Introdução
Este
trabalho sobre os caramelos na freguesia de Palmela é baseado na consulta dos
assentos paroquiais.
A
utilização do termo caramelo é apenas por comodismo nesta abordagem. O termo
aparece apenas uma vez num assento de óbito e duas vezes como apelido, sendo
que numa das vezes a pessoa é natural de Palmela e na outra de Azeitão. Vejamos
o referido assento:
Aos trinta e um dias do mês de Março de mil
oito centos trinta e
nove anos faleceu ab intestado, recebendo
somente o Sacramento da
Extrema Unção, José Joaquim, vulgo o
Caramelo, viúvo que era de
Bernarda Rosa, e foi sepultado no cemitério
d’ esta fregue-
sia de Santa Maria de Palmela, de que fiz
este termo que
assinei
O Prior Encomendado João Maria Boino
na margem; José Joaquim Caramelo
Utilizo-o
genericamente às pessoas que vieram da Beira Litoral e se fixaram em parte da
zona rural da freguesia de Palmela. Neste trabalho incluí também localidades
próximas da referida província.
No
sentido em que era utilizado no final do século XVIII e início do século XIX a
documentação não esclarece.
Por
isso confesso que não sei o significado que os contemporâneos lhe atribuíam.
No
trabalho com o mesmo título sobre o concelho da Moita, que está disponível
neste blogue, transcrevi os assentos em que o termo é utilizado, e sobre o
concelho do Barreiro divulgarei nos próximos dias. A análise desses assentos
não esclarece o que era um caramelo, mas, em parte, diz-nos o que não era. Por
exemplo, uma pessoa que foi enterrada sem se saber quem era, nem mesmo o nome,
é referenciado como caramelo. Porquê? Como se sabe que alguém é caramelo
olhando para ele? Da mesma forma se em locais como a Venda do Alcaide os
habitantes não são apenas oriundos da Beira Litoral, mas também de outras
regiões do país, como se diferenciam os caramelos?
Origem e quantidade
Cruzando
os assentos de casamento com os de baptismo podemos saber o número e origem
desta população que se fixou na freguesia de Palmela, com uma margem de erro
mínima devido ao facto de algumas pessoas casarem várias vezes, alguns terem o
mesmo nome ou porque ao longo da vida adquiriram alcunhas e são assim tratados,
sendo particularmente difícil saber se são ou não as mesmas pessoas e porque
apenas na segunda metade do século XIX os registos são mais precisos nas
informações.
Assim
podemos elaborar a seguinte tabela:
Localidade Homens Mulheres
Cadima
112 48
Tocha
110 84
Arazede 90 60
Mira
80 55
Quiaios
57 43
Cantanhede 54 23
Coimbra
36 18
Liceia
15 8
Viseu
22 3
Aveiro 13 7
Ferreira
a Nova
11 5
Alhadas
8 5
Folques 12 1
Louriçal 9 2
Leiria
8 2
Lamego
11 3
Guarda
10 4
Vila
Real
5 2
Porto
4 1
Braga
11 2
Vagos
5 1
Esta tabela não deve ser somada com as
divulgadas para as freguesias da Moita, Sarilhos Grandes e Alhos Vedros, porque
muitas destas pessoas foram já referenciadas nessas localidades, para se chegar
a um número exacto, (ou aproximado), terá de se cruzar os nomes das pessoas
nesta tabela referidas com as referidas naquelas freguesias.
Além
destes também se fixaram na freguesia pessoas de muitas localidades, como;
Bragança, Penafiel, Fronteira, Figueira da Foz, Tábua, Covilhã, São Gens do
Coito, São Martinho de Dume, Portalegre, Cernache do Bom Jardim, Covões,
Oliveira de Frades, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Hospital, Mangualde,
Monção, Alcobaça, Pedrogão Grande, Paião, Arganil, Porto de Mós, Monte Mor o
Velho, Felgueiras, Marinha Grande, Celorico de Bastos, Sobral de Monte Agraço,
Vieira do Minho, Miranda do Corvo, Tondela, Castelo Rodrigo, Guimarães,
Trancoso, Idanha-a-Nova, Fundão, Mafra, Torres Vedras, Torres Novas, Abrantes,
Alcanena, Sardoal, São Pedro do Sul, Góis, Figueiró dos Vinhos, Anadia, Caldas
da Rainha, Monte Redondo, Cinfães, Lousã, Batalha, Seia, Arcozelo, Neves,
Tomar, Ourém, Lafões, Avintes, Nelas, Soure, Cepães, Ferreira do Zêzere,
Carregal do Sal, Pampilhosa, Águeda, Moncorvo, Mealhada, Ovar, Carvalhal, Molelos,
para além de pessoas de todo o Ribatejo, Alentejo e Algarve.
