quinta-feira, 14 de março de 2013

Temporais na Moita em 1876.


Temporais na Moita em 1876.

 

O inverno de 1876 foi rigoroso em todo o país e também na nossa região, com temporais, chuvas intensas e cheias.

A água no Tejo subiu a níveis históricos registados em diversas povoações ribeirinhas.

O concelho da Moita não poderia, obviamente, ter escapado ileso aos acontecimentos e isso é reflectido nas decisões da Câmara.

Assim sabemos que em 5 de Dezembro de 1876 foi deliberado que “tendo as grandes mãos d’ água causado nas estradas e na vila poderosas e perigosas cheias,…, era preciso e até urgente conservar gente em exercício permanente para desentulhar valetas e cortar as águas,…, e evitar assim desabamento de algumas casas mal construídas”.

Uma semana depois é necessário reparar com urgência as estradas, porque estavam perigosas e intransitáveis, devido às “chuvas dos últimos dias”, para isso foi autorizado retirar as verbas necessárias do “cofre da viação”.

As consequências deste inverno começaram a revelar-se posteriormente. Logo em Fevereiro de 1877 a Câmara regista que a chuva arrastou areias que cobriram a praça do Pelourinho e o largo do poço do concelho, toda a zona “ao longo da praia contígua ao esteiro” e destruiu o aterro do porto novo.

Em Março, inicia-se o balanço dos estragos provocados pelos temporais e cheias. Na Moita contabiliza-se 62 casas danificadas e em Alhos Vedros 45, cujos estragos foram avaliados em 2.246.380 reis e 1.437.060 reis respectivamente. Parece que o temporal passou ao lado de Sarilhos Pequenos e do Rosário, pois nestas povoações não foi registado qualquer estrago.

Salvador José Castanho também declara prejuízos avultados na sua propriedade da Fonte da Prata.

Em Abril são os proprietários das faluas, barcos e fragatas a pedir que “areia no cais fosse desentulhada,…, grandes quantidades ali acarretadas pelas cheias de inverno”. Câmara decide incluir no orçamento para o biénio de 1877 / 78, a quantia de 100.000 reis para “efectuar o desentulhamento”.

O mesmo aconteceu com a caldeira do rio da Moita, “que ficou bastante entulhada, impossibilitando os barcos de chegar ao cais”.

O arrematante da estrada da Broega a S. Sebastião, (então em construção), pede para ser indemnizado, em virtude do excesso de trabalho feito e porque os aterros, por falta de viadutos construídos a tempo, estavam muito destruídos e “mais alterações que se podem facilmente reconhecer e avaliar para decidir”. Um mês depois o empreiteiro desta obra volta a insistir para que “fosse abonada cifra pelo excesso de trabalhos,…, estragos das cheias”.

Igualmente as canalizações da mãe d’ água que conduzem a água ao chafariz ficaram entupidas, decidindo a Câmara incluir “no próximo orçamento” verbas necessárias para fazer a limpeza.

Também é referida a petição de José Pinheiro, que pede 100.000 reis, porque, “a fazenda que possui nos Brejos da Moita,…, foi completamente aniquilada pelas cheias e temporais”. A Câmara aceitou “devido às informações”.

O mau tempo fez-se sentir um pouco por todo o país, com avultados prejuízos, que levou à criação de uma comissão central de socorro e apoio às vítimas dos temporais, presidida pela própria rainha.

Sabemos que na Moita o prazo para que as vítimas dos temporais reclamassem apoio terminou a 26 de Junho de e que essas reclamações foram apreciadas a 9 de Julho e que a 13 foram divulgadas as reclamações aceites.

Decerto que houve mais estragos do que os atrás referidos, basta verificar que no domínio público parece que apenas a Moita foi afectada e nos particulares em largas não houve pedidos de apoio, o que se estranha.

Mas isto é o que é possível, de momento, dizer sobre o assunto, mas estou certo que alguém, no futuro, o esclarecerá melhor pois existe documentação para isso.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O ENSINO NO CONCELHO DA MOITA NO FINAL DA MONARQUIA.


O ENSINO NO CONCELHO DA MOITA NO FINAL DA MONARQUIA.

Introdução.

O presente trabalho não é um estudo exaustivo da actividade lectiva no concelho da Moita. Ciente das lacunas, ainda assim deixo estas linhas para o caso de poderem ser úteis a quem queira debruçar-se sobre o tema. Caso algum dia a documentação dos arquivos locais estiver à disposição de todos, tenciono complementa-lo, pois sei que muito há ainda para investigar e estudar. É um tema aliciante que muito nos poderá dizer da vida social, política e cultural desta terra.

Os edifícios escolares.

No final do século XIX existiam no concelho da Moita quatro escolas primárias. Duas em cada freguesia, Moita e Alhos Vedros.

A localização dessas escolas mudou por diversas ocasiões e eram casas adaptadas a essas funções que requeriam constantes reparações. Quase sempre acumulava, ou mesmo funcionava na casa do professor.

O edifício escolar na Moita, construído de raiz para o efeito foi a Escola Conde Ferreira, inaugurada em 1870, por doação do benemérito que lhe deu o nome. Somente mais de meio século depois se voltou a construir outro para servir como escola e também por doação de um benemérito, no caso o Dr. Moreira e em Alhos Vedros. (Sobre isso escrevi artigos próprios e que também pode ser consulta neste blogue).

As queixas dos professores eram sistemáticas, pelas mais diversas razões.

