segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Motivos e razões dos fundadores do C. R. I.


Motivos e razões dos fundadores do C. R. I.

 A fundação do C.R. I. surge numa conjuntura concreta da História portuguesa e enquadra-se nas motivações políticas e ideológicas da maçonaria. Por todo o país foram criadas centenas de instituições com objectivos similares. Na Moita também existiu clube de idêntico propósito.

Este enquadramento detecta-se, numa análise sumária, em quatro aspectos.

Desde logo, pelos fins a que se propõe; propagar a instrução literária e educativa, por meio da escola, da conferência e do livro, conforme estipulava o 1º artigo dos estatutos.

Por outro, pelas actividades que nos anos pós fundação se desenvolveram; escola primária, cursos nocturnos para adultos, aulas de piano, jornal Oriente, biblioteca, teatro, jogos desportivos, bailes, variedades, saraus, conferências…

Também pelas razões que os fundadores e primeiros directores disseram sobre as suas motivações. Vejamos só para exemplo; “a instrução faz de um animal um homem”, “a instrução irradia a luz que há-de tornar mais perfeita a consciência humana”, “a instrução é a grande alavanca que transforma o mundo, tornando-o mais perfeito do que o que saiu das mãos do Criador bíblico; ela desfaz erros, aniquila déspotas, implanta a liberdade”. Nesta prespectiva, em que a instrução é a luz que pela razão leva à verdadeira condição humana, os primeiros directores consideravam-se “os amigos da luz”, aqueles que “queriam levar a liberdade a todos”, encarando esta missão como a mais nobre de todas, juravam “lutar toda a vida para cumprir o dever sagrado de que a luz fosse distribuída a todos”.

Por fim, nas relações cordiais ou elogiosas para com outras instituições ou particulares. Assim, eram frequentes os contactos com a Sociedade do Livre Pensamento de Lisboa, a Luz do Norte do Porto ou a Sociedade de Geografia que disponibilizavam oradores e meios para sessões comemorativas e conferências, como António Macieira, Magalhães Lima ou Trindade Coelho que são referidos como doadores do Clube.

A importância deste Clube na vida social da época é perceptivel se nos lembrarmos que Alhos Vedros não tinha luz electrica, água canalizada, telefones, correios, estradas alcatroadas e também não tinha escola nem professor permanente. Assim, a população era em geral analfabeta e as cerca de 500 crianças em idade escolar não tinham qualquer instrução. Por isso, as práticas juvenis nas primeiras décadas do século eram efectivamente degradantes, como é referido várias vezes no Oriente, e faço referência em artigo próprio que pode consultar neste blogue.

 

Jornal Oriente, Dezembro de 2000.

 

O salgado de Alhos Vedros

O salgado de Alhos Vedros


 DEZEMBRO 1995


 
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE ALHOS VEDROS.

A forma geográfica em que está inserido o salgado de Alhos Vedros, é morfologicamente um anfiteatro em torno da depressão causada pelo braço do Tejo. Divide-se em quatro subunidades, Alhos Vedros, Moita, Esteiro Furado e Sarilhos, servidas por esteiros que formam anfiteatros de menores dimensões.
Localiza-se a leste da ribeira de Coina englobando toda a área de formação pliocénica (1). Os solos compostos de areias e cascalhos são por isso bastante friáveis e pouco produtivos. Apenas nas orlas dos esteiros é possível alguma agricultura devido aos solos serem frescos e húmidos.
O relevo é em toda a região considerado suave e sem acidentes. Em toda a zona ribeirinha a altimetria (2) é baixa mas não ultrapassando a cota dez, subindo depois para o interior até aos vinte e cinco metros e só pontualmente mais do que esta altura.
A drenagem (3) é feita pelas bacias centrais do rio da Moita, do Vale da Amoreira e Vale do Grou. Todavia a região ribeirinha por falta de pendentes e do baixo nível freático não, executa o escoamento superficial dos terrenos. Para aproveitamento das terras agrícolas foi necessário construir valas e lagoas para a drenagem fluvial.

________________________________(1) Cruz, Maria Alfreda.
A Margem Sul do Estuário do Tejo: Factores e formas de organização do espaço. Lisboa Ed. Autora, 1973
(2) Plano Director Municipal. Texto fotocopiado, 1981.
(3) Plano Director Municipal. Ob. cit.
GEOLOGIA
A geologia (1) é de formação dominantemente de areias e dunas e de praias. As zonas baixas são formações aluvionares e nas zonas de altura superior a vinte e cinco metros são formações indiferenciadas do pliocénico.
Junto dos muros das marinhas (2), sobretudo naqueles que estão destruídos, assim como junto das muralhas, é vulgar encontrar-se um vasto espólio arqueológico, embora não se encontre " in situ " devido à acção do mar, composto por núcleos, lamelas e fragmentos de sílex, cerâmicas medievais, modernas e eventualmente árabes, vidros, ferros, bóias de cortiça e cerâmica e diverso material orgânico como ossos, espinhas e cascas de bivalves.

CLIMA
Existem várias situações micro climáticas (3). A pluviosidade média è de 400 mm sendo as regiões limítrofes para o interior menos pluviosas em cerca de 100 mm. A pluviosidade é de 1 mm ou mais em quinze dias do ano e apenas de 10 mm ou mais em vinte dias do ano.
A temperatura média anual é de dezasseis graus sendo de noventa a cento e vinte dias a temperatura superior a vinte e cinco graus e somente em trinta dias temperatura inferior a cinco graus.
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(1) Cruz, Maria Alfreda. ob. cit.
(2) Foto nº 1 e 2.
(3) Plano Director Municipal. ob. cit.
A humidade é em média de nove g/ kg, o que é uma das maiores do país. Faz nevoeiro em média vinte dias por ano e a insolação média é de 3.000 h/ano. Só acontece cair geada desde princípios de Janeiro até meados de Fevereiro num período que oscila de dez a vinte dias.
Esta região por estar situada abaixo do paralelo 37, reúne todas as condições para a produção salineira, embora a agressividade da morfologia fosse uma contrariedade.
 




EVOLUÇÃO GEOGRÁFICA.

A região inserida no termo do extinto concelho de Alhos Vedros de "Riba Tejo", não conheceu transformações geográficas significativas desde a reconquista Cristã.
A primeira referência geográfica é dada na Crónica de D. Afonso Henriques (1), quando afirma que o nosso primeiro Rei, depois de conquistar Lisboa, atravessou o Tejo com intuito de conquistar Palmela, tendo para isso desembarcado na margem sul, numa elevação de terreno, que formava um outeiro branco. Esse local seria segundo a hipótese do Eng.º: João da Costa (2), o sítio do Rosário, o que, não é despropositado, basta viajar de barco pelo Mar da Palha para constatar a semelhança com o local descrito na Crónica. Todavia essa hipótese é tão só uma hipótese, pois tanto o Lavradio como a Baixa da Banheira poderiam eventualmente corresponder à citada descrição.
Nos séculos seguintes as doações feitas pela Ordem de Santiago, mostram uma margem composta por praias, sapais, pauis e entradas de água.
Estas características embora não sejam evidentes na cartografia dos séculos XVI e XVII seguintes, pois não é uma cartografia rigorosa e pormenorizada, o facto de não revelar para o termo de Alhos Vedros de qualquer acidente significativo no relevo, ( ao contrário de outras zonas onde são assinalados embora de modo pouco rigoroso), acentua a ideia de uma zona de depressão geográfica.
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(1) Lopes, Fernão. Crónica de D. Afonso Henriques.
(2) Costa, Eng.: João da. Entrevista ao "Correio da Manhã". 16 / 9 / 1982.
No virar da Idade Moderna para a Contemporânea outros documentos acentuam e reforçam estas características geográficas. Assim nas Informações Paroquiais de 1758 (1), o Vigário Lucas Ferreira de Gouveia localiza assim a Moita; " está esta vila situada em um sítio quase sapal, junto de um braço do Tejo". Quanto a Alhos Vedros, o Padre Cláudio José da Silva Nogueira diz nas mesmas Informações (2) que; " esta vila está situada num sítio quase vale, junto de um braço do Tejo, ... , e não descobre as vilas e lugares filiais tão próximos, pela razão de estar situada em um quase vale e somente avista a vila da Mouta, imperfeitamente".
Ao longo do século XVIII outras informações de cariz geográfico surgem nos Livros de Vereações da Câmara Municipal da Moita. Foi costume os Vereadores eleitos anualmente, no acto de Tomada de Posse, percorrerem todo o Concelho tomando assim a sua Posse simbólica. Em alguns desses Autos de Posse o Escrivão descreve os locais por onde vão passando, como no caso de 1747. Referindo o Rosário do Montijo diz que (3); " os Vereadores foram pela estrada do Concelho até à praia e tomarão Posse das terras, baldios, morraçais, juncais, lezírias e praias, que estão fora da demarcação das marinhas".
Referindo Sarilhos diz (4); " tomarão Posse de logradouros e sapais e seguindo pela estrada da ponte do Caia ficando do lado direito pinhal e do esquerdo vinha atingiram o Esteiro Furado e tomarão Posse de tudo até às marinhas". No sentido oposto os Vereadores saíram do Porto do Alimo, indo pelo rio da Moita acima até à passagem da água e daqui sempre pelo Brejo até à estrada que vai para Azeitão, continuando a tomada de Posse por locais que
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(1) Alves, Padre Carlos Póvoa, Subsídios para a história de Alhos Vedros
Ed. do autor, 1981
(2) Alves, Padre Carlos Póvoa, ob. cit.
(3) Livro de Vereações da Câmara Municipal da Moita, 07 de Fev., 1747, folhas 104 v e SS.
(4) Livro de Vereações da Câmara Municipal da Moita, 07 de Fev. 1750, folhas 74 v e SS.
não pormenoriza, acabam a volta na Broega que englobava todo o Brejo.
O viajante francês Marigny (1) ficou impressionado com a aridez e desertificação da região da Moita.
Estas informações dispersas quanto a geografia local, acabam por se confirmar na cartografia do inicio do século XIX (2), onde o rigor científico é já preocupação dos cartógrafos.
Nestes, os pormenores são tratados com rigor e são por isso excelentes documentos para localizar ou confirmar as zonas de marinhas. A faixa em contacto com o Tejo, é um bordado contínuo de marinhas, caracterizador da sua importância secular. As salinas representadas nestes mapas são praticamente as mesmas que as representadas nas cartas do século XX, não havendo pois, nestes séculos, aumento do salgado, apesar de algumas tentativas nesse sentido, todas goradas, principalmente pelas infiltrações de água doce.
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(1) Serrão, Joaquim Veríssimo. "Notícias de uma Viagem a Portugal em 1765 - 66"
in Arq. Hist. de Portugal II Série, T.I., Lx., 1960
(2) Mapas 4 e 5

TIPOLOGIA DAS MARINHAS.