Como
se percebe as pessoas originárias da Beira Litoral são a maioria, mas vieram
pessoas de todo o país.
Quanto
à naturalidade destas pessoas acontece que muitas parecem não saber onde
nasceram. Casam são naturais de uma localidade, baptizam um filho são naturais
de outra e alguns chegam mesmo a ser naturais de três localidades diferentes.
Estas
pessoas que chegaram a Palmela eram basicamente solteiros, embora também
chegassem algumas já casadas nas suas terras de origem, assim também podemos
elaborar as seguintes tabelas:
Naturalidade
das pessoas que casaram com caramelos:
Moita 70
Sarilhos
Grandes 70
Alhos
Vedros 30
Setúbal 6
Azeitão 5
Aldeia
Galega 5
Misericórdia
de Lisboa 41
Misericórdia
de Coimbra 22
Misericórdia
de Pombal 1
Misericórdia
de Soure 2
Misericórdia
de Souzel 2
Exposto
de Coimbra 2
Exposto
de Lisboa 1
Exposto
do Porto 1
Exposto
de Oliveira de Azeméis 1
Exposto
do Louriçal 1
Exposto
de Vila Real 1
Origem
e quantidade de casais que chegaram a Palmela:
Cadima 7
Tocha 7
Quiaios 6
Mira 6
Arazede 5
Penajoia 3
Cantanhede
2
Febres 2
Localidades
de onde veio apenas um casal, são as seguintes; Ferreira-A-Nova, Covões,
Alhadas, Cobelinhos, Carregal do Sal, Liceia, Paião, Santarém, Molelos,
Alpiarça, Ovar, Mangualde, Carvalhal, Celorico da Beira, Oliveira do Hospital,
Guarda e Sevilha (Espanha).
Verifica-se
que muitas destas pessoas vivem maritalmente sendo solteiros, em especial nas
décadas de setenta e oitenta, época de maior afluência de imigrantes. Sabemos
porque quando baptizam os filhos são solteiros. Alguns quando casam baptizam
vários filhos, outros por necessidade de legitimação dos filhos, outros ainda
só resolvem casar à beira da morte, como o seguinte:
Aos vinte e cinco
dias do mês de Março de
mil oitocentos e
sessenta e nove pelas três ho-
ras da tarde no
lugar da Carregueira desta
Freguesia de
Palmela, Concelho de Setúbal
Diocese de Lisboa,
sendo chamado para sacra-
mentar a Maria da
Silva, solteira, filha legí-
tima de José
Pereira e de Isabel da Silva, natu-
ral de Sarilhos,
paroquiana desta de Palme-
la e moradora no
dito lugar, por se achar gra-
vemente enferma e
em perigo de vida ele me
declarou, extra
conficionem, que tinha tido
contactos ilícitos
com Joaquim Branco Pa-
gaime, também
solteiro, trabalhador, natural
da Freguesia de
Arazede do Bispado de Coim-
bra, filho legítimo
de Manuel Branco Pa-
gaime, e de Maria
da Cruz, e que dele já
tinha três crianças
vivas, e que muito deseja-
va unir-se em
matrimónio com ele dito,
Joaquim Branco
Pagaime, e estando ele pre-
sente, e muitas
outras pessoas, eu os intimei
para me declararem;
se ambos eram solteiros
e se entre eles
havia algum impedimento, e
tanto eles, como
todos os circunstantes me decla-
rão não haver
impedimento algum, e pergun-
tados ambos, e cada
um de per si, se se queriam
unir em matrimónio,
me responderam que
sim, e por isso
seguidamente se receberam por
marido e mulher, e
os uni em matrimónio
procedendo em todo
este acto conforme o rito
da Santa Madre
Igreja Católica Apostólica
Romana. Foram
testemunhas presentes que sei
serem os próprios
Francisco Jorge de Torres
sacristão desta
Igreja, e muitas outras pes-
soas, homens e
mulheres, todos do mesmo dito lugar.