Logo na década de 70 do século XIX, a professora da escola do sexo feminino na Moita, queixa-se “porque casa da escola não tinha condições” e no mês seguinte afirma que “casa de aula,…, fica próxima do porto onde há muitos chiqueiros” e por isso “ela e algumas alunas,…, tiveram vómitos”. A Câmara decide arrendar outra casa mas parece ter-se alheado do assunto, porque duas semanas depois a dita professora repete a queixa, desta vez para o Governo Civil, justificando que a escola se “localiza perto do porto das lamas”.

Dois meses depois volta a colocar o assunto. A professora, Maria Emília Guedes Mourão, “pede que seja demovida a escola da casa que a Câmara arrendou, para aquela, contígua à residência,…, visto que está num extremo da vila e é insalubre”. A Câmara indeferiu o pedido.

Em Julho de 1875, a professora volta ao assunto. Afirma que a escola de meninas é pequena e acanhada e solicita a sala do tribunal, onde funcionava o extinto antigo julgado. Câmara não aceita.

No entanto em Outubro desse ano decide alugar por 24.000 reis uma casa no largo do poço do concelho e mudar para lá a escola.

Um ano depois é o professor do sexo masculino que pede para ser concertado o telhado da escola e da casa onde habita. Só em Janeiro de 1876 a Câmara confirma que “o telhado da escola está arruinado a ponto de cair,…, e a residência do professor está inabitável”.

Pelas actas da Misericórdia de Alhos Vedros sabemos que a escola primária para o sexo feminino foi criada em 1877, diz assim: “ por iniciativa do Administrador do Concelho que era de urgentíssima indispensável necessidade a criação de uma cadeira de ensino primário para o sexo feminino nesta Freguesia e que a Junta desejava ao requere-la mostrar-se habilitada com casa e mobília para a estabelecer propõe pedir a que serviu do andador e a que serve de sessões desta Comissão obrigando-se a repará-las condignamente dará lugar a este grande melhoramento local, deliberou aceder à Junta da Paróquia as casas de que se trata para a escola do sexo feminino, e habitação da professora”.

Em 1879 é o professor António Maria Silveira Velez a solicitar a sala do tribunal, que é concedida temporariamente.

Em Outubro de 1880, é aprovado em Câmara a construção de uma casa para aula do sexo feminino e habitação da professora. Em Fevereiro do ano seguinte é expropriada uma casa na rua Direita para aula do sexo feminino e casa da professora. Em junho é feito um empréstimo para conclusão da obra, e informa tratar-se de obras de estuque e pintura, mas só em Setembro é feita a arrematação da dita obra e em Novembro dizem que ainda está em construção. Em Março de 1882 é decidido mandar fazer réguas para colocar em volta do rodapé da sala, para “evitar encosto de cadeiras e bancos que destroem as paredes”. Em Maio é oficialmente inaugurada a escola. Só em 1898 volta a ser referida esta escola, (suponho que a mesma), para dizer que se fizeram obras na cantina, e que é necessário trabalho de carpinteiro sem o que o pedreiro não pode continuar.

Em 1882 é a Junta da Paróquia de Alhos Vedros a solicitar que “se lhe conceda a casa dos antigos Paços do Concelho quase em ruínas, para serem reparadas e utilizadas a escola do sexo feminino,…, em virtude da actual escola estar estabelecida na casa do professor”. Câmara aceita. No mês seguinte confirma a decisão mas altera o objectivo. Agora delibera ceder a “casa que serviu de Paços do Concelho em Alhos Vedros à Junta da Paróquia para nela estabelecer aula do sexo masculino e habitação do professor”.

No ano seguinte de 1883 diz a Câmara que “o concelho compõe-se de duas freguesias Boa Viagem e S. Lourenço, a primeira com cerca de 1 000 fogos, e duas escolas uma para cada sexo, a segunda com cerca de 500 fogos e duas cadeiras, uma para cada sexo”. Adianta depois que existem duas povos mais, Sarilhos Pequenos com 110 fogos e Rosário com 47 distando cerca de 1 Km entre eles, “convinha estabelecer no centro dos dois povos uma casa nas condições de receber 50 a 60 alunos de ambos os sexos”.

Em Maio de 1898 é o professor de Alhos Vedros a queixar-se que a casa em que habita está em péssimas condições e propõe a “transferência para outra casa que está para vagar”.

Relativamente à escola cedida pela Misericórdia, o Administrador do Concelho, comunica que compete à Câmara fazer os reparos necessários. Presidente fica incumbido de esclarecer o assunto com “Sua Excelência”. No mês seguinte a Câmara manda efectuar as reparações.

Em 1903 é decidido incluir no orçamento camarário verba para reparar casa onde funciona escola do sexo masculino, em Alhos Vedros.

Na escola da Moita é o professor que em 1898 requere a “urgente necessidade de reparações”. No mês seguinte volta a solicitar obras na escola. Em Maio de 1901 novo pedido de obras urgentes.

Em Outubro desse ano a professora da Moita “participou que foi sobressaltada pela chuva que corria sobre a cama e pelas paredes”. A Câmara decide nomear funcionário para “ver o que era necessário”.

A degradação dos edifícios escolares é constante e arrasta-se de ano para ano. Parece que os professores ultrapassam a própria Câmara e se queixam a instâncias superiores. Talvez por isso em Maio de 1905 o Director Geral da Instrução Pública, comunica à Câmara que “acha conveniente adquirir melhor casa para três escolas do concelho”. Uma delas é propriedade do município. Em Setembro a Câmara reconhece que as escolas “necessitam arranjos” e decide “providenciar no que seja solicitado para as mandar arranjar”.

Em Julho do ano seguinte nova solicitação do professor da Moita a pedir reparos na escola.