As marinhas de Alhos Vedros, são em rega de fácil acessibilidade ao mar, simplificando o transporte e escoamento do sal.
Isso deve-se ao facto de o conjunto de marinhas que formam este salgado estarem situadas nos limites do mar não havendo esteiros nem canais que transportem a água salgada para salinas no interior.
Apesar de toda a região estar sujeita às marés que condicionam o acesso e a saída de barcos apenas em metade do dia, estes podem chegar até junto do produto a transportar, o que era uma vantagem em relação aos salgados cujas marinhas não dispunham dessa acessibilidade.
Estas marinhas são estruturalmente designadas como de cabeceira (1). A água vinda do mar entra nos viveiros, caldeirões e governos pelas portas de água ou comportas, onde permanecerá cerca de quinze dias. Estas operações visam manter as água em repouso para eliminar eventuais impurezas, e aumentar o grau de salinidade. A água corre depois para os corredores, cabeceiras e talhos, operação minuciosa de forma a evitar tocar o solo para não sujar o sal.
Será então que a salinidade vai aumentando até atingir o grau ideal, já nos talhos onde se dá a cristalização.
A água entra nos cristalizadores por furos, designados " olhais ", de modo a controlar a quantidade que vai sendo necessário introduzir. Quando a água no talho é excessiva, diz-se
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(1) Entrevistas com os salineiros: Amadeu Faquinha, António Alvarez, Joaquim Parragudo, Manuel Bolinhas,
António Gaio e João Agrião
que está " bêbado ", sendo necessário retirar a quantidade em excesso. Os talhos são separados por barachas ou travessas, para onde se rapa o sal, e por madrizes ou matrizes que separam duas filas de talhos e que servem de caminhos no transporte do sal para as eiras.
Quando uma cabeceira serve apenas uma fila de talhos designa-se singela, quando serve duas filas designa-se dobrada.
Os talhos onde se efectua a cristalização, tem neste salgado, dimensões reduzidas, raramente ultrapassando os seis metros de lado, excepto na marinha Velha da Fonte, onde os talhos atingem o dobro da área, designados por isso como sendo " à moda de Aveiro " (1), mas tendo o inconveniente de obrigar os salineiros a um trabalho permanente dentro de água e simultaneamente de levantar impurezas que sujam o sal.
No Livro do Tombo da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros (2), executado nos primeiros anos da década de oitenta do século XVIII, são referidas duas marinhas, cuja estrutura é assim definida; viveiro, caldeirão, caldeira, corredores, cabeceiras e talhos. A marinha da Alfeirã tinha no final do século XV uma estrutura semelhante, segundo a descrição feita no testamento (3) de Pero Vicente " o Velho ", ou seja; viveiros, cabeceiras, governos e talhos.
Como se mostra, as estruturas tipológicas destas marinhas não conheceram transformações e mantiveram-se inalteráveis até aos nossos dias, simultaneamente as técnicas de produção mantiveram essa imobilidade.
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(1) Cabaça, Joaquim Inácio Raminhos. " Defesa do Património Natural e Cultural de Alhos Vedros.
Edição da Câmara Municipal de Palmela. 1984.
(2) Livro do Tombo da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros, 1780, folhas 146 ss
Transcrição Fernando Pires
(3) Compromisso da Capela de S. Sebastião e Ermida de Nª Srª Vitória, 1498, Transcrição Fernando Pires
Arq. Hist. Junta de Freguesia de Alhos Vedros

Comparativamente com o resto do país (1), nota-se que os Alhosvedrenses não usam o termo " pejo ", mas sim viveiro. Nos outros casos o vocabulário é bastante semelhante. Alguns instrumentos como o " pombeiro " e as " rasas " não foram identificados pelos nossos entrevistados o que significa que deixou de ser utilizado há já algum tempo.
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(1) A revolta dos salineiros. Edição da Câmara Municipal de Alcochete. 1994.
Silva, João Ferreira da, " Inquérito à indústria do sal". Vol: V. O salgado de Setúbal. 1957.
TÉCNICAS DE PRODUÇÃO.

Os trabalhos de preparação das marinhas começam na Primavera, nos meses de Abril e Maio (1).
Os primeiros trabalhos são dedicados a vazar as águas de toda a marinha caldeiras e viveiros e posterior limpeza que se inicia com o corte de gramateiras, moitas, juncos e outros arbustos que crescem nos muros e simultaneamente das lamas do fundo dos corredores cabeceiras e talhos, que servem para consolidar matrizes, barachas, muros e acessos.
Depois de limpa e seca procede-se à compactação dos fundos dos talhos, operação que se baseia a calcar e alisar o fundo do talho com o objectivo de impedir fugas de água e simultaneamente criar uma superfície que não permita a mistura de impurezas com a água destinada à cristalização.
Esta operação substitui o feltro, que é uma alga que se desenvolve no fundo dos talhos, consistente e compacta conhecida na salicultura portuguesa como " traste ", " casco ", " cozimento " ou " fermento " e que tem como função, isolar as impurezas em suspensão, evitando que se misturem com o sal. O feltro foi sendo substituído nesta região pelo fundo argiloso bem calcado e endurecido pelo sol.
Após esta primeira operação a marinha está em condições de receber as águas o que acontece sensivelmente em Junho e durante uma semana o salineiro vai passando as águas dos diversos reservatórios até aos talhos. Cerca de duas semanas a salina está em condições
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(1) Entrevistas com os salineiros, referidas anteriormente
de dar o primeiro sal. Após esta primeira colheita é introduzida mais água nos talhos, mantendo sempre a água " mãe " que sobra da primeira colheita, e passados cerca de vinte dias obtém-se uma segunda colheita, mantendo sempre nos cristalizadores a água mãe.
Se as condições climatéricas forem favoráveis pode ainda obter-se, uma terceira, e eventualmente mais colheitas no mesmo ano. O sal entretanto produzido vai sendo transportado para as eiras em canastras, carros de mão e modernamente passadeiras rolantes eléctricas, onde é amontoado em serras e coberto com junco para evitar que se dissolva com a águas das chuvas.
Entretanto com as primeiras chuvas termina a actividade salineira. As marinhas são alagadas pela água doce ficando submersa até à Primavera seguinte.
Durante o Inverno faz-se o escoamento do sal, actualmente em transportes rodoviários para as fábricas de refinação e higienização, até à pouco, de barco à vela para o comércio inteiro ou para barcos de maior capacidade para exportação. As técnicas de fabrico de sal , assim como os instrumentos de trabalho, não divergem das outras regiões do país e revelam a mesma ancestralidade secular nos métodos de trabalho.

 
USOS E COSTUMES DOS SALINEIROS

Os salineiros são contratados por temporadas e são assalariados, desde o Mestre aos ajudantes.
Os hábitos das gentes (1) que vivem nos trabalhos das salinas são, em regra, os já apontados noutros estudos (2), para o conjunto do território português.
Os horários de trabalho são extensos e começam logo pela alvorada, para aproveitar as horas de menor calor. Depois de um intervalo pelo meio do dia em que o calor se torna insuportável, continuam até ao pôr do sol.
As suas habitações são rudimentares. Barracas, feitas de tábuas de madeira, com coberturas de palha ou junco e térreas. Uma só divisão, serve diversas funções, armazém, arrecadação, cozinha, quarto e também guarda e vende sal. Outro tipo de habitações já com cobertura de telha e paredes com cerca de meio metro, feitas de areia amassada com cal e lotadas com cascas e ostra, caracóis do mar e outros moluscos marinhos e bem assim restos e fragmentos de cerâmica, pedras diversas, vidros e até material orgânico. As habitações mais recentes, tem cobertura de telha, as paredes em alvenaria e o chão cimentado ou com mosaicos de argila. Algumas possuem já duas divisões bem definidas; uma de entrada que serve de cozinha, e outra que serve de quarto.
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(1) Entrevistas com os salineiros, referidos anteriormente
(2) "Os Salineiros de Alcochete" Art. Jornal "O Século", 16 de Ago. 1957
Proença, Raul. "Guia de Portugal" III Vol
Silva, João Ferreira da, " Inquérito à indústria do sal". Vol: V. O salgado de Setúbal. 1957.