E para constar
lavrei o presente acento que comi-
go não assinaram.
Era ut supra. O Prior
António José do
Costado
Aos trinta e um
dias do mês de Março de
mil oitocentos e
sessenta e nove nesta Paro-
quial Igreja de
Palmela, Concelho de Se-
túbal Diocese de
Lisboa baptizei sole-
nemente a um
indivíduo do sexo femeni-
no a quem dei o
nome de Ana nascida às
dez horas da tarde
do dia quatorze de Março
corrente, filha
legítima de Joaquim Bran-
co Pagaima,
trabalhador, natural da fregue-
sia de Arazede do
Bispado de Coimbra e de
Maria da Silva,
falecida, natural de Sarilhos
Paroquianos desta
Freguesia de Palmela, e
moradores no lugar
da Carregueira, neta pa-
terna de Manuel
Francisco Pagaima e de Ma-
ria da Cruz, e
materna, de José Pereira e de
Isabel Pereira. Foi
padrinho Jorge de Mi-
randa, casado,
fazendeiro, morador na Carregueira.
Madrinha tocou com
prenda Maria
da Cruz, casada,
moradora na vila da Moita que
dou fé serem os
próprios. E para constar lavrei o
presente acento que
assino. Era ut supra e
que os padrinhos
não assinaram por não saberem
escrever. O Prior
António José do Costado
Onde se fixaram
Estas
pessoas tiveram dificuldades em se fixar, muitas nunca o conseguiram, por isso
nesta tabela registo o primeiro local onde habitaram,
Venda
do Alcaide 185
Fonte
da Vaca 110
Carregueira 45
Pinhal
Novo 40
Penteado 35
Ólhos
de Água 23
Terrim 23
Barra
Cheia 17
Lagoinha 15
Carrasqueira 14
Algeruz 13
Hortas 12
Cascalheira 12
Formas 12
Palhota 8
Vale
da Vila 8
Abreu 8
Arraiados 7
Vale
de Marmelos 4
Batutes 4
Na
Lagoa da Palha habitaram quatro casais, pelo menos temporariamente, mas não
consta desta relação porque não foi primeira opção como residência.
Note-se que este registo se refere à segunda
metade do século XIX porque até aí os assentos não são explícitos. Também não
contêm a totalidade das pessoas que viviam nestas localidades, como seja o caso
de pessoas de apelido Valente na Barra Cheia ou Escumalha no Penteado, pois na
segunda metade do século são todos já naturais de Palmela, Moita, Sarilhos
Grandes ou Alhos Vedros.
Na
Venda do Alcaide, até à década de sessenta do século XIX as pessoas que aí se
fixaram eram de origem muito diversa. Desde as localidades vizinhas, sobretudo
Setúbal, mas também do Alentejo e do Algarve e mesmo uma família de origem espanhola.
Nas décadas de setenta e oitenta é exclusivamente caramela, mais os naturais
dos concelhos de Palmela e Moita e outras localidades vizinhas e os sempre
presentes expostos. Na última década voltaram a estabelecer-se nesta localidade
pessoas de várias origens em especial do Ribatejo e de novo alentejanos e
algarvios.
O
Pinhal Novo não se enquadra no mesmo contexto dos outros locais da região.
Aqui, apesar de se fixarem alguns caramelos, nunca foram a maioria da população.
Desde logo as pessoas que trabalhavam nos caminhos-de-ferro, desde o chefe da
estação ao guarda da linha ou do revisor ao factor, eram na maioria alentejanos
e algarvios, assim como gente de Lisboa e de localidades vizinhas.
Da
mesma forma a outra população, mesmo os trabalhadores agrícolas e fazendeiros
são oriundos do Ribatejo, Alentejo e Algarve além dos locais e expostos, embora
aqui também se fixassem os caramelos referidos na tabela.
