sábado, 5 de julho de 2014

Caramelos na freguesia da Moita. 1851 – 1910

Caramelos na freguesia da Moita. 1851 – 1910

Introdução
A leitura dos Livros Paroquiais de Alhos Vedros e da Moita dos finais do século XVIII a 1910 permite tirar algumas ilações relativamente ao objecto do título. Desde logo aquelas que são mensuráveis, mas também outras que não se podem medir, como por exemplo, determinar a importância na escala social pela forma como o padre fez o registo. Aqui trata-se da perceção do leitor.
Os registos Paroquiais dão-nos a alma de uma população. Podem ser estudados nas mais diversas perspetivas e dão-nos desde logo a genealogia dos locais.
Foi com base na informação disponível, pois os registos nem sempre são iguais, não dão o mesmo tipo de informação, depende da época e depende do padre, e por vezes do próprio padre, que não segue um modelo, tanto regista o nome dos pais do nubente ou do batizado como não, o mesmo se aplica ao local de morada, de nascimento ou outro, que investiguei todos os indivíduos de origem caramela, e tentei seguir-lhes o rasto.
No conjunto dos livros, as dificuldades em determinar quem era oriundo de uma região concreta, coloca esse tipo de dificuldades e só cruzando vários registos podemos determinar quem é quem. Foi o que fiz.

Origens
Nesta segunda metade do século XIX, os caramelos serão ainda maioritário até à década de setenta, devido ao facto de muitos terem vindo para a Moita ainda crianças. Mas, paulatinamente, vão chegar à Moita gentes de todo o país e os caramelos serão “engolidos” no contexto geral da população. A emigração caramela torna-se residual, depois de 1870 a quebra é abissal, e vão surgir e tornar-se preponderantes em termos numéricos os ribatejanos, os alentejanos os algarvios, para além de gente de toda a região de Lisboa e península de Setúbal. Aparecem também pessoas oriundas do Minho, de Trás os Montes e da Beira que incluí na Relação que acompanha este trabalho.
Na segunda metade do século XIX a emigração para a Moita vai ter características diferentes da ocorrida na primeira metade. As condições políticas e sociais são em absoluto diferentes. O país entra em estabilidade, em oposição à guerra permanente da primeira metade do século. O concelho vai ser atravessado pelo comboio, vão chegar as estradas, os mercados e a industrialização.
No que se refere aos indivíduos oriundos da região em estudo, verifica-se que o seu número baixa significativamente. Acresce que cerca de três dezenas destas pessoas, que se casam na Moita nas décadas de 50 e 60, o padre ao fazer o registo, tem o cuidado de anotar que se trata de uma pessoa que vive na Moita, desde criança, ou, veio há muitos anos. Quer dizer, estas pessoas terão vindo com os pais nas décadas anteriores, ou mesmo sozinhas, abandonadas, como se percebe por alguns registos onde a pessoa não sabe ao certo onde nasceu ou quem são os pais ou ainda em certas situações em que o indivíduo pede para ser batizado pois não sabe se o foi ou não, nem como o saber.
Temos pois que ao número de indivíduos aqui referenciados devemos subtrair estes que vieram ainda crianças e acrescentá-los ao quadro referente à primeira metade do século. Teríamos assim uma desproporção ainda maior. Estes dados mostram que a emigração da região em causa para a Moita foi sobretudo significativa na primeira metade do século em particular nas décadas de vinte, trinta e quarenta. Depois da década de setenta essa emigração torna-se esporádica e sem significado importante no contexto da emigração que chega à Moita.

1850
1860
1870
1880
1890
1900
H  -  M
H  -  M
H  -  M
H  -  M
H  -  M
H  - M
H  -  M
Total
Cadima
12  -- 3
23 --  5
20 -- 6
5 -- 0
0 -- 5
0 -- 4
64 -- 19
Mira
15 -- 16
12 -- 20
2 -- 5
2 -- 2
1 -- 3
32 -- 46
Tocha
13 -- 3
9 -- 2
6 -- 2
1 -- 1
2 -- 2
31 -- 10
Arazede
3 -- 3
3 -- 0
5 -- 1
0 -- 0
1 -- 6
12 -- 10
Quiaios
1 -- 0
3 -- 0
1 -- 1
5 -- 1
Alhadas
1 -- 1
1 -- 1
1 -- 0
3 -- 2
Cantanhede
7 -- 3
2 -- 1
1 -- 0
1 -- 1
Coimbra
10 -- 0
3 -- 2
4 -- 0
5 -- 0
5 -- 1
2 -- 0
29 -- 3
Aveiro
3 -- 2
4 -- 2
3 -- 0
3 -- 0
13 -- 4
total
189 -- 95

Dados obtidos pelo cruzamento das informações inseridas nos livros de batismo e de casamento.
Os números não devem ser considerados absolutos, antes como amostragem, quase total, da população da freguesia considerada.
Para além das dificuldades próprias da documentação, as dificuldades em identificar as pessoas. Casos de viuvez em que as pessoas casam várias vezes, pais e filhos com o mesmo nome onde os sobrinhos são mais velhos que os tios, indivíduo tem filhos de duas irmãs, indivíduos com o mesmo nome mas sem qualquer parentesco, outros ora nasceram aqui ora ali, ou são órfãos sem graus de parentesco, outros com o tempo adquirem alcunhas e são assim tratados, aparece de tudo. É difícil destrinçar quem é, ou não, originário de uma região concreta. Apesar disso considero que a margem de erro do quadro é reduzida.