Neste século o principal proprietário de salinas construiu um bairro onde moravam os seus trabalhadores (1).
O vestuário é também rudimentar e elementar. Para trabalhar usam uns simples calções, ou calças arregaçadas e uma camisa, ou mesmo em tronco nu, andam descalços e na cabeça usam um chapéu de palha de abas largas, por vezes sobre o chapéu utilizam um lenço que serve para proteger mas que depois de húmido do suor também se torna agradável nos momentos de maior intensidade de calor. Fora das salinas a indumentária pouco se altera, apenas enfiam nos pés umas alpergatas.
A sua alimentação baseava-se muito na fauna piscatória local, e das épocas migratórias do próprio pescado, sendo petisco apreciado na zona as caldeiradas, feitas de diversas maneiras consoante o peixe capturado, as enguias e irós fritos, para além dos berbigões, lamuginhas, ostras, camarões, caranguejos, cozinhados de diversas formas.
Era todavia enriquecida pelos produtos hortícolas e carnes, que obtinha pela troca directa com o sal. Na nossa visita à marinha " da Freira ", o salineiro possuía na sua casa de venda de sal, vinho e aguardente, alhos e cebolas, e outros géneros, e mostrou-nos um alguidar com toucinho, febras e vísceras de porco e afirmou que tudo havia sido trocado pelo sal.
Nesse dia, o almoço tinha sido carne assada, pão e vinho, acompanhado com batatas fritas, salada de tomate e azeitonas. Haviam participado para além do salineiro, os seus ajudantes e dois convidados/clientes/fornecedores. Os restos da comezaina sobre a mesa e pelo chão da barraca não deixavam dúvidas.
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(1) Planta nº 1

COLONIZAÇÃO E ORIGEM DAS MARINHAS
SÉCULOS XIII E XIV

Não existem provas documentais nem arqueológicas que provem a existência de marinhas nem mesmo de qualquer povoamento em épocas anteriores à ocupação Cristã. O espaço compreendido no limite do termo do extinto Concelho de Alhos Vedros não conheceu qualquer povoamento ou colonização anterior, nem mesmo no período Árabe.
As terras de " Riba Tejo " só conheceram uma colonização ou um povoamento de forma sistemática depois de meados do século XIII (1). Rui de Azevedo (2) refere que se trata de uma colonização de tipo parcelar, verificando-se o " aparecimento de minúsculas povoas ribeirinhas em grande parte para a exploração de salinas". Estas povoas formavam no final do século XIII um grémio Municipal rudimentar, o Concelho de " Riba Tejo " de que Alhos Vedros teria sido sede por algum tempo.
A Profa.. Dr.ª. Maria Alfreda Cruz (3), identifica para a Idade Média um povoamento de dispersão simples para a região de " Riba Tejo ", atribuindo o surgimento de povoados à importância do litoral e à organização agrária. Mas se na extremidade Oriental da Margem Sul se pode falar de povoamento baseado na exploração de grandes herdades, tal não era possível na zona Ocidental. E, como afirma, não se conhece com exactidão os fundamentos do Concelho de Alhos Vedros, esse povoamento dever-se-à portanto, menos ao desinteresse

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(1) Vargas, José Manuel . Encontros sobre história local, Palmela 1987, Ed. Câmara Municipal Palmela
(2) in, Vargas, José Manuel ob. cit..
(3) Cruz, Maria Alfreda, ob. cit.

Régio do que à situação e condições geográficas específicas que o local oferecia aos colonos.
Entendemos também que o povoamento se deve inicialmente a doações Régias ou da Ordem de Santiago, mas devido aos circunstancialismos geográficos próprios essa doações tendiam a formar unidades económicas autónomas capazes de suportarem a subsistência de, pelo menos, uma família.
Nesse sentido perfilhamos as opiniões do Prof.; José Manuel Vargas, pois as condições para a permanente fixação humana nesta região, não se enquadra nos típicos modelos medievais.
Se a grande propriedade não é geograficamente possível o povoamento baseia-se em três factores principais. A quinta com habitação, criação de animais domésticos, pomar e terra de cultivo para auto consumo, depois a vinha de extensão variável, mas sempre de pequenas áreas, e a salina. Os trabalhos da vinha e da salina são temporalmente complementares o que torna possível uma laboração regular ao longo de todo o ano.
Ora a conquista destes terrenos foi decerto uma actividade ciclópica. Por um lado a conquista de terrenos cobertos de vegetação para a plantação de vinha, por outro lado a conquista de áreas pantanosas e de sapais para construir marinhas.
É pois esta dupla conquista que permitiu a fixação humana na zona ribeirinha a leste da ribeira de Coina. As povoas existentes na Idade Média pertencentes ao Concelho de Alhos Vedros, a saber; Palhais, Telha, Verderenas, Barreiro, Lavradio, Moita, Martim Afonso e Sarilhos só no século XV adquirem estatuto de Freguesias, mas desde o final da reconquista o povoamento ou repovoamento se processou nesta vasta região.
A documentação mais recente mostra claramente uma ocupação dispersa, com base na exploração económica exaustiva dos recursos naturais e geográficos, ou seja, uma zona limitada pelo mar salgado ou influenciada pelas marés, e aí desenvolve-se desde logo as marinhas, mas também os viveiros de peixe e a partir do século XV azenhas e moinhos com suas caldeiras e viveiros, outra zona não influenciada pelo salgado onde predomina a cultura da vinha depois do pinho, sendo estas que proporcionavam os recursos indispensáveis ao estabelecimento da população. Uma terceira zona junto dos principais veios freáticos de todas a mais fértil, onde surgem as quintas com suas casas hortas e pomares.
No limite as zonas de mato onde a primitiva vegetação de Quercis, por ser de fraca qualidade como combustível e de morosa e desordenada reposição foi sendo substituída pelo cultivo do pinheiro, ( que ainda assim não se adaptou a determinados terrenos que após várias experiências se revelaram absolutamente estéreis ), cuja rentabilidade económica é muito maior, pois permite continuar a exploração da vegetação espontânea acrescida pela rama dos pinheiros como combustível doméstico e o pinheiro adulto na indústria naval e de carpintaria.
Toda a zona está completamente isolada do sul do país por via terrestre, ao contrário da opinião da Profa.. Dr.ª. Maria Alfreda Cruz (1), pois só no século XVII (2) as vias terrestres chegaram aos cais marítimos desta zona, concretamente à Moita e em menos proporção a Alhos Vedros. Até essa época as duas vias de comunicação terrestre para Lisboa vindas do sul terminavam preferencialmente em Aldeia Galega ou em Coina que só perderia influência
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(1) Cruz, Maria Alfreda, Ob. cit.
(2) Santos, Maria Clara Curado "Moita Vila há 300 anos", Ed. Câmara Municipal da Moita, 1991
após o terramoto de 1755 (1). O Concelho de Alhos Vedros foi contornado durante séculos por viajantes e mercadores pelas duas principais vias referidas, não beneficiando por isso nenhuma das povoas dos lucros e benefícios que esta actividade porprocionavam.
O caso da Moita (2) é revelador desta opinião , pois até fins do século XVI não passa de uma minúscula aldeia, crescendo depois em menos de um século até ser vila, tendo como base económica o transporte de pessoas e bens que chegavam à localidade com destino a Lisboa. Durante o século esta pequena povoa desenvolveu um conjunto de infra-estruturas com esse objectivo, como seja a construção de cais adaptados aos tipos de transportes, estalagens, igreja, assim como a regulamentação da actividade dos barcos, das carretas e outros complementares.
A documentação mais antiga referencia Alhos Vedros e a Igreja Matriz nos finais do século XIII. Em 1316 (3), um documento refere duas sentenças relativas a moradores de Alhos Vedros condenando-os a que pagassem a dízima do sal pertencente ao Cabido da Sé de Lisboa, pois andavam excomungados por aquele facto. O direito de receber a dízima do sal de " Riba Tejo" prolongou-a até finais do século XVI, e deu motivos a conflitos entre a Ordem de Santiago e o Cabido da Sé de Lisboa, sendo necessária a intervenção Papal por diversas vezes.
No decorrer do século XIV multiplicam-se as referências a Alhos Vedros geralmente em contratos de aforamento de vinhas e marinhas. Surge-nos em 1355 (4) como terra senhorial,

 
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(1) Pires, Fernando. " O Pelourinho de Coina" , in "Um Olhar Sobre o Barreiro", Nov. 1994
(2) Gonçalves, Luís Jorge "A Moita, os Barcos e o Tejo". Ed. Câmara Municipal da Moita
(3) Vargas, José Manuel . Encontros sobre história Local de Alhos Vedros, 1990. Ed. Fotocopiada
(4) Vargas, José Manuel. Ob. cit.

cujo donatário exerce jurisdição própria, pois Lopo Vaz Cardoso vendeu o Senhorio de Alhos Vedros a Gonçalo Martins Vilela que toma posse da dita vila e seus bens incluindo as marinhas.
Todavia a exploração salineira foi privilégio do Mosteiro de Santos, desde o início do século como se verifica pelo documento seguinte (1); 1322, Julho, 7. Palmela. Encampação que Garcia Rodrigues, Comendador de Palmela, fez ao Mosteiro de Santos de umas marinhas velhas e novas situadas no Ribatejo, entre a água da Lançada até à água de Coina, excepto a marinha do Barreiro e a da Verderena que eram da Casa de Palmela.
In nomini dominj Amem. Sabham todos como Eu Dom Garçia rrodriguez Comendador de Palmela e de Setuual e de Ribatejo ffaço a ssaber como Eu teuesse arrendado da Comendadeira e do Conuento das donas do Moesteiro de Santos as marinhas velhas e nouas que ssom en Riba de Tego copulem a ssaber dela augua da lançada ata Augua de Couna. Eu de meu e de mha liure uoontade me lhis quito da Renda e das Marinhas com todo sseu ssal que en elas esta E leixo-lhas e parto me lhis delas pera todo ssenpre e mando que por mjm nem por outrem por mjm nunca lhis possam sser enbargadas saluo a Marinha do barreiro e a da verderena que ssom da Cassa de Palmela no ( rio couna. ) Rogey Lourenço Pires tabeliom de Palmela que lhis ffezesse disto hum estromento ffeyto foj em Palmela que lhis ffezesse disto hum estromento ffeyto foj em Palmela dentro no Castelo sete dias de julho Era de Myll trezentos e Sesseeta anos. testemunhas Joham nicolas Juiz Pedro ramayem Martim nuniz Comendador de Santos Vicente torrado Antonyo martinz ( estevam Rogeyro ) ?
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(1) Vargas, José Manuel. Ob. cit.
ffernam rrodriguez e outros Eu Lourenço Pires poblico tabelliom de Palmela a esto pressente ffuy e a Rogo e per outorgamento do dicto Dom Garcia rrodriguez este estromento escreuy e en ele meu ssinal pugj em testemunho de uerdade que tal Est.
Também as localidades vizinhas do Lavradio e do Barreiro surgem em meados do século XIV referidos como quintas com suas marinhas (1). O Professor José Manuel Vargas (2) refere a existência de marinhas velhas no início do século XIV entre Coina e a Lançada e particularmente em Alhos Vedros, Barra-a-Barra, Barreiro e Verderena.
Em 25 de Março de 1368 (3) o Rei D. Fernando manda que se observe em " Riba Tejo " a postura que proibia a entrada de vinhos de fora e os Homens Bons do Concelho afirmavam haver mais de cem anos que não havia outro tipo de mantimento que vinho e sal.
Temos pois que a colonização e povoamento e portanto a conquista das margens do rio para a construção de salinas é posterior à ocupação Cristã, eventualmente após a reconquista Árabe de Palmela em 1191 por Almançor quando os moradores perdoados pelo Muçulmano puderam abandonar o castelo, fixando-se nas terras litorais. Todavia a fixação definitiva começaria após a reconquista de Alcacér-do-Sal em 1217 e das campanhas do Algarve até 1250 em que acção dos Espadatários foi determinante. Essa opinião é cimentada pelo estudo da onomástica e da toponímia local (4). Constata-se a não existência de referências remotas, tanto na toponímia, que se relaciona com aspectos geográficos, naturais ou de aspectos da vida rural, como na onomástica onde se demonstra um povoamento e colonização feitas por Cristãos oriundos de outras regiões como Loures, Bucelas, Frielas, Faro e Portel.
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(1) Vargas, José Manuel . Ob. cit.
(2) Vargas, José Manuel . Ob. cit.
(3) Vargas, José Manuel . Ob. cit.
(4) Vargas, José Manuel . Ob. cit.