Acresce
que as características profissionais desta população são diversas do resto da
zona caramela. Enquanto nos outros locais as pessoas são quase na totalidade
trabalhadores agrícolas, fazendeiros ou proprietários, no Pinhal Novo surgem
diversas actividades artesanais como funileiro, latoeiro, oleiro, cesteiro ou
canastreiro, vários tipos de operários como serralheiro, fogueiro, pedreiro,
carpinteiro como também relacionadas com o comércio como lojista, taberneiro,
vendedor ambulante, negociante, caixeiro e barbeiro, ou outras profissões como
cantoneiro, amassador ou telegrafista, e, como qualquer terra que se presasse
também tinha o seu mendigo, sendo que nenhum é caramelo. São oriundos de
diversas localidades do país nomeadamente de Lisboa, e uma família de origem
francesa e várias de origem espanhola.
Na
Palhota, embora também se fixassem alguns caramelos, a maioria era originário
de outras regiões.
Lagameças,
Lagoa da Palha e Valdera só surgem no final do século e aqui são raros os
caramelos. Nestes locais o maior número e pessoas são naturais de localidades
próximas como Setúbal, Canha, Alcácer do Sal ou mesmo Grândola e Torrão.
De
Rio Frio temos apenas quatro assentos e são todos alentejanos.
Temos
então que a dita região caramela, no sentido que lhe temos vindo a dar, ou
seja, região colonizada por pessoas oriundas da Beira Litoral, começa na Barra
Cheia e acaba na Fonte da Vaca. Aqui as relações familiares são mais fortes. Os
caramelos casam com pessoas naturais da sua região, com naturais de Palmela e
freguesias vizinhas ou com expostos, os seus filhos casam também com
descendentes de outros caramelos, ou naturais das freguesias vizinhas ou
expostos. Da Barra Cheia à Fonte da Vaca, passando pela Cascalheira,
Carregueira e Abreu não entra pessoa de outra origem. O mesmo já não acontece
no Penteado e no Terrim, apesar de serem locais maioritariamente caramelos, vão
surgindo pessoas de outras regiões como algarvios e lisboetas.
A
Lagoinha recebe alguns caramelos mas a população local é maioritária e recebe
também pessoas de outras regiões para além de expostos de Lisboa.
Registe-se
que estas pessoas vindas da Beira Litoral não se fixaram de forma uniforme por
toda a freguesia. As regiões tradicionalmente agrícolas como Aires, Quinta do
Anjo, Barris, Cabanas, Hortas, mesmo a região designada como baixa de Palmela
não se fixou um só caramelo.
Actividade profissional
Profissionalmente,
os homens são em geral trabalhadores, trabalhadores agrícolas, fazendeiros e
proprietários, com algumas excepções como na Venda do Alcaide em que surgem
pessoas empregadas nos caminhos-de-ferro, e noutras actividades como
carpinteiro, cocheiro e vendedor ambulante. Também muitos dos homens que aqui
se fixam são, quando casam, soldados, depois surgem como trabalhadores
agrícolas ou fazendeiros.
Todavia
a actividade destas pessoas era muito volátil, quer dizer que mudava
constantemente. É comum um homem ser trabalhador agrícola, depois ser
fazendeiro, depois proprietário, depois volta a ser fazendeiro e de novo
trabalhador agrícola, depois de novo fazendeiro e volta a ser proprietário.
Menos
comuns são indivíduos com a profissão de cocheiros e guardas campestres.
As
mulheres são domésticas. Todas as mulheres casadas são domésticas. Em Palmela
não se verifica, como por exemplo em Alhos Vedros, mulheres com a profissão de
costureiras ou lavadeiras. Para confirmar a regra apenas três mulheres são
proprietárias.
Já
as mulheres solteiras ou viúvas, com filhos de pais incógnitos são jornaleiras,
embora algumas também sejam domésticas.
Roda e incógnitos
Até
à década de setenta do século XIX, as crianças cujos pais não queriam ou não
podiam criá-los entregavam-nos na roda. Os assentos dão-nos várias referências
sobre estas crianças e da forma como eram entregues. Deixar um filho na roda
não significava necessariamente que os pais se quisessem livrar dos filhos
definitivamente, alguns são entregues com determinadas roupas ou objectos que
permitiriam aos pais identifica-lo e eventualmente recuperá-lo.