O caso dos Brejos
A situação dos Brejos é particularmente elucidativa. Sabemos que começaram a ser ocupados no final do século XVIII por pessoas maioritariamente de origem caramela com outros naturais da Moita. Com o decorrer do século os ditos caramelos vão desaparecer. Até meados do século os moradores são já maioritariamente Moitenses e de terras vizinhas, em particular expostos de Lisboa.
Na segunda metade do século os ditos caramelos serão uma pequena minoria, pois irão surgir pessoas de diversos locais como moradores nos Brejos como Azeitão, Santarém, Alpiarça, Caparica, diversas pessoas do distrito de Viseu e da sempre presente Lisboa.
Logo nas décadas de sessenta e setenta torna-se claro que a população dos Brejos é composta por gente de origem diversa, onde nenhum grupo, em termos numéricos e de região de origem, é preponderante relativamente a qualquer outro.
O mesmo género de exercício se pode aplicar à Broega, ao Carvalhinho ou a S. Sebastião. Se existe uma maioria de pessoas de origem caramela na primeira metade do século, vai desaparecer na segunda metade, recebendo pessoas de diversas origens.
Fixação
Neste aspecto parece que a situação é muito semelhante em todo o período em análise. As pessoas fixam-se onde lhes é possível. Alguns ao pretender fixar-se na Moita teriam apoio de familiares que entretanto já cá residiam, mas a grande maioria não o teriam. Assim a distribuição desta população pela freguesia fez-se de modo heterogéneo. Desde logo na vila onde se fixa a maioria, como é natural visto ser a sede da freguesia, mas também por todos os outros lugares, Brejos, Broega, Carvalhinho, Abreu, Chão Duro, Sarilhos, Rosário assim como por várias quintas. Podemos concluir que não houve “buraco” na freguesia onde estas pessoas não tivessem chegado, inclusive ocuparam zonas até aí abandonadas.

Ocupação profissional
A actividade profissional das pessoas que se fixaram nestes locais é inicialmente composta sobretudo de trabalhadores agrícolas, jornaleiros, indiferenciados ou marítimos. Na segunda metade do século surgem já indivíduos com outras ocupações. E os descendentes destes primeiros colonos vão dispersar-se por todas as actividades e inserir-se na sociedade local. Agora existem os empregos públicos, nos caminhos-de-ferro, nos correios, obras públicas e muitas destas pessoas conciliam uma actividade profissional como principal rendimento e tem a agricultura como complemento.
Mas não só. Surgirão como soldados e marinheiros, comerciantes, empregados, operários, artistas, etc. Ou seja, são iguais aos outros, tentam integrar-se e viver a sua vida o melhor que podem.
Claro que parque significativa desta população vai ficar ligada à agricultura, população já não necessariamente natural da região caramela, mas seus descendentes, que vão adquirir e arrendar propriedades que as novas potencialidades agrícolas vão possibilitar prosperar e adquirir poder, apesar de nunca atingirem o nível dos rendimentos industriais.
Isso mesmo podemos confirmar pela documentação, nomeadamente as listas dos maiores contribuintes do Concelho, como por exemplo pelos mausoléus e jazigos que mandaram construir em sua memória e da sua família nos cemitérios da freguesia, onde não deixaram de fazer representar os símbolos da sua actividade, como o arado, a enxada, o malho, etc, assim como os frutos desse trabalho com realce para as espigas.

Dispersão
Também se percebe que esta população não é fixa. Um casal que tenha emigrado com os filhos para a Moita ou que aqui os tivesse tido, vão seguir as suas vidas e muitos vão deixar a moita. Terem vindo para cá não significa que aqui ficassem sempre muito menos os filhos, o que permite estabelecer relações familiares e de amizade com pessoas das localidades próximas. A este propósito destaca-se a sempre presente Lisboa em particular com negociantes que são bastantes vezes padrinhos dos filhos dos proprietários locais.
Estas relações pessoais destacam-se em locais menos populosos. Percebe-se que determinados indivíduos são mais importantes que outros, tanto pelo número de vezes em que são padrinhos como pela forma como é referido nos documentos. Todavia, a nível geral os caramelos são como o resto da população. Tanto surgem registos onde os padrinhos são familiares directos, como surgem casos sem qualquer relação familiar, antes de amizade e profissional, como surgem pessoas a casar ou batizar os filhos tendo o sacristão e o ajudante como padrinhos.
Conclusão
Nesta investigação com o objectivo de identificar e reconhecer os caramelos que neste período chegaram à Moita, a primeira conclusão a tirar é que não há caramelos. Nos registos Paroquiais entre 1851 e 1910 nem por uma única vez o termo é referido. Nem como alcunha, apelido ou qualquer outra forma.
Em segundo podemos também concluir que na freguesia da Moita, os tais caramelos, não constituem qualquer grupo de características culturais próprias, distintas dos grupos de pessoas originárias de outras regiões. Tanto porque na vila e lugares existentes se integravam socialmente, como pelo facto de nos locais onde foram pioneiros na fixação populacional, como nos Brejos, Broega ou S. Sebastião, terem desde o início integrado pessoas de outras origens e ainda porque chegam de forma espaçada por largo período no tempo e se dispersam por toda a freguesia, ou seja não existe nenhum local onde um conjunto significativo, ou maioritário de pessoas da mesma região se concentrassem, (neste caso os caramelos), que permita afirmar que nesse local a população tem tradições ou raízes culturais de onde quer que seja.

Sintetizando numa frase, entendo que a freguesia da Moita é o produto social e cultural de todo o país.