As salinas e a exploração do sal da região foi portanto uma actividade fundamental desde o início da nacionalidade na ocupação e desenvolvimento económico de toda a Margem Sul e em particular no espaço geográfico a que este estudo se reporta.

 
AS MARINHAS NOS SÉCULOS XV E XVI.

A construção de marinhas na Margem Sul desenvolveu-se pelos séculos XV e XVI. Apesar de haver pouca documentação publicada, podemos constatar que o Mosteiro de Santos manteve manteve e defendeu ao longo dos séculos o privilégio da rendas do sal e doação de praias, sapais e morraçais para fazer marinhas.

SESMARIAS DADAS PELA COMENDADEIRA DE SANTOS
Um documento de 1442 (1), diz que a Comendadeira de Santos dava lugar e consentimento a Esteves Eanes, contador d' el Rei, para fazer uma marinha na freguesia de Alhos Vedros em um campo que é junto com o mar, onde chamam o Praial.
Ficava o dito Esteves Eanes obrigado a fazer a marinha à sua custa, no prazo de três anos, e daí em diante " adubada " e reparada todos os anos bem e direitamente, como deve ser uma marinha de modo a ser sempre melhorada. Ficava ainda obrigado ao pagamento do dízimo e do quinto e depois dele seus herdeiros. Se Esteves Eanes ou seus sucessores não tratarem convenientemente a marinha de modo a haver prejuízos, pagará pelos seus próprios bens. Se alguém demandar as marinhas, deverá opor-se. Também não poderá vender nem "escambar" as marinhas sem conhecimento da Comendadeira.

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(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc 1134

Dois anos depois (1) a mesma Comendadeira e Donas do Convento de Santos, deram e outorgaram de foro, para sempre a Gil Vasques e sua mulher Margarida Pires e a seus sucessores, uma praia na freguesia de Alhos Vedros, para fazer uma marinha. As condições divergem da anterior. Agora será feita apenas em dois anos e nos quinze anos seguintes pagará somente o dízimo sal e depois o quinto, cada ano. Não fazendo a marinha ficavam obrigados a pagar dez moios de sal todos os anos até que estivesse feita. No primeiro ano de laboração o sal ficava na totalidade para os foreiros. Ficavam proibidos de tirar o sal das salinas sem a presença do procurador do Mosteiro, ou fazendo-lhe primeiro saber.
Devem ainda cuidar da marinha de modo a ser sempre melhorada. Não a podem vender, "escambar" ou " alhear " sem o fazerem saber ao Senhorio.
 

SESMARIAS DADAS PELA ORDEM DE SANTIAGO
No entanto a Ordem de Santiago também se interessou por essa área, procurando nela exercer um Senhorio que era incontestado nas outras actividades económicas e bens de raiz.
Prova disso é a autorização (2) que o Mestre da Ordem de Santiago, D. Men Roiz de Vasconcelos, em 1449, concedeu a seu Almoxarife em " Riba Tejo", Lourenço Gomes, morador em Alcochete, para poder dar praias e sapais onde se pudessem fazer marinhas de sal, em todos os termos do Almoxarifado, a todas as pessoas que as pedissem e pudessem fazer de sesmarias, com a obrigação de a fazerem no prazo de um ano e de pagarem à Ordem o quinto, sexto ou sétimo do sal.
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(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc. 1357
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç nº 3 Doc. 1282
E logo apareceu um Martim Vasques de Alhos Vedros a pedir em nome de João Eanes, Abade de Penalva, uma praia que está junto da ponte da Moita, e parte da cal até à ponte e com pinhal e vai entestar à " abicada " da Barroca. A qual praia nunca havia sido uma " benfeitoria ".
O Almoxarife deu a praia na condição de ser feita no estipulado prazo de um ano, pagando o foreiro sete moios de sal cada ano de todo o sal que a marinha der. Não a fazendo num ano pode o Mestre dá-la a quem a quiser pagando o Abade para a Câmara do Mestre 500 libras.
Esta Decisão do Mestre da Ordem em dar praias e sapais de sesmarias para fazer marinhas, na Margem esquerda do Tejo limite do seu Senhorio, provocou reacção em velhos privilégios e regalias. Concretamente em Alhos Vedros, as Donas do Convento de Santos.
Logo em 1451 (1), queixam-se ao Infante D. Fernando, que algumas pessoas da freguesia de S. Lourenço de Alhos Vedros não querem pagar o quinto, apenas o dízimo. D. Fernando ordena que todos paguem o quinto e o dízimo ao Mosteiro como sempre pagaram. Quem não quisesse pagar tinha de mostrar por Escritura Pública o motivo da isenção e que ninguém tivesse a ousadia de tirar sal das marinhas sem o fazer saber ao Procurador, Recebedor ou Rendeiro do Mosteiro, sob pena de 1000 reis para a Câmara do Infante.
Em 1454 (2), João Lobo, escolar em Direito e Procurador do Mosteiro, solicita junto do Tabelião Real uma cópia autenticada desta determinação de D. Fernando evocando o receio de se poder extraviar ou degradar-se.
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(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Cx. 15 Mç. nº 1 Doc. 1220
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Cx. 18 Mç. nº 1 Doc. 1315
 
DISPUTA ENTRE O CONVENTO E A ORDEM
Em 1459 (1), o Procurador do Mosteiro, Gonçalo Nunes apresenta-se ao Tabelião de " Riba Tejo " para lavrar Escritura Pública, em como pretendia tomar posse do sal e marinhas da freguesia de S. Lourenço. Para o efeito justifica a sua posse de direitos por outros documentos legais anteriores às determinações de D. Fernando de 1451. Esta atitude era um sinal de força e mostra que os recursos jurídicos da Comendadeira eram grandes, pois o Procurador Gonçalo Nunes apresenta perante o Juiz Chaves e o Tabelião do Rei, Álvaro Gomes um " estormento ", segundo o qual no ano de 1442, Tomé Aires, Procurador da Comendadeira e Donas de Santos, registou nos Livros de Pero Esteves, Tabelião do Rei em Alhos Vedros e nas casas deste uma Procuração datada de 1432, assinada pelo Tabelião de Lisboa, João Joanis, em que a Comendadeira lhe dá poder para tomar posse de todos os bens do Mosteiro. Acrescentava que tudo o que fosse dito e feito pelo referido Procurador ficasse firme e válido e para sempre. Entre outras coisas, o Procurador disse que o Mosteiro, Comendadeira e Donas, tinha nesta terra de " Riba Tejo " "peça" de marinhas de fazer sal, que pagam quinto e dízimo e que lhe mandavam tomar posse delas, assim como do sal que nelas houvesse. Isto porque ( e levanta a questão em disputa ), a Ordem cobrava no que pertencia ao Mosteiro. Por isso que se visse as pessoas que trazem essas marinhas, para que não dessem os quintos a ninguém, excepto ao Procurador do Mosteiro, sob pena de pagarem ao Mosteiro o quinto pelo maior preço que o sal valer. Depois de tomar posse de todas as marinhas, pediu ao Tabelião um, dois, três " treslados " e mais se necessário para o dito Mosteiro saber parte dos seus direitos.
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(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc. 1368
 

QUEIXA DO PROCURADOR DO MOSTEIRO
Em 1469 (1), de novo o Procurador do Mosteiro Tomás Eanes, queixa-se ao juiz de Alhos Vedros Afonso Martins, que a Ordem mandava dar a seus sesmeiros praias e marinhas na freguesia de Alhos Vedros.
O sesmeiro da Ordem, Gomes Lourenço, que estava presente, retorquiu que não embargava à Comendadeira os seus quintos, nem dízimos, nem sextos, nem sétimos do sal, como nas outras em que não possuem o quinto do sal e que por essa razão não era de atender o Procurador do Mosteiro.