Depois
desta data, com fim da roda, vão aumentar significativamente, (até aí muito
raros), os filhos de pais incógnitos, de ambos ou só do pai ou só da mãe.
Curioso
é o facto de estes assentos registarem o dia, hora e local de nascimento da
criança, por vezes o nome da parteira que fez o parto e depois serem filhos de
pais incógnitos. Muito mais curioso quando se trata de mãe incógnita. Se no
assento são registados os pormenores do parto e de quem o fez, assim como o
nome do pai torna-se impossível ignorar o nome da mãe.
Também
o número de pais incógnitos vai aumentar. Só se conhece a mãe. Por toda a
região caramela, e não só, vivem muitas mulheres solteiras, mas também viúvas,
tanto caramelas, como naturais locais, como expostas, que têm filhos
regularmente de pai incógnito.
Os
filhos de mãe incógnita são em menor número, ainda assim eram mais que nas
freguesias dos concelhos da Moita e Barreiro juntas, aqui são uma raridade, já
em Palmela ultrapassa a dezena, considerando apenas a região que aqui
designamos como caramela.
A
importância desta população, filhos de pais ou mãe incógnitos e de expostos, é
bastante numerosa, tanto na região caramela como no resto da freguesia, embora
aqui seja mais significativa. Posso mesmo afirmar que não há família, de
caramelos, onde não exista um exposto ou filho incógnito. Por isso as pessoas
que hoje se dizem descendentes de caramelos, se consultarem a sua genealogia
têm amplas probabilidades de acabar por bater com o nariz na parede, ou seja,
concluírem que são descendentes de pais incógnitos ou de expostos, e se torna
impossível verificar essa ascendência. E, como disse, não há família que escape
a este imperativo.
Porque se fixaram
A
imigração de caramelos para a região de Palmela e da Moita ocorre em dois
momentos distintos. Para a Moita foi sobretudo nos anos trinta e quarenta do
século XIX, enquanto em Palmela ocorreu sobretudo nas décadas de setenta e
oitenta desse século. Verifica-se também que muitos destes imigrantes que
vieram para a Moita se fixaram na própria vila enquanto na vila de Palmela
foram raros.
Podemos
constatar que por toda a região residem diversos caramelos, como sejam pessoas
de apelido Carromeu, Balseiro ou Chula, entre outros, descendentes de pessoas
que chegaram à Moita e a Sarilhos Grandes nas décadas de vinte e trinta do
século XIX, envolvidos nas campanhas liberais, alguns fazem parte da milícia
local, e por cá ficaram, casaram e fixaram-se e na segunda metade do século são
os seus filhos, netos e bisnetos a colonizar boa parte da região da freguesia de
Palmela que aqui designamos como caramela. Existem a viver por toda a região
pessoas com os referidos apelidos, mas são já todos naturais de Palmela, Moita,
Sarilhos ou Alhos Vedros. A este propósito veja-se, como exemplo, a família
Caçoete:
Em
1841, João Gaspar Caçoete, natural de Ferreira, casa com Francisca da Silva,
natural da Moita, e vivem na Fonte da Vaca. Tiveram vários filhos e filhas,
alguns morreram ainda crianças. A partir da década de sessenta começam a casar
os filhos:
Filipe,
começa por baptizar uma criança filha de mãe incógnita, casa depois com
Laurentina Vidal Valente, tiveram alguns filhos inclusive dois rapazes gémeos. Viviam
em Sarilhos Grandes.
Joaquim
que casa com Ana Jorge, tiveram vários filhos, tendo alguns morrido em
crianças. Sete atingiram a idade adulta e casaram, só um homem e seis mulheres.
Como as mulheres adquiriam os apelidos da mãe, temos que o Caçoete desapareceu,
as filhas são todas de apelido Jorge. Acresce que para além dos filhos gostavam
de ser padrinhos de crianças filhas de pais incógnitos. Moravam na Fonte da
Vaca.
José,
casa Joaquina de Oliveira, casamento que durou pouco por morte do dito José, mas
ainda tiveram pelo menos uma filha, de nome idêntico à mãe, Joaquina de
Oliveira, que por sua vez casa com José Jorge, natural da Tocha. Vivem na Venda
do Alcaide. Note-se que o apelido Jorge passa a ser comum aos dois irmãos
Caçoete.