Em Janeiro de 1907, a “Câmara entende que verba anual para reparos nos edifícios escolares não deve ser inferior a 200.000 reis”, mas só em Dezembro é orçamentado os reparos a fazer nas escolas.

Em Fevereiro de 1908 o círculo escolar de Setúbal pede informações sobre a criação de uma escola mista e a responsabilidade do fornecimento de casa, mobília, utensílios e habitação da professora. A Câmara afirma responsabilizar-se.

Em Janeiro de 1909 é o professor da escola oficial da Boa Viagem, sexo masculino, a queixar-se “que a escola está pessimamente situada, achando-se rodeada de água na estação invernosa, sendo preciso auxílio de uma ponte para os alunos saírem”.

No final desse ano de 1909 é a professora da escola do sexo feminino a queixar-se, afirmando que “não se fez qualquer obra na escola desde 1-7-1907.

 

Limpezas e higiene.

A limpeza das escolas não está perfeitamente definida. Apesar da Câmara assumir a limpeza parece que lhe prestava pouca atenção. A referência mais clara ocorreu em 1873 quando um vereador acusa a professora de “mandar limpar a aula pelas meninas pobres, dispensando as alunas de pais ricos”. Perante isto a Câmara decide assumir a limpeza da escola e do fornecimento da água.

Em Junho de 1877 existe uma “encarregada da limpeza dos colégios”, mas os professores queixam-se que a senhora não satisfaz as condições, “passavam semanas sem que varresse o colégio e meses sem que o lavasse”. É decidido dispensar a encarregada pela limpeza. Mas em Agosto é readmitida, “não faltou de livre propósito e sim por grandes incómodos e doença grave do filho”.

Apesar da existência da encarregada de limpeza, esta seria feita esporadicamente. As referências são espaçadas no tempo e pressupõem a necessidade de autorização da Câmara para se efectuarem. É assim que o orçamento de 1878 refere a necessidade de limpar a “sala de meninos” e o “entulhamento do largo da escola” na Moita.

Em 1879 a limpeza dos colégios é considerada “despesa absolutamente necessária”. Estes pagamentos eram feitos de forma irregular pois em 1889 o Governo Civil envia ordem à Câmara para pagar dívidas aos professores do concelho relativas às limpezas. Só em 1898 a Câmara volta a ser solicitada e manada pagar aos professores pela limpeza, mas deve ter-se esquecido do professor da escola Conde Ferreira porque algumas semanas depois pede a importância pelo fornecimento da água e da limpeza. O que foi aceite. Parece pois que seriam os professores a assumir este trabalho. Nos anos seguintes a Câmara disponibiliza verbas específicas para as limpezas escolares.

As condições higiénicas e sanitárias nas escolas também ressaltam na documentação. Por exemplo no auto de vereação de 27.9.1879 é decidido a “construção de um cano que conduza as matérias excrementarias que se costumam acumular no depósito das sentinas do colégio Conde Ferreira ao cais do porto,…, por,…, haver preciso declive”.

Em 1882, pelo mesmo motivo é decidido construir um cano desde a cantina da casa do colégio feminino “e entroncar com a da rua do cais”.

Alguns anos depois surge outro problema: Câmara manda avisar professora que “que crianças lançam objectos volumosos nos canos, sendo um deles um rodilhão”. Nos anos seguintes por diversas vezes é referido que “os canos estão entupidos”.

Em 1884 é o médico que “lembra conveniência de serem lavadas repetidas vezes e desinfestadas sentinas e as casas da escola,…, mandar limpar com grandes quantidades de água e por vezes semanalmente,…, com desinfetante”.

 

Dos professores.

A conduta moral e cívica dos professores era motivo para reparos e eventualmente para despedimento. É o caso ocorrido em 1873 quando a Câmara decide propor com a maior urgência a transferência do professor porque “havia perdido o prestígio,…, visto que,…, havia ajuntamentos próximos da sua habitação desafiados por alaridos havidos entre ele e a esposa por causa, segundo se diz, de uma mulher,…, sua amante”.

Em Novembro desse ano a Câmara constata que na escola do sexo masculino “se manifesta a maior incúria,…, neste importante ramo do serviço público senão o principal”. Afirma-se no respectivo auto que o assunto provocou “provocou calorosa discussão” e que Comissário dos Estudos havia prometido colocar “professor digno”.

A conduta dos professores parece ser levada muito a sério, pois são os próprios a requerer regularmente atestados que confirmem a sua boa conduta moral e cívica.

Os professores tinham também de pedir licença sempre que se ausentavam, o que aconteceu várias vezes.

Regular é também a mudança de professores. Uns de iniciativa própria, eventualmente por usufruírem melhores condições noutros concelhos, outros exonerados pela Câmara, decerto por incumprimento das obrigações estabelecidas.

Os professores são também convocados para participar em Conferências Pedagógicas, que se realizavam normalmente em Setúbal. Em 1882 a Câmara afirma “não ter dinheiro para enviar professores do concelho”. Já em 1884 sabemos que a Câmara “abonou as verbas” para que os professores fossem às Conferências.

 

Horários.

O horário das aulas apenas é referido no auto de vereações de 24.3.1873, onde a Câmara ficou informada que a professora alterou o horário que era das sete às dez horas, e passou a ser das oito às onze e das quinze às dezoito horas.

 

Honorários.

Os honorários dos professores são da responsabilidade da Câmara que em Novembro de 1873, os decidiu “elevar para 60.000 reis anuais, mais casa e mobília”.

Em 1882 diz a Câmara que o pagamento aos professores são “feitos com regularidade,…, mostrando assim quanto se empenha na instrução pública". Na mesma sessão é contratado Manuel Vicente Nogueira para professor na Moita com o vencimento de 150.000 reis anuais.