ORDEM ACEITA SENHORIO DO CONVENTO
Posteriormente a Ordem dá terras de sesmarias na freguesia de Alhos Vedros, mas nos documentos publicados não surge mais nenhuma praia ou marinha. Apenas no início do século XVI (2), o Mestre D. Jorge dá de sesmarias uma entrada de água salgada, para fazer um moinho, eventualmente o que chamam de Encharroqueira. O documento (3) frisa que o senhorio " tem encargo de dar as sesmarias pertencentes à Ordem ". Percebe-se que a referência se aplica às marinhas, pois todas as outras pertenciam à Ordem. As preocupações com os acessos às marinhas ressaltam também neste documento pelo que se verifica pelo excerto transcrito; " Dom Jorge cetera. A quamtos esta nossa carta de sesmaria virem fazemos saber que temdo nós dado per nossa carta huua emtrada d’ agoa salgada que está
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(1) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 4 Doc 1414
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 4 Doc 1620
(3) A.N.T.T. Doc. cit.
em termo d’ alhos vedros omde se chama a das Roseiras que parte ao Sul com viueiro da marinha de Lopo d’ albuquerque e com viueiro da marinha de Tome Afomso e se chama Rego de Sapos e ao leuamte com marinhas que foram de Pero Gomez caualeiro da casa del Rey meu Senhor que Deus aja e com caminho do Concelho e com viueiros e marinhas de Valemtim Fernandes e com muro da marinha que foi de Pero Vicemte e com outras comfromtações com que de direito deua e aja de partir e isto ao dito Pero Gomez e com comdição que lhis abrisse esteiro pera marinha e viueiro do dito Tome Afomso per homde tomassem agoa e as barcas carregassem seu sal pera fora da caldeira e asy outro tanto pera as marinhas e viueiros do dito Pero Vicemte e demtro de seis anos fezesse na dita emtrada huus muinhos ... ".
 

SALINAS ANEXAS A OUTRAS PROPRIEDADES SÃO DA ORDEM
Ao longo do século XVI surgem diversas referência a marinhas dadas de aforamento pelo Mestre de Santiago, mas neste caso, dadas juntamente com outros bens que constituíam uma única propriedade indivisa.

SESMARIAS
Exemplo disso é contrato de sesmarias (1) que o Mestre dá a Duarte Galvão para reedificar um moinho e marinhas, no Lavradio.
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(1) A.N.T.T., B 50-37, Convento de Palmela, fls. 93 vº-97, in "Um Olhar sobre o Barreiro"

AFORAMENTO
Em 1521 a Ordem dá uma carta de aforamento (1) a Rodrigo de Vasconcelos, sobre a quinta da Verderena incluindo as suas duas marinhas. Neste caso o aforamento já não segue o modelo tradicional, " ab eternun ", para toda a vida e seus sucessores, aplicado anteriormente aos aforamentos de marinhas, mas apenas em vida de três pessoas, como era usual nas outras propriedades rústicas.

FORO EM GÉNEROS
A instituição do morgado de Pero Coelho em Coina, em I550 (2), incluía também uma zona de contacto com o rio, onde estavam construídos um moinho e uma marinha, que pagavam de foro ao Mosteiro de Santos vinte alqueires de trigo, quinze pelo moinho e cinco pela marinha. Também neste caso o aforamento diverge dos verificados nos séculos anteriores, pois a cobrança do foro é feita em géneros, no caso trigo, em vez do típico dízimo em sal. O primeiro é fixo, não fica à mercê das oscilações da produção nem dos preços, o segundo é variável em função das contingências conjunturais.

CONCLUSÃO
A Ordem podia pois ser proprietária dos foros, mas não mais voltou a insinuar direitos sobre os quintos e dízimos do sal. Isso torna-se evidente tanto no Foral de 1514 (3) como na
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(1) A.N.T.T., Ordem de Santiago, B 50-12, in "Um Olhar sobre o Barreiro
(2) Notarial de Azeitão, 1550, col. Privada, in "Um Olhar sobre o Barreiro
(3) Leal, Ana de Sousa, Foral Manuelino e Descrição da Vila de Alhos Vedros, 1614.Ed.CACAV, 1993
descrição da Vila de Alhos Vedros de 1614 (1). Nestes documentos estão especificados os direitos e dízimos pertencentes à Ordem, onde se incluem todos os rendimentos e produtos da terra, mas que é omisso em relação ao sal.
Assim, o Mosteiro de Santos, através dos seus direitos sobre o salgado do Concelho de Alhos Vedros, garantia o numerário necessário à sua vida financeira pela cobrança dos dízimos em sal que depois vendia, e os bens de primeira necessidade indispensáveis, pela inclusão no foro da obrigatoriedade do pagamento ser efectuado nesses bens, como seja em trigo, frangãos e galinhas.
O Mosteiro de Santos consegue portanto manter o senhorio da zona ribeirinha, nos limites da freguesia de S. Lourenço, para dar em sesmarias para fazer marinhas. Este Senhorio será sempre referido e lembrado pela Comendadeira, ao longo dos séculos, nas epistolas e disputas tanto com a Ordem de Santiago como com a Câmara da Alhos Vedros, para que nunca lhe pusessem a posse em dúvida.
 

RELAÇÃO DAS MARINHAS EXISTENTES NO SÉCULO XV
Em 1432 (2), o Procurador do Mosteiro Tomé Eanes, apresentou-se ao Tabelião de Alhos Vedros para registar a sua intenção de tomar posse de todas as marinhas da freguesia de S. Lourenço, por ordem da Comendadeira, o que nos permite elaborar para essa data um quadro completo das marinhas existentes;

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(1) Leal, Ana de Sousa, Foral Manuelino e Descrição da Vila de Alhos Vedros, 1614.Ed.CACAV, 1993
(2) A.N.T.T. Santos-o-Novo, Mç. nº 3 Doc. 1368
1- Marinhas que são as Verderenas.
2- Uma marinha da Ordem de Santiago que trás Vasco Martins Daltaro. Mosteiro não pretende fazer prejuízos ao senhorio, mas usar de seu direito e de sua posse.
3- Marinha que foi de Domingos Lourenço, do Barreiro.
4- Duas marinhas, que chamam de João Velho junto da quinta e capela de Dona Sancha que trás Lourenço Esteves do Lavradio.
5- Três marinhas de Afonso Furtado, no Lavradio. Sal está nas eiras e não tem quintos.
6- Marinha grande de S. Eloi, de Gonçalo Dias Mealheiro. Ordem para não responder pela marinha a ninguém, salvo ao Procurador do Mosteiro.
7- Marinha de Lopo Afonso do Quintal, junto à de S. Eloi. Tem um monte de sal dos dízimos.
8- Marinha de Lopo Esteves, no mesmo lugar. Tem cinco moios de sal de quintos, disse Vasco Esteves. Logo foi defeso que o não deixe levar a ninguém, salvo aos Procuradores do Mosteiro.
9- Marinha Nova, no mesmo lugar, que fez Rodrigo Anes, que casou com Beatriz Gomes.
10- Marinha que chamam "allujsos " ( SIC ) que trás João Dias. Pertencem às Donas de Chelas e não tinha sal.
11- Duas marinhas de João Eanes, na Estebeira. Tinha um monte e meio de sal.
12- Uma marinha de João Velho, no mesmo lugar da Estebeira. Tem um monte de sal de quintos.
13- Marinha de João Pires, dos Frades da Graça, que trás João Vasques. Não tem quintos.
14- Três marinhas de Lopo Afonso do Quintal, no Cabo da Estebeira. Não tinha quintos.
15- Marinha de Lourenço Gago, em Alfeirão. Afonso disse que havia quatro moios de quintos e lhes disseram para não deixarem ninguém levar o sal.
16- Uma marinha de Álvaro Afonso, chamada "a do Cabo", no mesmo lugar. Tem dezoito moios de quintos. E defendeu a Lourenço Vicente e a todos, que não acuda com nenhum direito do sal a ninguém, excepto ao Mosteiro e que ele Lourenço Vicente não consinta que ninguém leve o sal da sua marinha sem recado da Comendadeira.
17- Uma marinha que trás Simão Vicente no mesmo lugar. Tem um monte de sal em que Simão Vicente disse haver dez ou onze moios.
18- Uma marinha de Gonçalo Anes e de outros herdeiros, no dito lugar de Alfeirão. Havia sete moios de dízimo, da parte que Afonso Anes arranjou da salina.
19- Uma marinha de Álvaro Afonso, " a dos frades". Não tem quintos.
20- Uma marinha que chamam " a de João Vicente, a grande ".
21- Uma marinha junto da anterior de Álvaro Vasques da Moita, com seus quintos.
22- Uma marinha de Maria Nascentes. Tem um monte de sal que disse ter doze moios. Não consinta nem deixe levar o sal dos quintos a ninguém.
23- Uma marinha de João Dias Pinheirom. É de dízimo. Tem seis ou sete moios de sal de dízimo.
24- Uma marinha de Vicente Lourenço, onde chamam as Roseiras. É de dízimo. Tem quatro moios de sal de dízimo.
25- Uma marinha de Vasco Esteves. Não tem quintos.
26- Uma marinha de Leonardo Afonso. Tem oito moios de sal de campanha.
27- Duas marinhas de Pero Coelho em Sarilhos Grandes. Tem quintos, ordenado que não os deixem levar a ninguém.
28- Uma marinha de ( ............... ) . Não tinha quintos.
29- Uma marinha que foi de Álvaro Gonçalves. Trás, Afonso Gonçalves morador no dito lugar de Sarilhos.
30- Duas marinhas. Uma de S. Clara, chamada "a Nova", não tem quintos. Outra do Esteiro Furado tem 27 moios de quintos. Defendeu o Procurador a Maria Anes, Dona Veleira de Santa Clara, que não deixe levar os quintos.
31- Uma marinha de Gonçalo Roiz, que está na quinta de Martim Afonso. Tem sete moios de quintos.
32- Uma marinha que foi de Bertolomeu Martins, na Moita junto ao lagar onde chamam " a dandreia ". Tem treze moios de quintos.
33- Uma marinha que foi do Bulhão.
34- Duas marinhas de João Pires, dos frades da Moita.
35- Uma marinha que trás João Bertolomeu, na Moita. Tinha um monte de sal de sessenta moios ou pouco menos, segundo disse João Bertolomeu. Daqui em diante não a venda com dízimos.
36- Uma marinha de Gonçalo Anes, na Moita. Tem dois montes de sal, cobertos. Ordenado que não dê quintos a ninguém.
37 - Uma marinha de João Torram , na Moita.
Como se verifica, existiria nos meados do século XV, pelo menos quatro dezenas de marinhas, no espaço geográfico considerado como sendo o salgado de Alhos Vedros.
 