António,
casa com Maria de Jesus, terão pelo menos três filhos. Moram na Fonte da Vaca.
Vimos
então que estes filhos de João Gaspar Caçoete e de Francisca da Silva, são
todos naturais de Palmela, assim como os filhos dos seus filhos, ou seja os
netos, que são adultos na década de oitenta e noventa, quando começam a surgir
os seus registos de casamento e os registos de baptismo dos seus filhos, ou
seja os bisnetos do João e da Francisca.
Por
outro lado, aparece também uma Ana Rodrigues, casada com Augusto Marques, filha
de José Gaspar Caçoete e de Teresa Rodrigues, que não aparecem em qualquer
registo, e não é irmão nem filho do outro com o mesmo nome.
Para
acabar a confusão temos também o registo de um Estanislau Caçoete, exposto da
misericórdia de Lisboa.
Considerando
então que João Gaspar Caçoete é caramelo, pois é natural da Beira Litoral, a
sua mulher será? E os filhos serão meio caramelos, (a mãe é da Moita)? E os
netos? Ou será que são Palmelenses como os outros?
Se
verificarmos famílias com outros apelidos, menos comuns, (usando outros como
Cruz, Jesus ou Santos, torna-se moroso por existem várias pessoas com esses
apelidos e de várias origens), como Pagaime, Balseiro ou Coentro, o resultado é
o mesmo, ou seja, na viragem do século XIX são netos e bisnetos, dos que chegaram
nas primeiras décadas desse século e estão espalhados por toda a região.
Comum
a todos é o analfabetismo, seja nos assentos de baptismo ou de casamento,
ninguém sabe assinar, nem noivos nem pais nem padrinhos. Por outro lado as suas
relações sociais são familiares e de vizinhança. Os padrinhos, de casamento ou
de baptismo são familiares ou moradores da mesma localidade, por vezes o
próprio sacristão. O mesmo não acontece em outras actividades, onde prevalecem
as relações profissionais ou de amizade, por exemplo o médico é padrinho dos
filhos do farmacêutico, o chefe da estação dos filhos do revisor, o negociante
de Setúbal dos filhos do vendedor ambulante, ou de forma mais evidente
proprietários moradores na rua Augusta ou na rua dos Fanqueiros em Lisboa,
serem padrinhos de crianças de Sarilhos. Nestes não há relações familiares.
Para
além das condições próprias das localidades de origem dessas pessoas, a Beira
Litoral sofreu como nenhuma outra região do país com as guerras da primeira
metade do século, que obrigaram as pessoas a deslocalizar-se para fugir às
crueldades da guerra, a península de Setúbal não se verificaram as batalhas e
manobras militares que nessa região ocorreram, nem os movimentos de guerrilha
pós guerra civil. A península de Setúbal não era propícia a essa a esse tipo de
actividade, sobretudo à guerrilha. Apenas um palmelense é referido como vítima
dessa actividade guerrilheira que é o seguinte:
Em um do mês de Março de
1833 foi
achado morto no sítio do
Montinho, Bernardino
Freire, casado com Ana
Joaquina, morador nesta freguesia e
consta que fora fuzilado
pelas guerrilhas Realistas, que estavam
em Alcácer, e foi ali
mesmo sepultado, de que fiz esta lembrança.
O Prior Caetano José
Lucas
Na
colonização da região caramela de Palmela não é estranha a construção do
caminho-de-ferro. É ao longo do percurso do caminho-de-ferro, Barreiro / Pinhal
Novo e depois Pinhal Novo / Vendas Novas e Pinhal Novo / Setúbal que a
colonização será mais intensa. Também porque muitas pessoas perspectivavam uma
actividade ligada á indústria e aos serviços, e os agricultores a possibilidade
de colocar os seus produtos no mercado.