Em Abril de 1884 pede exoneração. A Câmara aceita e abre concurso para novo professor. Agora propõe um vencimento de 180.000 reis anuais.

Nesse mesmo ano é contratado para professor em Alhos Vedros Manuel Dias Moreira com o vencimento de 120.000 reis anuais. Neste caso parece satisfeito pois solicita ser “provido vitaliciamente no lugar”.

Note-se que os vencimentos diferem, o que acontece também com outros funcionários, como era o caso dos médicos. Entre a Moita e Alhos Vedros existe sempre uma substancial diferença nos vencimentos. Esta diferença, penso, que se explica pela maior projecção política da sede do concelho. Se Alhos Vedros podia passar sem professor ou médico tal era impensável na Moita.

Os professores locais, pelo menos inicialmente, compõem o júri de exames, depois serão nomeados pela Comissão Distrital, e são pagos pela Câmara sob a forma de gratificações. No ano de 1885 sabemos que os três professores que compunham o júri de exame receberam 6, 4, e 3 mil reis.

 

Iniciativas dos professores.

Por diversas ocasiões são os professores a tomar a iniciativa de dar aulas fora do horário normal, em especial para alunos impossibilitados de o fazer nesse horário, abrindo cursos nocturnos.

É o caso ocorrido em 1875 em que o professor pede um subsídio para o curso nocturno masculino, em Alhos Vedros, que funcionava havia dois meses com “reconhecido aproveitamento dos alunos”. Apesar disso a Câmara responde que não tem orçamento para tal subsídio. Em Novembro do ano seguinte volta a pedir um subsídio para abrir o curso nocturno em Alhos Vedros. A resposta é a mesma, a Câmara “não tem orçamento”.

Já em 1879 é o professor António Maria Silveira Velez a propor-se “ensinar pelo método João de Deus”, requerendo que a Câmara lhe conceda nos Paços do Concelho uma casa para aula onde “leccionar o referido método a alguns alunos, visto não achar outra vaga que se prestasse a esse fim”. A Câmara concedeu “temporariamente a sala do Tribunal Judicial por se achar vaga”.  O ensino pelo método João de Deus era inovador e acabou por se generalizar nas escolas em Portugal.

 

Recursos pedagógicos e aproveitamento.

Os recursos pedagógicos para o funcionamento das aulas sofrem do mesmo problema dos melhoramentos nas instalações escolares. Quer dizer, os professores vão solicitando esses recursos à medida das necessidades. Por vezes são concedidos outras vezes não.

No ano de 1881 é a professora da Moita a solicitar “quadros de leitura e mapas corográficos”. A Câmara adia a decisão. No ano seguinte é o professor de Alhos Vedros a solicitar bancos para a escola do sexo masculino, por “aumentar a freguesia”, quer dizer o número de alunos. Foi aceite.

Assim, são os próprios professores que tentam ultrapassar as dificuldades por sua iniciativa. Logo em 1882 é a Misericórdia a enviar “voto de louvor à Câmara,…, por ter cedido generosamente a sala principal para duas récitas de sala a favor do cofre da Comissão de Ensino no intuito de vestir e calçar crianças pobres na idade escolar, que não pudessem frequentar a escola por absoluta falta de meios”.

Em 1909 recebe a Câmara um ofício no sentido de se “promover a aquisição de recursos para fornecer livros, vestuário e calçado para as crianças pobres” por isso pede “autorização para no largo D. Carlos armar uma barraca, onde se organize um bazar,…, para obter meios para tal fim”.

No mês seguinte o professor de Alhos Vedros pede licença “para organizar bazar,…, a favor da caixa escolar”.

Relativamente ao aproveitamento as informações são raras e vagas. Apenas em 1878 sabemos que a professora da Moita “pede sala de sessões,…, para fazer exame a cinco meninas mais adiantadas”, e em 1885 é o professor da Misericórdia intimado a “mandar as razões porque neste ano não apresentava aluna alguma a exame”. Não sabemos que razões deu o professor, mas duas semanas deliberou a Câmara nomear nova comissão escolar.

Este assunto, como digo na introdução merece tratamento especial. Tanto o número de alunos como as percentagens de aproveitamento são possíveis de quantificar e elaborar estatísticas que nos permitiriam uma análise mais cuidada e nos revelasse a importância e influência do ensino no concelho, assim como a percentagem de crianças com acesso à escola. Estou convicto que um dia tal trabalho será feito.

 

Recursos financeiros.

Até à década de oitenta do século XIX a Câmara não inclui no seu orçamento verbas específicas para o ensino. Apenas os vencimentos dos professores eram orçamentados e ainda assim o seu cumprimento era muitas vezes negligenciado.

Em 1882 uma deliberação da Câmara determina que verbas não utilizadas, do orçamento geral, (não diz quanto), seja utilizada para “subsidiar crianças abandonadas e os professores”. No ano seguinte de 1883 delibera que no “orçamento ordinário deverá figurar uma cifra,…, para eleição dos filhos menores de pessoas miseráveis”.

Em 1885 é a Comissão Distrital a pedir à Câmara explicações pelo facto do Orçamento Geral não incluir verba para expediente e ajudante do professor. O que se depreende que incluiria para as outras actividades. A Câmara responde que “não havia ajudantes de professor porque nunca foram reclamados”. Quanto ao expediente era “generosamente” assumido pela Junta Escolar.

