luís da Silva Braga: E determinava mais a Câmara, que de
todo este procedimento haviam dar conta a sua Alteza Real pela Mesa do Desembargo
do Paço onde se decidiria como parecesse mais justo.