Por
outro lado, está mal estudado o modo como estas pessoas se fixaram. Na Moita
sabemos que os primeiros caramelos se estabeleceram ainda no final do século
XVIII, devido a uma opção política da Câmara que visava desenvolver e potenciar
algumas zonas, até aí inadequadas à prática da agricultura, aforando terrenos
municipais, como por exemplo nos Brejos, e noutros locais arroteando terras de
potencial cultivo, Arroteias da Moita, Arroteis de Alhos Vedros, Arroteias de
Sarilhos. Em Palmela é diferente porque essa colonização é feita sobretudo na
segunda metade do século XIX e a própria freguesia é economicamente de base
agrícola. Note-se que em 1833, por ocasião das mortandades provocadas pela
cólera, as localidades referidas são as tradicionais de economia agrícola,
Barris, Cabanas, Quinta do Anjo. Nesta data as localidades que hoje designamos
caramelas nem eram consideradas.
Também
mal estudado está a forma como essas pessoas adquiriram propriedades. Se na
Moita é possível terem sido adquiridas como prémio pela sua participação nas
guerras liberais, (os miguelistas foram em regra expropriados, como é exemplo
Ferreira Chaves), ou adquiridos em leilões públicos por preços simbólicos, já
em Palmela é improvável que assim tenha acontecido pois estamos temporalmente
longe desses acontecimentos.
Os
arquivos das Câmaras Municipais podem esclarecer estes assuntos, caso ainda
existam.
Da
mesma forma, ainda não estudados, e convinha esclarecer, é a evolução em termos
quantitativos destas propriedades agrícolas e da sua dimensão, assim como os
tipos de culturas e quantidades de produção. Também aqui os arquivos locais
poderão esclarecer com alguma facilidade.
Para
perceber a dimensão e importância do fenómeno caramelo é ainda básico perceber
qual a sua percentagem no conjunto geral da população destes concelhos.
Também
era curioso saber quais as condições de vida desta população, o que bastava
confrontar o número total de moradores com o número total de prédios urbanos, o
que também é relativamente fácil de obter. Mas não serão necessárias muitas
contas para afirmar que havia mais casais que casas, ou seja, muitos não
habitavam naquilo a que hoje chamamos casas, mesmo que humildes.
Neste
como nos temas acima referidos o seu estudo (estou convicto) dará informações
que irão surpreender por divergirem dos conceitos populares.
Como
disse, estes e eventualmente outros assuntos serão facilmente desmontados pela
consulta dos arquivos municipais.
Na
segunda metade do século, com a estabilização geral do país em termos militares,
Palmela seria uma terra atractiva pela disponibilidade de terrenos e pela
perspectiva de progresso que os novos meios de comunicação proporcionavam.
Devemos
ainda considerar toda a legislação sobre a actividade agrícola que desde a
revolução liberal foi sendo promulgada, desde logo a abolição dos foros e da
lei Mental, que permitiu libertar muitos terrenos e dividir as propriedades,
sendo todos os filhos herdeiros em partes iguais.
Pobreza
Esta
população caramela é maioritariamente muito pobre o que também acontece com o
resto da população da freguesia. A afirmação constata-se quando as pessoas
morrem, onde em geral são enterrados no adro da igreja ou vão para a vala comum
porque não podem pagar o “coval”. Dentro da igreja é só para quem pode pagar e
o uso de caixão só vai acontecer no século XX.
O
mesmo relativamente aos testamentos, esta população não faz testamentos porque
“não tem de quê”.
A
afirmação é ainda confirmada nos assentos de baptismo onde boa parte desta
população não paga porque é “pobre”. Algumas crianças, identificadas como
“espúrios” são baptizadas por caridade.
A
pobreza não é exclusiva do trabalhador, também muitos fazendeiros não pagam o
baptismo dos filhos por serem pobres. Nem é exclusivo dos caramelos, a pobreza
atinge toda a população.
Da
mesma forma haveria muitos remediados e alguns ricos, estes sobretudo
proprietários. Também neste aspecto os arquivos locais esclarecem, todas as
Câmaras Municipais fazem listagens com os maiores contribuintes dos respectivos
concelhos, onde podemos confrontar a importância económica destas pessoas no
contexto geral. Embora sem o rigor estatístico necessário, uma visita aos
cemitérios da região também nos dão ideia da dimensão da riqueza destas
comunidades e da forma ou actividade económica como essa riqueza foi obtida
(para além de aspectos culturais e de mentalidade). Verifica-se por exemplo
fortes ligações maçónicas nos mais ricos destas comunidades.