Ainda nesse ano de 1885 manda verificar o “rol das contribuições directas sobre contribuições do Estado,…, para dotação da Instrução Primária”. Mas só no ano de 1898 é mais explícita. Determina “desviar da contribuição directa para a instrução segundo as quotas estabelecidas pelo governo”. Decidem “emitir parecer respeitando à percentagem que convinha,…, propõem 35% sobre contribuição predial, industrial nada de casas e sumptuária sendo 12% e 60% para instrução e o resto para encargos gerais”.

Já no ano de 1900 é perfeitamente claro. 15% das quantias obtidas nos impostos directos eram aplicados à instrução primária, que nesse ano atingiram a quantia de 1.129.034 reis, e nos anos seguintes de 1901 atingiu a soma de 560.571 reis e em 1902 a quantia de 1.311.205 reis. Eram quantias consideráveis.

Apesar disso ainda em 1910, (um mês depois da instauração da república) a Câmara decide que “da verba para a festa escolar fossem desviados 10.000 reis para a festa da bandeira”.

Outra forma de obter recursos financeiros, foi (costume bem português), nomear uma Comissão de Beneficência do ensino. Esta comissão começou por ser composta pela D. Maria Ignês de Sampaio Melo e Castro, Condessa de Sampaio, em Alhos Vedros e pela D. Maria Gertrudes Pereira Alves, na Moita.

No ano seguinte é nomeada a Condessa de Sampaio “que gostosamente aceitava” e D. Gertrudes Chagas Nunes, Para Alhos Vedros e Moita respectivamente.

Não se consegue perceber que beneficência esta comissão praticou pois além da sua nomeação nada mais consta nas actas da Câmara.

 

 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Moita. 1952.

 
Folheto de divulgação. 1952.
 
 
 
 
Mapa dá relevo às actividades económicas mais importantes. Salienta no aspecto industrial a produção de velas de sebo, alcatrão vegetal, cortiça, destilação, cerâmica, cal, sal, queijos e carnes fumadas. Na gricultura a produção de batata, repolho, couve-flôr, vinho, morangos, laranja e pinhal. Na pecuária o gado vacum, ovino e suíno. No rio a produção de ostras.
 

 
 
 
 
 
Praça de Toiros.
 
 
Cais de embarque.
 
Praça da República.
 
 
Note-se que o feriado municipal era a 13 de Janeiro. Não tem especialidades culinárias e apenas dois restaurantes, mas tinha uma pensão, hoje não tem nenhuma.
 
Tem ainda uma resenha geográfica e historica do concelho da autoria de João Luís da Cruz. O desenvolvimento económico deve-se na, sua opinião, ao seguinte: Sob o ponto de vista agrícola, vive desde meado do século passado uma vida intensa. Perdendo os aspectos de simples arte para ser a aplicação técnica de uma ciência, a agricultura tem demonstrado aqui como se pode fazer um concelho rico. As produções dos produtos agrícolas, que Lisboa absorve, fornecem-nos o índice económico desta prosperidade. Longe iam já os tempos em que os homens do mar tinham preponderância na vida económica.


 

sexta-feira, 1 de março de 2013

Misericórdia de Alhos Vedros. Síntese histórica.


SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ALHOS VEDROS

Síntese histórica

Sociedade e população: Séculos XV-XVI.

Alhos Vedros, na viragem de quinhentos era uma vila que rondava o meio milhar de habitantes. Número que só foi ultrapassado em pleno século XVI, e, ainda assim, devido ao aumento desmesurado da escravatura.

A vila era sede de um concelho, equivalente aos actuais concelhos do Barreiro e da Moita, mas a sua população pouco ultrapassava o milhar.

Embora sem poder precisar, em termos estatísticos esta população, a documentação parece revelar que seria constituída em reduzida percentagem por uma pequena e média nobreza que ocupa os cargos mais relevantes da administração, por uma classe clerical também em reduzido número que administrava as diversas capelas e a vida religiosa e uma maioria de pessoas vulgarmente definidas como povo, cujas principais actividades seriam a agricultura e as que estavam ligadas ao rio, pescas, salinas e transportes.

Era um pequeno concelho, rico pela sua posição geográfica e a vila mantinha alguma preponderância porque aí se localizavam os centros de decisão política e administrativa. Aqui estava instalada a câmara, a prisão e o pelourinho, tal como os funcionários administrativos, como o notário e o juiz.

A assistência praticada devia-se à iniciativa de alguns particulares, que movidos por sentimentos de piedade cristã, instituíam Capelas, dotando-as de rendas, na sua opinião suficientes para a realização das actividades a que se propunham.

Logo em 1480 temos conhecimento de instituições deste género. Em 1494 o Provedor das capelas, hospitais, gafarias e albergarias, entre o Tejo e o Guadiana, ordena ao Administrador da vila de Alhos Vedros, que registe os bens e propriedades dessas capelas, sediadas no concelho, para serem bem geridas e não se perderem.

 

Solidariedade social: séculos XV-XVI.

Hospital da ermida de Nª Sª da Vitória.

No final do século XV, sabemos existirem em Alhos Vedros dois hospitais. Um vem referido no Compromisso da capela de S. Sebastião e ermida de Nª Sª da Vitória, ordenado em 1480 por Pero Vicente e sua mulher Catarina Lopes. Os fundadores doavam, junto à ermida, uma casa para o Capelão morar. Após a morte de ambos, a administração da capela e da ermida ficaria a cargo do Juiz de Fora e do Vereador mais velho. A primeira tomada de posse dessa administração, após ambos os instituidores terem falecido, ocorreu em 1490, e nela é afirmado que depois de ter feito o compromisso, Catarina Lopes decidiu que nas casas que havia designado para morada de Capelão, fosse fundado um hospital.