JUNCO
De significativa importância, era o junco, para a conservação e protecção do sal, pelo que era considerado comunitário. Alguns abusos de pessoas poderosas na vila, levou a Ordem de Santiago a consagrar na lei o costume, como se constata na Visitação de 1521, a seguir transcrita (1);
 
Sobre os juncaes.
Item Foy-nos apomtado que avia mujtos juncaes no termo da dita Vila, deles em caldeiras de moynhos delles em viueiros de marynhas e em testadas de vinha e de marinhas e delles em bregeos de que sempre o Comcelho está de poosse de ter logramento dos ditos juncaes
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(1) Leal, Ana de Sousa. Pires, Fernando. Alhos Vedros nas Visitações da Ordem de Santiago. CCAV, 1994
d’ panhar jumco pera a Igreja e ruas no tempo das procissões e casas e pera cobrir sal asy dos lauradores como dos dizimos, e agora de pouco tempo pera qua alguuas pessoas poderosas per seu proprio poder e força tolhem e defemdem que nom se apanhe o dito jumco nom temdo nele nenhum direito nem pose cetera, pedimdo-nos que njso prouesemos por bem do pouo pollo quall porquamto o dito jumco he comum a todos pera se poder aproueitar delle quem quiser, mandámos que pesoa alguua o nom defemda sob pena de mjl reis por cada uez a metade pera quem o acusar e a metade pera os catiuos. E quem a jsto teuer alguus enbargos os viurá (sic) alegar perante nós e sera ouujdo com o Concelho.
 

DOAÇÕES
Logo nos primeiros séculos verificou-se a concentração destas propriedades nas instituições religiosas, através de doações ou de instituição de Capelas como se verifica pelo Compromisso das Capelas de S. Sebastião e de Nª. Sª. da Vitória, instituído por Pero Vicente "o velho " e sua mulher Catarina Lopes Bulhoa, a seguir transcrito (1);
E depois deste, Aos onze dias do dicto mes de Novembro e da dicta era de mill e iiij e noventa e sinco anos. Os dictos Pero Vicente ho moço Juiz e Pero Gonçalves Vereador, levando consigo Afomso Piriz ho moço, e Joaham Afomso, e Joham Martyz ho moço, e Joham Eanes de Benfica, e Jorge da Costa filho de mym, dicto notairo, todos homens bõos na dicta Villa d’Alhos Vedros moradores. E comigo dicto notairo com o dicto compromisso nas mãoos forom tomar a posse das marinhas contheudas no dicto compromisso, scilicet,
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(1) Compromisso da Capela de S. Sebastião e Ermida de Nª Srª Vitória, 1498, Transcrição Fernando Pires
Arq. Hist. Junta de Freguesia de Alhos Vedros
que andom ambas em huua que se chama a marinha da alfeirãa. A qual posse os dictos Juiz e Vereador comigo dicto notairo tomarom pellos viveiros, cabeçeiras, governos, muros e com todollos logramentos e eiras e entradas e saydas per terra e sal e gramateiras com todos seus talhos moentes e correntes e auguas como em tal caso se requer, e levando todo em suas mãaos com ramos de gramateiras e pello apegamento e cousas asima nomeadas ouverom por tomada a posse das dictas marinhas para as dictas capella de Sam Sebastiom e Irmida de Santa Maria da Vitória como no compromisso era contheudo e cetera. E logo aly pello mesmo modo tomarom a posse d’ hum brejo e doutras àrvores de fruyto que forom já em pomar, e per mato que ally está per terra e auguas e ramos d’ àrvores, gramateiras e lama. E requererom a mym dicto notairo que o escrepvesse assy testemunhas e os sobre dictos todos açima nomeados e eu dicto notairo que esto escrepvy.
 

ESCRAVATURA
Desde o início do século XVI que existem referências ao trabalho escravo no Concelho. Os escravos executavam as tarefas mais árduas, como fossem os trabalhos agrícolas e nas salinas.
Apesar de não ter encontrado nenhum documento que declare expressamente que eles eram empregues nestes trabalhos, não repugna a ideia visto que a sua importância foi crescente, havendo mesmo duas Confrarias (1) de Nª. Sª. do Rosário dos Homens Pretos, sedeadas uma na Igreja Matriz de S. Lourenço de Alhos Vedros e outra na Igreja Paroquial de Nª. Sª. da Graça de Palhais, ambas formadas exclusivamente por escravos.
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(1) Leal, Ana de Sousa. Pires, Fernando. Alhos Vedros nas Visitações da Ordem de Santiago. CCAV, 1994
 

AS MARINHAS NOS SÉCULOS XVII, XVIII E XIX

No século XVII surgem nos Livros dos Tabeliães de Alhos Vedros, contratos de aforamentos e de vendas de marinhas. Neste século verifica-se a concentração destas propriedades em instituições Religiosas, quer por testamentos e por instituição de Capelas ou ainda por aquisição e compra dos foros.

FORO
A Fábrica da Igreja Matriz, surge-nos como proprietária de marinhas em 1652 (1), quando o Reverendo Prior Sebastião Pais de Matos, o Padre António Serqueira e o Padre Valentim Correia Carneiro, como Procuradores da Igreja Matriz fazem uma inovação do aforamento de vinte e cinco talhos de marinha, no limite das Roseiras onde chamam dobrada de S. João, em Dona Juliana Pacheca, mulher de Manuel Carneiro de Marcozelos. Confronta a Norte com talhos da marinha de Dona Juliana Pacheca e do Sul com Marinha dos Frades de Nª. Sª. da Graça. O foreiro ficava obrigado ao pagamento pelo foro de 850 reis anuais, pagos em dia de natal e em moedas de prata.

VENDA
Os Frades de Nª. Sª. da Graça, são proprietários de metade da marinha da Fonte e em
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(1) Livros dos Tabeliães de Alhos Vedros, Cx 6, Lv. 19 fls. 1, Arq. Dist. Setúbal
1687 (1) compram a restante parte a António de Matos Cardoso, morador na cidade de Lisboa, pelo preço de trezentos mil reis, livre e desobrigada de todos os encargos pois lhe ficou de direito e legítima herança de seu irmão Duarte de Carvalho de Matos.
Outras instituições religiosas surgem como proprietárias de foros de marinhas, como a Irmandade do Santíssimo Sacramento do Barreiro (2), proprietária da Marinha Velha da Verderena.

VALOR RELATIVO
O preço da marinha é comparativamente com outros bens dos mais elevados. Por exemplo em 1632 (3) um barco utilizado na carreira da Moita custava cerca de cem mil reis, moradas de casas, vinhas, terrenos surgem nos livros de Décimas das vilas da Moita e de Alhos Vedros com preços muito inferiores e que oscilam entre os vinte e os cem mil reis.
Cerca de dois séculos depois as marinhas mantêm um valor alto em comparação com os outros bens, como se constata pela (4) " ratificação da partilha amigável, entre os herdeiros de João dosa Santos da Costa Sénior, antigo possuidor de um moinho de maré de seis engenhos, sito na Verderena, avaliado em quatro contos de reis, uma marinha de sal contígua, pelo lado Norte à caldeira desse moinho, por 1:348$000 réis ".
Era portanto um dos bens de raiz mais valiosos, só equiparável em valor intrínseco aos moinhos e fornos.
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(1) Livro dos Tabeliães de Alhos Vedros, Cx. 8 Lv. 28 fls. 30, Arq. Dist. Setúbal
(2) A.D.S., Notarial Barreiro, XI/74, in "Um Olhar sobre o Barreiro"
(3) Livro dos Tabeliães de Alhos Vedros, Cx. 4 Lv. 12 fls. 166, Arq. Dist. Setúbal
(4) A.D.S., Notarial Barreiro, X/60, in "Um Olhar sobre o Barreiro
O Tombo da Vila de Alhos Vedros (1), realizado já nos princípios do século XVII, esclarece esta questão, pelo que passamos a transcrever;
Descripção da Villa d’ Alhos Vedros em Ribatejo. 1614.
( ............................................................................................................................ )
E assim pertençe mais à Ordem os foros das marjnhas e dos moinhos e d’ alguns pinhaes e vinhas e qujntas.
O Cabido e Arcebispo de Lixboa leuão o terço das dízimas da ditta villa e termo excepto das propriedades forejras à Ordem porque dessas hé o dizemo todo in solidum da Ordem sem nom emtrar Arcebispo nem Cabido e por esse respeito não leua o Arcebispo e Cabido terço algum dos dizemos das marinhas e mojnhos porquanto todas são da Ordem e lhe fazem foro, que nas marjnhas ho se hé (sic) o dizemo do sal com obrigação de o porem nas eiras e há sua custa dos possuidores das marjnhas e a bom nado e assj de lhe fazerem as ejras para o dizemo e alguas outras fazem foros de galinha e frangãos. E antigamente todas as marjnhas de Ribatejo pagauão o qujnto à Ordem que o Mestre Dom Jorge reduzio a dizemo de foro em lugar do qujnto como consta de registos de aforamentos que estão no cartorjo do Convento de Palmella e ajnda há alguas na Mouta que pagão o qujnto.
As frejras do Mosteiro de Sanctos da Ordem de Santjago leuão todos os dizemos do sal das marinhas e dizem que per doacção que tem do Mestre, a qual se lhes pedio neste tombo e não apresentarão. E está dado per lembrança ao Procurador da Ordem para aseitar pollos

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(1) Leal, Ana de Sousa, Ob. cit.
dittos dizemos que trazem, ou que mostrem titulo valido.
( ............................................................................................................................... )
A dada das sesmarias pertençe nesta villa e termos à Ordem e seus offeçiaes conforme a lej das sesmarias e no salgado não se podem dar de sesmarias sem foro e sem licença do Mestre.

POSTURAS MUNICIPAIS
Também a Câmara Municipal intervém no negócio do sal, através das posturas que iam determinando sobre o assunto. Logo nos primeiros livros de Vereações conhecidos surgem as preocupações em fazer cumprir os regulamentos.