Mobilidade
Em
Palmela, devido à dimensão da freguesia, torna-se evidente (o que na Moita era
apenas suspeita) que esta população teve dificuldades em se fixar.
Constata-se
que um casal quando casa mora num local, baptiza um filho vive noutro, baptiza
segundo filho já habita noutro. Se baptiza três, quatro ou mais filhos vai
alterando o local de residência.
Houve
casais que ao longo da vida habitaram em todos os locais da freguesia nunca se
fixando.
Verifica-se
também que entre a população caramela que casou em Palmela, cerca de 180 casais
não surgem depois a baptizar os filhos. Casam e não aparecem mais, o que pode
significar que um ambos os membros do casal morreram, (várias crianças ao serem
baptizadas já são órfãs de pai e mãe), ou um ou ambos serem inférteis ou ainda
por mudarem de local de residência, tanto para as freguesias vizinhas, (por
isso muitas pessoas referenciadas em Palmela surgem também na Moita, Alhos
Vedros ou Sarilhos), ou mesmo para o estrangeiro, (como para o Brasil, onde pessoas
de apelido Coentro, por exemplo, procuram aqui as suas ascendências).
Sabemos
que milhares de pessoas abandonaram o país no final do século XIX, nomeadamente
para a América do Sul, existem descrições de situações verdadeiramente
dramáticas mas não temos relações dessa emigração de Palmela nem da península
de Setúbal. Também neste aspecto, pela documentação que vai sendo
disponibilizada pelos novos meios tecnológicos, cada vez mais pessoas vão
trabalhando esses assuntos e estão sempre a surgir novidades. Que na Moita
algumas pessoas solicitaram autorização para emigrar está documentado, mas
sobre Palmela desconheço.
Apelidos
Pela
análise destes assentos paroquiais também se verifica que apelidos como Marto,
Amaro, Coentro, Caçoete, Sargaço, Margarido e outros, apelidos que surgem como
pessoas oriundas da Beira Litoral, são também apelidos de pessoas cuja
naturalidade é; exposto da misericórdia de Lisboa. Eventualmente porque foram
criados por, (ou com), famílias com esses apelidos, e por isso os adquiriram. O
certo é que os seus descendentes os adquiriram.
Da
mesma forma apelidos como Botas, Simplício, Valente e outros, referidos como
oriundos da Beira Litoral, são também apelidos que já existiam na região desde
o século XVIII.
Assim,
as pessoas que hoje têm estes apelidos, não significa que sejam necessariamente
descendentes de caramelos. Podem ser… ou não.
Se
com os apelidos referidos só uma análise pormenorizada permite concluir se as
pessoas em causa são descendentes dos primeiros colonos originários da Beira
Litoral, noutros como Silva, Costa, Cruz, Jesus, Santos, etc, etc, devido ao
facto de serem mais vulgares, a confusão é tanta que só uma listagem geral de
casamentos e baptizados permitiriam esclarecer.
Curiosidades
Como
curiosidade informo que José Gonçalves Amaro casou quatro vezes, a última das
quais com setenta anos, e no ano seguinte baptizou mais um filho.
Também
como curiosidade refira-se que o casal Eusébio de Pinho, natural de Mira / Rosa
Maria, natural da Moita, foram eventualmente o mais fértil, baptizaram o
primeiro em 1877 e em 1902 continuavam a sua actividade reprodutiva. Tiveram
seguramente uma dúzia de filhos.
Conclusão
Parece-me
evidente que a população dita caramela que se fixou em Palmela foi numerosa, e
por isso a mais importante para o desenvolvimento económico e social de toda a
região que até essa época não era explorada em termos agrícolas. Todavia não
devemos ignorar a população oriunda do resto do país. Se em determinada altura
os caramelos teriam sido eventualmente maioritários, seria em curtos lapsos de
tempo. Palmela tem, do ponto de vista demográfico as mesmas características do
resto da península de Setúbal, ou seja, a população moradora no concelho, desde
o final do século XIX é maioritariamente constituída por pessoas não naturais de
Palmela, devido ao constante movimento migratório para esta região. Ainda hoje
a maioria da população residente não é natural de Palmela. Vive cá mas… não é
de cá.