No intuito de respeitar a memória dos fundadores, a sua herdeira, Isabel Gramaxa, resolveu ofertar as casas que havia herdado de Pero Vicente e Catarina Lopes, para morada do Capelão. Esta casa, parte ao levante com rua pública direita principal e da outra parte com azinhaga que vai entre ela e o lagar e adega que foi do dito Pero Vicente e da outra com quintal de …

Será por isso que o padre Cláudio Nogueira afirma nas Informações Paroquiais de 1758 que a Misericórdia antigamente era na ermida de Nª Sª da Vitória. Os documentos que pude consultar não o confirmam de forma nenhuma. Inclusivamente tenho sérias dúvidas que este hospital tenha alguma vez funcionado. No próprio Compromisso, anotações posteriores revelam que este não era cumprido, nem mesmo a obrigação de missas pela alma dos seus instituidores. A população não é considerada na apresentação de contas, embora o instituidor, no Compromisso, solicite a presença dos homens bons de Alhos Vedros porque também participam nas missas.

 

Hospital do Espírito Santo

Na Visitação feita em 1523, por ordem do Mestre da Ordem de Santiago, afirma o Visitador; visitámos o dito hospital do Santo Espírito que está situado no adro da igreja de S. Lourenço… e apegado com a dita igreja do hospital estão duas casinhas uma em que se agasalha o ermitão e a outra em que se agasalham os pobres… Depois esclarece; a qual capela do dito hospital refez de novo Isabel Ribeira mulher de João Roiz Mealheiro que o corregeo e fez per sua devoção à sua própria custa e despesa…

Embora sem precisar a data da sua construção, podemos deduzir que terá sido nos finais do século XV, porque foi nessa época que morreu João Roiz Mealheiro, conforme indica a lápide da sua sepultura na igreja de S. Lourenço.

 

Mudança de localização do hospital

Na Visitação feita em 1553, trinta anos depois, o visitador registou a sua visita ao hospital do Espírito Santo, situado no meio da vila que o povo edificou e a Câmara é administrador. Tem o hospital uma casa sobradada quadrada perlongada ao levante bem tratada que é a ermida do Espírito Santo. Uma casa por baixo do hospital em que estão quatro leitos de madeira da banda do sul na parede, com esteiras em pregões cobertas e mantas para se cobrirem os pobres.

Em 1565, afirma o visitador; visitamos a dita ermida a qual achamos estar num sobrado e por baixo um hospital de pobres. O povo é obrigado à fábrica e concerto da dita ermida e hospital. Achamos a dita ermida estar muito conservada… e assim o hospital está provido de todo o necessário.

 

Conclusão

Por estes documentos parece legítimo concluir:

a)      O hospital do Espírito Santo foi transferido do adro da igreja de S. Lourenço para o meio da vila o que coincide com a casa que Isabel Gramaxa dera para habitação do Capelão.

b)      O hospital que deveria estar agregado à ermida de Nª Sª da Vitória nunca chegou a funcionar plenamente, pois as visitações descrevem minuciosamente a ermida e são omissos em tal caso.

Sabemos pela visitação de 1553 que o hospital do Espírito Santo foi feito pelo povo e era administrado pela Câmara, por sua vez o hospital agregado à ermida de Nª Sª da Vitória, por ordem dos instituidores era administrado pelo Juiz de Fora e pelo Vereador mais velho, no primeiro caso esse trabalho estava incluído nas suas obrigações, no segundo recebiam um ordenado extra, fixado pelos instituidores em 200 reais brancos e provenientes dos rendimentos da Capela, mas as funções acabam por se confundir. Isto porque, ainda no princípio do século XVI, um vereador parece ignorar o seu direito a receber os ditos 200 reais brancos, o que também indica que ignorava as suas obrigações. Assim, parece que a Câmara resolveu fazer o que as ordenações régias apontavam e noutras localidades já havia sido feito, ou seja, reunir numa só instituição os diversos hospitais existentes, no nosso caso apenas dois, e outras instituições de beneficência. Ou seja uma Misericórdia.

Parece-me credível, tanto mais que a localização da actual igreja da Misericórdia, ou mais concretamente o seu altar, coincidem com o descrito hospital do Espírito Santo. Acresce ainda que as propriedades dadas por Pero Vicente e Catarina Lopes surgem depois englobadas nos bens da Misericórdia, como por exemplo as bem conhecidas quinta da Bem Fadada e marinha da Alfeirã. Inclusive em 1516 é referida como a marinha que foi de Pero Afonso. Depois será da Misericórdia.

Sobre esta temática a investigação que está a decorrer trará decerto nova luz.

 

A fundação

A Misericórdia enquanto instituição legalmente constituída só deverá ter tido início na década de sessenta do século XVI. A Visitação de 1571 já refere de forma explicita embora de modo impreciso, diz; Os muito peditórios que cada dia crescem nas igrejas causam grande moléstia e escândalo pelo que mando que daqui em diante o prior ou quem seu cargo tiver não encomende peditório algum de qualquer qualidade que seja sem licença expressa del Rei nosso Senhor enquanto Mestre, ou do Dom Prior da Ordem, salvo os peditórios das obras da Misericórdia, Santo Sacramento, redenção dos cativos…., achei por informação que a missa do dia os dias de festa e solenes e Domingos se diz muito tarde por culpa do prior…, mando ao dito prior sob pena de excomunhão ipso facto incorrenda e dez cruzados a metade para as obras da Misericórdia da dita vila e a outra para o meirinho.

