Prospecções
zona ribeirinha do
concelho da Moita
parte II
Muros das marinhas
Nos muros das marinhas encontra-se de tudo. Os muros foram
construídos ao longo de séculos, com entulhos diversos. Aparecem fragmentos de
cerâmica, azulejos, loiça diversa, inclusive materiais reutilizados. A
variedade de entulho nestes locais inclui lápides de sepultura recentes.
Os muros são depósitos necessários de todo o tipo de
entulhos. Desde as primeiras marinhas, os muros foram construídos com os
materiais circundantes disponíveis. O seu reforço e aumento foram feitos
gradualmente, como necessidade, com entulhos, até eventualmente, trazidos de
localidades próximas, aproveitando lamas, argilas, e toda a espécie de
detritos. Nas camadas superiores dos muros medem-se por estratos os fragmentos
de diversos materiais provenientes de construções arruinadas, ou em
remodelação.
As próprias marinhas foram transformadas em depósitos de
lixo. Os arqueólogos do futuro terão um vasto manancial de investigação, desde
frigoríficos a pneus, garrafas de gás, para-choques.
Cerâmicas
O conjunto de cerâmicas que divulgo tem interesse por se
inserirem no contexto da estação arqueológica do Gaio. Foram todas recolhidas
“in situ”, nas barreiras e nos aterros feitos para a construção de habitações.
Mostram, pela tipologia e pelas técnicas de fabrico que se trata de cerâmicas
pré-históricas.
Mas, por todo o lado aparecem cerâmicas de características
muito diversas, nomeadamente medievais e romanas.
Os fragmentos de cerâmica romana, nomeadamente de ânforas,
são abundantes. O que não admira, considerando que este povo se estabeleceu em
diversas localidades do
estuário do Tejo, começando por Lisboa, pelo que a exploração
deste esteiro do rio é mais que plausível, e absolutamente natural que tivesse
ocorrido.
Azulejos
Os azulejos são abundantes em locais de aterro, em especial
nos muros das marinhas, (e nas próprias marinhas entretanto soterradas) pois
todos os anos necessitam de novos entulhos para os manter transitáveis. Acresce
que muitos dos azulejos não vieram dos locais onde forem utilizados
originalmente, mas de locais onde foram reutilizados posteriormente, como
bancos de jardim, chafarizes, bicas e até em caleiras de água para árvores e
arbustos.
Várias pessoas que conheço, tem ou tinham, azulejos seculares
nos seus quintais, a separar as diferentes espécies cultivadas, ou para fazer
regos para canalizar as águas. Quando fazem remodelações, depositam-nos em caminhos,
muros ou mesmo dentro das próprias marinhas.
Metais
Também objetos metálicos são frequentes, sobretudo anzóis.
Recolhi vários exemplares na lama, de diferentes tamanhos e modelos, todavia,
não resistem, em poucas semanas ficaram em pó. Alguns destes anzóis, pelo
tamanho avantajado, indicam a pesca de peixe de dimensões consideráveis.
Mesmo os pregos das embarcações que apodrecem na lama, em
poucos meses transformam-se numa massa de fragmentos irreconhecíveis.
Tudo o que se trata de objecto metálicos ricos em ferro, em
muito pouco tempo se degradam, por isso é preferível deixá-los no local.
Vidros e loiça
Os cacos de vidro e loiça encontram-se por toda a região em
vastas quantidades tanto nas areias das praias como nas lamas. A sua recolha
sem objectivo definido torna-se um trabalho inútil. Todavia os especialistas
nestas matérias podem recolher um vasto espólio.
Fósseis
Também os fósseis, em particular os conservados na lama, são
abundantes. Tanto os fósseis animais, como conchas de bivalves e caracóis,
espinhas e ossos, como vegetais, raízes, folhas e ramos. Tanto marinhas como
terrestes. Uns e outros revelam o que foi a fauna e a flora do rio.
Também neste caso, trabalho para os entendidos na temática.
Conclusão
O Tejo conta a sua própria História. Os homens que no passado
o utilizaram deixaram vestígios da sua passagem, tais como objectos de trabalho
e utilitários. Assim como as diferentes espécies animais e vegetais deixaram
rastos que fossilizaram nas lamas endurecidas.
Pelo tipo e características destes objectos, podemos afirmar
que o rio Tejo, em toda a zona do concelho da Moita, foi utilizado e explorado
desde tempos pré-históricos. Sabemos da ocupação de diferentes povos em todo o
estuário do Tejo, sendo Lisboa referência concreta, mas noutras localidades
também incluindo a margem Sul, que decerto não deixaram de explorar e
investigar nesta margem do rio. Se podemos confirmar a humanização da região
depois da reconquista cristã, tal não é possível para épocas anteriores. Não
existe, por enquanto, nada que revele a existência de comunidades pré-cristãs
no espaço geográfico do concelho da Moita.
Está documentada a existência de comunidades paleolíticas em
toda a região do estuário do Tejo, assim como na península de Setúbal. No
concelho da Moita, apesar dos vestígios em diversos locais, apenas no Gaio essa
possibilidade tem alguma consistência.
A prospecção e estudo deste tipo de materiais nunca foi feito
de forma sistemática, e, estou convicto, muito se destruiu, mas ainda existem
vários locais em que através de sondagens arqueológicas, poderiam ser revelados
alguns segredos, em especial a datação dos primeiros habitantes da região.