Cólera Morbus na península de
Setúbal. 1833
Introdução
Consulta dos livros de óbitos
percebe-se que houve em várias freguesias períodos epidémicos. Pelo facto da
mortalidade no mesmo local aumentar repentinamente, ou afetar famílias
inteiras. Também se percebe quando no acento é descrito que não foram feitos os
sacramentos porque a pessoa delirava com febre, tinha vómitos constantes ou
deitava sangue pela boca. Não deixa dúvidas quando é referida a causa da morte,
como tifo, sarampo ou cólera. Estes episódios foram, no entanto, localizados e
não precisaram de medidas extraordinárias.
Todavia, o surto epidémico de
Cólera Morbus, desencadeado na primavera e verão de 1833, decorreu em toda a
península de Setúbal, de modo incontrolável e causou centenas de vítimas.
Obrigou a medidas de exceção, sobretudo com a criação de cemitérios, por se
acabar o espaço para enterramentos nos locais tradicionais, como dando mesmo
permissão a pessoas inabilitadas a ministrar os sacramentos da hora da morte,
que era exclusivo dos ministros eclesiásticos.
As origens e formas de
propagação, assim como as características da doença podem ser analisadas em
muitos sítios e páginas na net, dedicadas exclusivamente ao tema.
Neste trabalho faço a relação
desses óbitos, comparados comos primeiros meses do ano.
Relação de óbitos
Palmela
S. Pedro
Certifico que todos os relacionados falecidos
foram socorridos com os Sacramentos Eclesiásticos, ao menos
com o da Penitência e da Extrema Unção, mas a mortan-
dade era tanta, e os Ministros Eclesiásticos tão poucos, que
alguns, pela distância de local, não poderão ser
sacramentados em tempo, recebendo apenas a
Unção Extrema, enfim dias de aflição, e de con-
ficão, que nos cobriram de luto, e de lágrimas. O
Excelentíssimo Prelado autorizou todas as pessoas desta
freguesia
para administrar Sacramentos; e Deus me deu forças, e
coragem para tanto trabalho, e tive a consolação
de permanecer entre as minhas ovelhas, sem ser tocado
da Epidemia. E para constar o referido passei a
presente que assinei
O Prior Caetano José Lucas
Morreram da epidemia;
Vila- 62
Cabanas- 50
Quinta do Anjo- 56
Barris-26
Hortas- 8
Estas pessoas foram sepultadas no cemitério provisório.
Nos primeiros meses do ano, até abril, tinham falecido 11
pessoas.
Santa Maria
Na freguesia de Santa Maria de
Palmela, o Prior Joaquim José da Silveira Neto, antes de elaborar uma extensa
lista de falecidos, ocorridos entre 10 de Junho e 16 de Julho, esclarece
“lançados pela estimativa por se não poder saber, o dia da sua morte, pela
muita confusão e não se poder saber também o seu jazigo”.
Faz uma relação com o nome de 164
pessoas, que morreram da epidemia.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 13 pessoas.
Setúbal
S. Sebastião
Declaração
Não sendo possível fazer-se os
lançamentos dos Assentos dos Óbitos no mesmo dia do falecimento e enterramento
das pessoas desta Freguesia enquanto grassar a Epidemia da Cólera Morbus que
actualmente nela grassa pela grande multidão de Óbitos que diariamente há, e
não se acharem as clarezas para se fazerem os ditos assentos logo, além da
continua ocupação que tem os Ministros Eclesiásticos sem cessar atendendo
também a necessidade que muitas pessoas tem de tirarem certidões de alguns
óbitos e que se não passar sem neste Livro estarem os Acentos lançados, por
isso em diante, se irão lançando os Assentos dos Óbitos, logo que deles haja
conhecimento, pois que muitos vão ao Cemitério Geral sem dar parte à Freguesia,
e portanto se não achará neste Livro em diante a ordem cronológica respectiva a
folha e lugar aonde deveram ser lançados, e somente a noção do dia do
falecimento lugar de sepultura estado se se souber e aonde contraído, e
Sacramentos que se receberam, mas sem a localidade necessária por não ser
possível no estado actual guarda-la.
Setúbal, 10 de Junho de 1833.
O Prior, João Pais de Lima Leal
Castelo Branco
A epidemia declara-se a 27 de
maio, e as pessoas são sepultadas atrás da cerca de S. Domingos.