Nos anos setenta do século XVI a informação sobre a Misericórdia surge com frequência nos arquivos, tanto na Torre do Tombo, como distrital e mesmo local. São cartas de procuração dadas pela Mesa da Misericórdia, autorizações de pagamentos dadas a terceiros, doações em dinheiro, etc, ou indirectamente referindo o Provedor como testemunha, em processos alheios à Misericórdia, mas onde a sua presença era requerida, eventualmente devido ao facto de exercer um cargo que exigia idoneidade.

Esta é outra questão que intriga. Por que razão até 1570 não surge qualquer referência à Misericórdia, nem mesmo de forma indirecta, e depois elas surgem com regularidade? Na minha opinião simplesmente porque ainda não existia.

 

A Misericórdia nos séculos XVII-XVIII

Uma pesquisa minuciosa nos arquivos nacionais, distritais e locais, darão um conjunto vastíssimo de informações sobre esta época.

O arquivo distrital de Setúbal nos seus livros de tabeliães regista várias doações à Misericórdia. Só como exemplo, o moinho do Alimo, dado pelo Dr. António de Matos Cabral, e também os registos das avultadas somas em dinheiro que a Misericórdia emprestava a particulares ao juro de 5 % ao ano, deixando estes como fianças as suas casas e propriedades, muitas delas posteriormente integradas no património da Misericórdia. Isto é, a Misericórdia funcionava como instituição de crédito. Mas também outro género de informação, como aforamentos, perdões, procurações, arrendamentos, etc.

No arquivo Nacional da Torre do Tombo surge-nos bastante informação de caracter geral, tais como impostos pagos no Almoxarifado de Setúbal, determinações régias diversas de caracter geral ou particular, registo de compromissos, autorizações para fazer obras ou admitir funcionários, etc.

No arquivo Municipal, informações sobre a vida da Misericórdia, tais como, os privilégios dos irmãos em geral e dos mesários em particular, as obrigações dos moradores e a sua participação para a instituição, ou referencias à sua vida económica. Também pela negativa, ou seja, informa-nos que não estavam a cargo da Misericórdia determinadas funções que seria suposto estarem, como seja a protecção a crianças órfãs e enjeitadas, pois em Alhos Vedros era a própria Câmara que assumia essas obrigações.

Em todos eles podemos ainda obter outro género de informações. Por exemplo; nome dos Provedores e número de irmãos que em cada época concreta compunham a Misericórdia e as suas condições profissionais e / ou sociais, ou a importância que em cada época a Misericórdia tinha para a população e o que esta lhe poderia oferecer.

Resumindo, diria que nestes séculos a Misericórdia teve a sua época de maior desafogo financeiro e concentração de bens móveis e imóveis. Era aquilo a que o povo chama “uma casa rica”. Se no seu início essa concentração de bens se deveu principalmente a doações de particulares é evidente que depois se deve essencialmente à política usurária não só na Misericórdia de Alhos Vedros como por todo o país.

O livro do Tombo, feito em 1780, que felizmente escapou à voragem do tempo e está na Misericórdia é nesse aspecto elucidativo. Nele podemos constatar que a Misericórdia possuía, uma igreja, um moinho de maré, um viveiro, um sapal, um paul, duas marinhas, três courelas de vinha e terra, quatro quintais, seis courelas de terra, sete pinhais, umas casas caídas, oito casas, nove casas com quintal e dez vinhas. Estes bens foram avaliados nessa época em 5.433.000 reis, e davam um rendimento anual de 163.750 reis. Embora a maioria destas propriedades estivessem localizadas em Alhos Vedros, também se distribuíam pela Moita, Barreiro, Lavradio, Verderena, Palhais e S. António.

Pela consulta aos livros de Tabeliães de Alhos Vedros que se encontram no arquivo distrital de Setúbal, posso garantir que nestes séculos as verbas emprestadas pela Misericórdia atingiram muitos milhões de reis.

 

A Misericórdia no século XIX

No século XIX alguma documentação local permite constatar que apesar das dificuldades gerais a Misericórdia manteve ou mesmo reforçou a sua acção social. Desde essa época torna-se possível quantificar esse trabalho.

Por outro lado o seu prestígio foi crescendo. A Misericórdia era a maior instituição do concelho, não só pelas obras de caracter social a que se dedicava, mas também financeiramente, e economicamente como proprietária rural e urbana, e porque não, de pressão e/ou interesse político.

A própria Câmara lhe dá lugar de destaque quando em 1836 fez uma exposição da vila no sentido de manter a sede de concelho em Alhos Vedros em detrimento da Moita. A Câmara afirma em abono da sua vila; tem uma magnífica Misericórdia com rendimentos que não só faz esmolas aos pobres desta vila mas até aos pobres que vem de outras terras do Reino que se dirigem para o Hospital de Lisboa. Em desabono de hipótese da sede do concelho ser na Moita; Esta vila não hade (sic) de maneira nenhuma Anexar-se à vila da Moita porque não tem as Comodidades precisas, primeira porque a sua igreja que serve de Freguesia é uma Capela indecente, Segunda não tem Misericórdia, Terceira não tem casas da Câmara… Esta era a grande diferença entre as duas vilas e eventualmente o que decidiu a favor de Alhos Vedros, embora por pouco tempo.