MOIADORES E ALMODADORES
Por isso a Câmara nomeia todos os anos moiadores e almudadores para as diversas áreas do termo, com esse objectivo, a saber; Palhais e Telha, Lavradio até à quinta do Diabo, Alhos Vedros, Moita e Martim Afonso e Sarilhos, ou para as marinhas específicas de uma das instituições proprietárias.
Logo no início do século algumas informações recolhidas nos Livros de Vereações sobre esses moiadores, mostram que eles ultrapassavam com alguma regularidade as suas competências, como aconteceu com Felipe Barbosa (1), proibido de exercer o cargo por
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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos Vedros, 18 Jun. 1628, fl. 85
desobediência e usar mal a licença. Isto porque o dito moiador já havia sido advertido para servir na forma das ordenações da Câmara e não de outra maneira.

MEDIDAS
Em 1633 (1), os Oficiais da Câmara mandarão chamar os homens nobres e da governança e mais gente do povo, informando-os que as leis do reino não permitiam o uso de medidas acaguladas, resolvendo por isso chamar os moiadores à Câmara com as fangas por onde mediam o sal. Estes na presença dos Oficiais da Câmara disseram que davam por um moio vinte fangas com todo o cagulo que podiam levar, por serem as fangas de três alqueires.
Os Oficiais mandarão então que lhes trouxessem uma fanga de quatro alqueires e fazendo a estiva por uma e outra verificaram que tanto levava a que davam por três alqueires de cuagulo como a que davam por quatro alqueires rasada. Por isso determinaram, que nenhuma pessoa pudesse vender nem comprar sal pelas fangas de cuagulo, e só fosse utilizada a fanga de quatro alqueires rasada, e que os moiadores levassem as fangas antigas à Câmara para se quebrarem.
O não cumprimento desta norma incorria numa multa de seis mil reis.

PESCA NOS VIVEIROS
Nesse mesmo ano a Câmara de Alhos Vedros proíbe que se pesque camarões nas marinhas e seus viveiros, sob pena de 2000 reis pagos na cadeia.
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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos Vedros, 10 Dez. 1633, fl. 190
Em 1686 (1) os Oficiais da Câmara são informados que havia queixas do povo, devido aos moiadores não se deslocaram às marinhas quando os solicitavam, não cumprindo por esse facto com as suas obrigações. A Câmara decide afastar os moiadores faltosos e em seu lugar nomear António Pereira e Marcos Pereira.
No mesmo ano (2) apresentou-se ao Senado da Câmara o Frade Baltazar de Azevedo, residente na quinta dos Frades de Nª. Sª . da Graça, e como Procurador do Convento dos ditos Frades disse que consentia que os moiadores eleitos pela Câmara moiassem o sal das marinhas do Convento, mas só na falta dos seus moiadores e na condição de nunca a Câmara em tempo nenhum lhes prejudicar a posse.
No Auto de Posse destes moiadores e almudadores a Câmara ordenava que dessem (3) " bom aviamento às partes, dando a cada um a sua medida certa, não consentindo que outra pessoa moiasse ".
Não cumprindo com estas determinações o moiador incorria na pena de seis mil reis pagos na prisão, para além de ser afastado do cargo. Foi o que aconteceu a Francisco de Matos, morador em Alhos Vedros, que foi (4) " escuso por não fazer bem seu oficio e levar mais do que está taxado pela Câmara e não tratar de ter fanga para medir o sal e fazendo as medidas dele por canastras ", por isso mandarão que fosse notificado com pena de seis mil reis de pena e não usasse mais do dito oficio, sendo nomeado para o seu lugar Luís Jorge Cabanelas.

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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos Vedros, 14 Abr. 1686, fl. 45
(2) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos Vedros, 22 Jun. 1686, fl. 62
(3) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos Vedros, 25 Abr. 1682. fl. 353
(4) Livro de Vereações da Câmara Municipal de Alhos Vedros, 1 Jul. 1670, fl. 50
DÉCIMAS
A participação do Município nesta actividade é um pouco confusa, pois este não tinha qualquer vantagem económica nem mesmo cobrava a décima como prédio rústico, não sendo por isso referidas nos respectivos livros (1).

BARCOS
A importância do sal revela-se também nas posturas e regimentos dos barcos (2), pois estes são lotados ou estivados, pelo tipo de carga mais usual, ou seja, em pipas de vinho e em moios de trigo ou sal.
Também (3) os barcos destinados a carregar e transportar sal para ir vender no interior do país, subindo o Tejo, têm um estatuto privilegiado pois estão isentos do pagamento de impostos, ao contrário de todos os outros tipos de barco, que, ou estão sujeitos às normas de funcionamento da carreira, ou, fretejando sem cumprir tais normas, sujeitos ao pagamento da coima, no valor de 6000 reis, ficando na prisão até dar contas dos fretes efectuados sem autorização e prestado juramento caso pretende-se exercer a sua actividade nos limites do termo do Concelho.

DOAÇÕES
No século XVIII mantém-se as doações e testamentos a favor das instituições Religiosas.
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(1) Livros de décimas dos prédios rústicos e urbanos da Vila da Moita, 1800-1820, Arq. Câmara Municipal da Moita
(2) Vereações da Câmara Municipal de alhos Vedros, 21 Jan. 1671, fl. 58 e SS.
(3) Vereações da Câmara Municipal de alhos Vedros, 21 Jan. 1671, fl. 66 e SS.
Nas Informações Paroquiais de 1758 (1), o Padre Cláudio José da Silva Nogueira informa que uma Leonor Duarte deixou em testamento duas marinhas pequenas para a Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros, eventualmente as que vem referidas no seu Livro do Tombo e mais à frente descritas.
Referindo-se às riquezas da região dá informações bastante importantes sobre a actividade salineira, pelo que passamos a transcrever (2); "Os frutos da terra que tem com maior abundância são os das Marinhas de sal, porque tendo 54 marinhas, fora algumas perdidas, nas margens do Rio Salgado, na outra parte do Rio que vai para a Moita e nas margens da parte do Norte do Rio Tejo, costumam lavrar estas o melhor de sete ou oito mil moios de sal que se extrai para embarques, para as conquistas, para a cidade do Porto e principalmente para o porto de Abrantes, aonde se distribui por várias terras do Alentejo e Beiras ".
De notar o realce dado pelo Padre Cláudio José da Silva Nogueira ao sector da produção destinado ao comércio interno. Esse teria sido sempre o seu principal consumidor, ao contrário do sal de Setúbal, vocacionado essencialmente para a exportação. O sal chegou ao interior do país, através do Tejo, principal estrada para o interior até ao advento dos transportes modernos, e o fornecedor não podia deixar de ser o seu próprio salgado.
Nas mesmas Informações (3) o Vigário da Vila da Moita, Lucas Ferreira da Silva, não considera a actividade salineira como um dos " frutos abundantes " no Concelho nem no seu

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(1) Alves, Padre Carlos Póvoa, Ob. cit.
(2) Alves, Padre Carlos Póvoa, Ob. cit.
(3) Alves, Padre Carlos Póvoa, Ob. cit.

 
 
termo, o que é estranho visto na época toda a zona ribeirinha estar ocupada pelo salgado e a sua importância ser de facto significativa e competir em termos de importância económica com a lenha e o vinho, considerados pelo Vigário como os mais abundantes. O próprio Lacerda Lobo pela mesma época engloba a Moita entre as localidades com mais marinhas a sul do Tejo.

DIFERENDOS
A tentativa de explorar todos os espaços possíveis com a indústria salineira, provocou diferendos entre os fazendeiros, como em 1790 (1); " Petição de Manuel Morgado Ribeiro, Romão Nunes, Manuel Jorge Gama, Eusébio Estanislau da Silva Couto e outros mais fazendeiros, que têm e fazem fazendas, no termo do Lavradio e do Barreiro, que eles estavam na posse mança e pacífica, por si e seus antepassados, de se servirem eles, seus criados e trabalhadores, há tempo imemorável, assim de pé, como de cavalo, e com carros do caminho que vai dos Moinhos da Verderena para a Feitoria, aonde algum dia foi Ribeira das Naus, e Moinho do Duque ao prolongamento da praia que fica de uma parte, e da outra, a vinha de Malmeajudas, Quinta dos Arcos, das Canas e do Wanzeller, e como Lourenço Leal Ferreira, neste presente ano de 1790, lhe tirou o dito caminho com uma marinha que anda fazendo junto à Quinta dos Arcos, com cujo facto lhe cometeu forço e esbulho, e porque querem ser restituídos à sua antiga posse com todas as perdas e danos ( ... ) ".

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(1) A.N.T.T., Desembargo do Paço, Mç. 131, Doc. 18, in "Um Olhar sobre o Barreiro"
ACESSOS
Nos contratos de vendas de propriedades junto ao salgado, são normalmente salvaguardados os caminhos e acessos aos viveiros e marinhas como se verifica na venda que D. Maria Floriana Wanzeller (1) fez a João dos Santos da Costa Júnior, de um prédio rústico, que " confrontava pelo Norte com a praia e o rio Tejo, Sul com o muro da marinha, Nascente com rego que dá servidão à marinha de João Maria de Abreu, Poente com propriedade da vendedora. O terreno tinha um quadrado de 27 varas (2), de maneira a ficar livre um muro entre o terreno adquirido e o viveiro da marinha de sal da vendedora com 9 varas de largo e pelo nascente um outro de 7,5 varas ".

MULTAS
A conservação e reparo dos muros e acessos das marinhas era uma actividade que necessitava uma constante vigilância. Nesse sentido a própria Câmara impunha coimas a quem destrui-se ou prejudica-se esses acessos. Uma das coimas regularmente registadas (3) é aplicada aos guardadores de gado, sobretudo os guardadores de bois, por deixarem fugir os animais para os muros das marinhas, quer provocassem ou não a sua destruição, cujo montante pecuniário era de 1000 reis, sendo um terço para o acusador, outro para a Câmara e o restante para o Erário Régio.