Morreram 86 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 27 pessoas.
Anunciada
Nota breve
Declaro que os termos que vão
lançados da folha 22 verso até esta, que é a folha 43, não vão os termos
seguidos pela ordem diária como é costume, porque os escrevi, segundo o que me
chegou ao meu conhecimento ou à notícia, visto que se iam levar os falecidos
para o cemitério sem participar ao Pároco, o que deu causa a esta alteração, e
também a que faltem aqui talvez perto de um cento, de termos de Óbito, o que
declaro para que se saiba o motivo de falta, que para o futuro deverá ser tão
sensível a muitas pessoas. Setúbal 1 de julho de 1833.
O Prior António Carlos Guerreiro
Barradas
Morreram 185 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido
Graça
Até junho tinham falecido 106
pessoas. O mês de julho não tem registos.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 33 pessoas.
S. Julião
Epidemia começa em junho.
Morreram 168 pessoas.
Declara que foram sepultadas no
cemitério geral estabelecido no sítio detrás da cerca de S. Domingos.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 19 pessoas.
Montijo
Epidemia começa a 29 de maio e
termina a 24 de Agosto.
Morreram 304 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 34 pessoas.
Moita
Epidemia começa a 24 de maio.
Refere que desistiu de fazer
registos, tendo depois acrescentado folhas soltas.
Morreram 167 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 16 pessoas.
Alhos Vedros
Epidemia começa a 25 de maio.
Morreram 82 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 9 pessoas.
Sarilhos Grandes
Epidemia começa a 4 de junho e
termina a21 de agosto.
Morreram 33 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 8 pessoas.
Azeitão
S. Lourenço
Moléstia epidémica começou a 24
de maio e terminou a 16 de julho.
Morreram 183 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 18 pessoas.
S. Simão
Epidemia começa a 28 de maio e
terminou a 22 de julho.
Morreram 75 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 6 pessoas.
Alcochete
Epidemia começa a 23 de maio.
Morreram 255 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 26 pessoas.
Samouco
Epidemia começou a 7 de junho e
terminou a 21 de agosto.
Morreram 21 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinha falecido 1 pessoa.
Sesimbra
Castelo
Neste dia, 2 de maio, principiou
o exterminador contágio da cólera morbus. Terminou a 13 de julho.
Morreram 188 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 11 pessoas.
Santiago
Sinais epidémicos ainda em abril.
Morreram 235 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 35 pessoas.
Arrentela
Morreram 26 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 14 pessoas.
Seixal
Durante o mês de abril, morreram
80 pessoas.
Epidemia revela-se mais agressiva
em maio e julho.
Morreram 110 Pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, faleceram
Amora
Epidemia decorreu nos meses de
junho e julho.
Morreram 39 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 8 pessoas.
Paio Pires
Morreram da epidemia 8 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 7 pessoas.
Barreiro
Epidemia começou a 4 de maio e
terminou em julho.
Morreram 137 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 30 pessoas.
Lavradio
Epidemia começou a 7 de junho e
terminou a 20 de junho. Em novembro houve novo surto epidémico, com poucas
vítimas.
Morreram 37 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 6 pessoas.
Palhais
Morreram da epidemia 27 pessoas.
6 pessoas enterradas no adro, 27 enterradas no cemitério do Olival.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinham falecido 5 pessoas.
Coina
Morreram da epidemia 4 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
abril, tinha falecido 1 pessoa.
Caparica
Epidemia começou a 2 de junho e
terminou a 11 de Agosto.
Morreram da epidemia 377 pessoas.
Nos primeiros meses do ano, até
Abril, tinham falecido 70 pessoas.
Corroios
Não houve cólera.
Marateca
Não há registo entre 1832 e 1834.
Canha
Registos depois de 1836.
Telha
Registos até 1826.
Conclusão
A cólera morbus foi a pior
calamidade que ocorreu na península de Setúbal, desde que existem registos. A
primavera e verão de 1833 foi em toda a região de grandes mortandades.
Verifica-se, indiretamente, o
aumento dessa mortalidade pela inexistência dos sacramentos convencionais. A
construção apressada de cemitérios. O aditamento de folhas soltas aos livros
adequados, que era em situação normal irregular. As declarações dos padres
locais, afirmando que não registaram todas as pessoas falecidas.
A tragédia decorreu praticamente
em toda a península, simultânea e descontrolada.