A informação disponível não deixa dúvidas sobre o funcionamento regular do hospital. Sabemos que contratava funcionários que garantiam as suas actividades, tais como, caminheiro, porteiro, ajudantes, procuradores e hospitaleiro o que confirma o seu funcionamento, aliás sempre referido em diversos arrolamentos que pude consultar.

a)      Assistência Social

A assistência social mudou nos finais do século, isto é, tornou-se mais abrangente ao considerar novas situações como a formação e a educação. Quase no final do século a assistência prestada, de que temos conhecimento, consistia principalmente em fornecer aos pobres pão, leite, agasalho e por vezes dinheiro. Nos anos oitenta surge outro tipo de apoio. Em 1877 cede a sala e a mobília para instalar uma escola do sexo feminino que anos depois passa a ser de ambos os sexos. Surge também a protecção aos órfãos ficando estes sob a sua responsabilidade. Apoio aos jovens através da sua promoção escolar ou realizando casamentos entre os seus órfãos e os de outras misericórdias, dando-lhes para isso o dote costumeiro. Preocupa-se com a assistência médica. Contrata um médico, manda construir um posto de socorros e adquire os instrumentos necessários. São incluídos nos orçamentos da instituição verbas para a compra de medicamentos. Anteriormente os médicos eram admitidos como funcionários da Câmara, mas, já então incluía uma cláusula que determinava que aos providos Misericórdia (o médico) curaria por amor de Deus.

b)     Recursos e rendimentos

Os recursos e rendimentos próprios da Misericórdia para dedicar à assistência social continuaram a crescer ao longo do século. Em 1856 o livro de Acentos de Foros revela que a Misericórdia mantinha todas as propriedades já registadas no livro do Tombo e algumas outras. Os seus rendimentos seriam sensivelmente os mesmos. Em 1887, para além das propriedades e de diversos objectos e alfaias, algumas de relativo valor monetário e de outras com algum valor artístico, diz a Mesa possuir dois certificados de 50.000 reis e sete de 100.000 reis.

As verbas destinadas à assistência eram todavia uma pequena parte destes rendimentos.

O grosso das despesas era destinado ao pagamento dos legados pios, imposto com que o Estado sobrecarregava as instituições religiosas, mas também para o azeite das lamparinas que iluminavam as imagens santas, para a cera das velas da igreja, pagamento de missas e outras cerimónias religiosas como procissões.

 

A Misericórdia no século XX

1ª fase; até 1935

Até 1935 a Misericórdia continuou na linha do já exposto para o final do século XIX.

Reforçou o apoio à instrução primária, aumentando as instalações, fornecendo habitação à professora, adquirindo livros para os alunos mais carentes, comprando roupa para quase todos e até enviando e pagando, pelo menos num caso, um aluno a continuar os estudos pós primária numa escola particular.

Pela primeira vez surge apoio específico para os idosos, com a atribuição de alimentos, dinheiro ou casas para habitação. Em 1933 são dezasseis os que usufruem de apoio da Misericórdia, apoio que orçava em cerca de dois contos anuais.

Surge também, embora casos raros, apoios aos que ficavam impossibilitados de trabalhar, sobretudo com família a seu cargo.

Por ano é fornecida alimentação a mais de duas centenas de pessoas.

Assume as despesas de funeral dos seus providos, comprando o caixão.

É instalado o posto médico em 1924, disponibilizando instalações e mobília, e adquirida mesa de operações, utensílios de cirurgia, macas, etc. Revelou-se este serviço de enorme utilidade. Diversas pessoas acidentadas foram aqui socorridas e salvas pois o seu transporte para os hospitais de Lisboa seriam, eventualmente, fatais. Logo nos primeiros anos eram feitos, neste posto médico, mais de mil intervenções ou curativos, por ano. O seu funcionamento orçava em cerca de 1.000$00 anuais, não contabilizando as despesas de farmácia.

 

2ª fase; 1935-1974.

O ano de 1936 fica marcado pela inauguração do Asilo-Hospital, que foi um acto solene e grandioso o mais grandioso que se deu em Alhos Vedros nos últimos tempos. No final desse ano já tinham estado internadas quinze pessoa e nos seguintes estiveram internados sempre mais de vinte doentes. Para o seu funcionamento a Misericórdia disponibilizava perto de 3.000$00 anualmente, não incluindo os honorários do médico e do enfermeiro.

O Asilo recebeu imediatamente quatro velhinhas que estão confortavelmente instaladas. No ano seguinte passaram a sete esperando a Mesa aumentar esse número logo que tenha verbas.

Significativo foi a criação da maternidade em 1939 por iniciativa de um grupo de senhoras. Diz a acta da assembleia geral que a iniciativa das senhoras, nunca refere os seus nomes, merece o aplauso de todas as pessoas de bom coração. Conseguiram as senhoras, com a sua persistência, …, com que levaram a efeito a compra do indispensável para a maternidade que custou 2.706$30, …, só à sua parte fazer a colheita de 1.969$80.

Na década de sessenta o hospital passa para a administração central, ficando a cargo da Misericórdia a administração do asilo, entretanto ampliado, primeiro no edifício anexo ao hospital que funciona actualmente como enfermaria e depois no edifício a que hoje costumamos chamar “a parte velha”, melhorando a qualidade e aumentando o número de utentes.

 

Recursos e rendimentos

No século XX os meios de financiamento das actividades da Misericórdia mudaram radicalmente. A riqueza de outrora tinha sido engolida na voragem política.

Agora é o Estado o principal financiador.

Passou ainda a deter alguns direitos legais, como seja 10% de todas as receitas de bilheteira obtidas em espectáculos que se realizassem no concelho.

Contava também com a participação dos sócios, pela quotização, embora fosse uma pequena parte do total.

Contava ainda com as doações de alguns beneméritos, como foi o caso de Pedro Rodrigues Costa, que contribuiu decisivamente para a construção do Lar que hoje tem o seu nome, e por isso a Mesa lhe mandou erguer um busto frente às ditas instalações, por sinal único na freguesia.

Outubro de 1999.