 
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(1) A.D.S., Notarial do Barreiro, VIII / 51, in "Um Olhar sobre o Barreiro"
(2) Vara = 1,10 m
(3) Livros de Coimas dos particulares da Câmara Municipal da Moita, 1790-1810

Sabemos por notícias avulsas que outras marinhas funcionavam normalmente nestes séculos, como a Bombaça, a do Esteiro Furado, assim como a Nova e a Velha no Rosarinho, propriedade de José Manuel Castelo Branco (1).

 
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(1) Livro de Vereações da Câmara Municipal da Moita, 1 Dez 1747, fl. 122 v.
 

MARINHAS NO SÉCULO XX.

Em 1936 Charles Lepirre (1) contou na Margem esquerda do Tejo, 194 marinhas, enquanto Maia Alcaforado (2) havia contado 207 em 1790.Acrescenta que trabalhavam nas salinas da Moita e Rosário 200 pessoas e 150 no Barreiro para 23 e 61 marinhas respectivamente. Nesse ano o preço do sal foi de 20$00 a tonelada.
Em 1935 (3) o Sr., Dias de Sousa, Presidente da Secção Salineira da Associação Industrial Portuguesa, considera que a situação da Indústria Salineira na margem esquerda do rio Tejo não é brilhante, apontando para isso as seguintes causas; 1º . intensificação da cultura do sal em outros países, 2º. uma má orientação dos exportadores ( também produtores ), quanto ao fabrico e qualidade do sal exportado. Defeitos que podem desaparecer com a fusão das casas exportados, 3ª. a desorganização patronal perante a organização dos trabalhadores, ( os trabalhadores só estavam organizados sindicalmente na região do Tejo ).
Assim o Sr. Dias de Sousa refere que a fusão da Casa Ventura com a firma R. L. Gonçalves e a Sociedade Agrícola Salineira Lda., ( S.A.E.S. ), que era já uma fusão das casas Viúva Gonçalves e Quintela. Seria uma medida necessária para melhor defender interesses dos produtos portugueses no mercado internacional. Alerta para o facto de um corte de relações comerciais com a França ser prejudicial para a salicultura, pois este país é o nosso principal
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(1) Charles Lepierre, "Inquérito à Indústria do Sal em Portugal", Ed. Univ. Téc. Lx.,Lisboa 1936
(2) Alcoforado, M. da Maia, "A Indústria do Sal", in Museu Tecnológico, Ago. 1977
(3) Sousa, Dias de "A Cultura e comércio do Sal", in Indústria Portuguesa, nº 87, Mai. 1935

 
importador, enquanto a Espanha é o principal competidor. Em 1934 esse corte de relações reteve em Portugal 50.000 kg de sal . Propõe que os países que fornecem bacalhau a Portugal sejam obrigados a consumir o nosso sal, tal como já fora feito em 1511 para o salgado de Setúbal.
Defende ainda que a diversidade dos preços do sal se deve à desigualdade de salários nos diversos salgados, devido à organização dos trabalhadores. No Tejo, o produtor paga quase o triplo do salário dos produtores algarvios, o que provoca a concorrência entre eles. Assim propõe para esta Indústria uma organização corporativa, que permite acompanhar os preços médios dos países concorrentes, pois o sal dirige-se sobretudo para exportação. Acrescenta ainda que essa diversidade de preços se deve aos diversos sistemas de produção e exploração e bem assim à variedade de trabalhos para a colheita o que obviamente provoca diversos níveis de produtividade e rendimento.
Já em 1920 (1), B. Amzalak atribuía a decadência da salicultura a processos antiquados e à concorrência. Estas preocupações haviam já no tempo de Felipe II e a opção proposta vem na linha das medidas Filipinas para o salgado de Setúbal.
O Eng.; José Duarte Ferreira, em 1934 (2), reconhecia que os portugueses não aplicavam os princípios elementares de física em que assentam os processos de salinização, muitas vezes mesmo em desacordo com os princípios técnicos. Propunha a vulgarização dos processos científicos e o ensino das modificações introduzidas, pois os processos de salinagem utilizados são os mesmos que Lacerda Lobo, descreveu nos fins do século XVIII.
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(1) Amzalak, Moses Bensabut, "A Salicultura em Portugal", bole. Assoc. C. Agric. Portuguesa (Out. 1920)
(2) In Sousa, Dias, Ob. cit.
Nesse sentido opina o Eng.; José Duarte Ferreira que a capacidade de produção do país é maior do que a sua produção efectiva. Todavia se Portugal produzisse no limite das suas capacidades a crise seria enorme.
A este respeito diz Charles Lepierre (1), que não basta haver produção, é necessário que haja mercados que a possam consumir e como o mercado estrangeiro não pode absorver mais sal português a situação só é ultrapassável com novos tratados de comércio que permitam o aumento da exportação.
Apontava ainda o referido Engenheiro, como causas da má situação da Indústria salineira, a exiguidade de capital circulante e dificuldades de crédito, o mau estado dos esteiros de acessos às marinhas, o apetrechamento imperfeito dos portos de exportação e os transportes demorados e incertos em barcos à vela.
Refere Charles Lepierre que o custo do transporte das marinhas de Alcochete aos barcos surtos no Tejo custa tanto como o próprio sal nas marinhas, mas que para substituir este transporte por outros mais rentáveis é necessário dinheiro que os produtores não dispõem.
Neste sentido propõe o Eng.; José Duarte Ferreira, para ultrapassar as dificuldades a formação de Grémios entre produtores da mesma região, para entre outras medidas tratarem dos transportes do sal em comum. Mas considera que os Grémios e Sindicatos são insuficientes face à crise, por isso preconiza a organização forçada, semelhante ao acontecido com a Indústria conserveira. As teses do Eng.; José Duarte Ferreira permitem uma excelente abordagem ao estudo da salicultura nas primeiras décadas do nosso século.

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(1) Ob. cit.
Na década de cinquenta deste século, houve tentativas para melhorar a qualidade do sal produzido no salgado de Alhos Vedros, chegando a funcionar a fábrica GENISAL, no limite das actuais vilas do Lavradio e da Baixa da Banheira, a laborar exclusivamente com o sal desta margem.
Apesar das dificuldades detectadas neste século, os produtores tentaram não só manter as salinas em laboração, como fizeram várias tentativas para alargar o salgado para o interior, mas depararam sempre com o problema das infiltrações de água - doce que inviabilizava os projectos.
Na década de cinquenta haviam dez marinhas em funcionamento no Lavradio, entre as marinhas da CUF e a Barra-a-Barra, a saber (1); Branquinha, Coitadinha ou Boi, Comprida, Fonte de Cima, Lóios, Misericórdia, Nova, Pomarinho, Porto do Barro e Poseta.

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(1) Luzia, Ângela "Lavradio e as suas Gentes", Ed. Junta de Freguesia do Lavradio, 1994

 
DECADÊNCIA DA EXPLORAÇÃO SALINEIRA

A decadência da exploração do sal na zona ribeirinha da Margem esquerda do Tejo, deve-se fundamentalmente às causas atrás apontadas pelo Eng.; José Duarte Ferreira, pelo Sr.; Dias de Sousa e por Charles Lepierre, algumas já detectadas pelos autores mais antigos, mas outros factores vieram acelerar o processo e de que os produtores hoje se queixam.
O principal e que fez com que os importadores estrangeiros deixassem de se interessar pelo produto oriundo do Tejo, é a poluição. O sal aqui produzido contém impurezas de origem química, como o mercúrio, provenientes das descargas de resíduos fabris, e bastante nocivas à saúde.
Outras de carácter geral foram também influentes. A utilização do frio na conservação de alimentos (1), descoberta e exploração de sal gema (2) em melhores condições de rentabilidade e mesmo pela sua destruição visando a reutilização da área em espaços muito mais valorizados seja para a indústria seja para habitação, como aconteceu com a propriedade de D. Maria Joaquina da Costa (3), " localizada na praia do Lavradio, Freguesia de Santa Margarida, que confrontava do Norte com a praia, Sul com a marinha O Alqueivanço, Nascente com caminho para a praia e do Poente com vala que vai para a marinha de sal de Abreu Moreira, vendeu à Companhia União Fabril essa porção de terreno na praia, denominado o Moinho pelo preço de 75$000 reis ".
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(1) Romano, Prof. Luís, "Aspectos do Sal na História e na Antropologia", Vol LXVIII,
Separata da Rev. "Ocidente", 1965
(2) Zbyszewski, Jeorges. Faria, J. Barreto, " Estudos Notas e Trabalhos" do Serviço de Fomento Mineiro - Porto - 1971
(3) A.D.S., Notarial do Seixal, XV/127, in " Um Olhar sobre o Barreiro"

Outra das causas para a destruição das salinas é a sua própria fragilidade estrutural. Ao longo dos séculos por diversas vezes são referidas marinhas perdidas, abandonadas ou quase sapais, devido a não serem tratadas e cultivadas. Bastam alguns anos sem serem cuidadas para que uma marinha quase desapareça, pelo que os cuidados após cada Inverno são indispensáveis para a sua regular e correcta manutenção.
Nesta ponta do actual Concelho do Barreiro, hoje totalmente ocupada com instalações fabris e zonas residenciais, estavam referenciadas no início do século, diferentes proprietários de marinhas o que mostra uma ocupação quase ininterrupta em toda a região ribeirinha com salinas, e que é confirmado pela cartografia da época (1).
Actualmente as poucas marinhas ainda em laboração produzem apenas para o comércio local e regional. As outras, ou já foram entulhadas e envolvidas no processo de industrialização ou estão em ruína esperando pelos entulhos e máquinas escavadoras.
Todavia até à poucos anos os produtores de sal permitiam que os transeuntes retirassem pequenas quantidades de sal das eiras, sendo para consumo próprio, porém eram bastante agressivos com os pescadores furtivos dentro dos limites das suas marinhas e viveiros, sendo esta prática reprimida com violência pelas autoridades. Segundo testemunhos ainda vivos, quem era apanhado em tais furtos, levava uma sova no posto da GNR local que não voltava a ter tais " tentações ".
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(1) Mapa 6

Trabalho realizado em colaboração com a professora, Cristina Barão.