sábado, 17 de março de 2012

SOCIABILIDADES RIBEIRINHAS NA MOITA


SOCIABILIDADES RIBEIRINHAS NA MOITA

- BARCOS E GENTES -



Introdução


As primeiras informações sobre a actividade dos marítimos no lugar da Moita surgem no Livro de Vereações da Câmara de Alhos Vedros, que compreende os respectivos autos relativos ao período de 1624 a 1635, que no Arquivo Municipal da Moita é o mais tardio. Os livros de vereações  das Câmaras de Alhos Vedros e Moita, apesar das lacunas por largos períodos, são os acervos documentais mais ricos para a história local, e demonstram a importância do vector marítimo como vital na sociedade e na economia moitense.

O barco assume um papel fundamental como meio de transporte inevitável para quem vinha de Lisboa para Sul ou no sentido oposto e o mais rápido para Palmela e Setúbal. A Moita beneficia deste eixo comercial quase exclusivo, sobretudo após o terramoto de 1755 ter destruído as principais vias de Coina e a sua concorrência ter diminuído, e pelos acordos entre os carreteiros e carrergadores da Moita e de Palmela que garantiam o monopólio do transporte dos diversos produtos entre as duas vilas, sobretudo das pipas que eram em grande quantidade, funcionando este como principal entreposto. O mesmo tipo de acordos foram feitos com mercadores e proprietários de animais de aluguer de Setúbal procurando garantir o transporte de pessoas e menores volumes de carga.

A Carreira


Ao longo de dois séculos a actividade fluvial será profusamente regulamentada, tendo em vista a fácil e rápida acessibilidade a Lisboa. A carreira era uma estrada que punha a Moita em contacto com o Terreiro do Paço, e a sua exploração foi a mola que impulsionou e manteve o desenvolvimento do lugar e depois Vila.

A carreira é igualmente a grande responsável por um leque de actividades subsidiárias que a asseguravam, como as obras no cais, no porto, nos muros, nas caldeiras, nas pontes e nas calçadas, ou que dela estavam dependentes, como as estalagens, os carreteiros, os carregadores e o comércio em geral.

As Posturas da Câmara de Alhos Vedros sobre a carreira da Moita, datadas do início do séc. XVII, indicam que não haveria uma carreira regular, pois concedia auto  rização para a fazer, somente uma vez por semana. A admissão dos arrais na carreira da Moita estava condicionada pela obrigação de fazer carreira em Alhos Vedros, razão pela qual os da Moita acordarão com o arrais Domingos da Costa em pagar-lhe 500 reis por semana na contrapartida deste cumprir por eles as obrigações que tinham no cais de Alhos Vedros.

Outra das determinações da Câmara foi obrigar os arrais a fazer a estiva dos seus barcos, para saberem o que deviam levar, e que a tivessem sempre em seu poder para não levarem mais do que o estipulado. Outros barcos, qualquer que fosse a sua origem ou tipo, estavam também proibidos de fazer a carreira na Moita, e a sua admissão obrigava o arrais a dar fiança e cumprir com todas as obrigações, como a apresentação do bilhete do paço, onde mostre que pagou a siza da madeira a Sua Alteza Real, sob pena de nunca mais entrar na carreira. Neste caso os companheiros  não eram penalizados, somente o arrais.

E quem vinha de fora tomar frete, pagava de coima 6 000 reis, excepto os que vinham tomar sal para ir pelo Tejo acima.

Os proprietários de barcos da carreira eram obrigatoriamente moradores na vila da Moita ou no seu termo.

Outro tipo de barcos não podem ancorar desde o cais até às morraceiras porque impediam a carreira, e não podem demorar-se depois de carregados para não atrasar os que também pretendessem carregar.

Aumento de tráfego

No princípio do século XIX o cultivo da batata traz a possibilidade do estabelecimento de fazendeiros e cada vez um maior volume de carga de carácter sazonal, que era necessário transportar para as embarcações. A companhia do cais entra em conflito com os agricultores, pois almeja pelo monopólio desse transporte, mas o volume era superior à sua capacidade de o transportar, acabando a Câmara por autorizar os agricultores a alugar os transportes a quem quisessem.

O testemunho do Pe. Lucas Ferreira de Gouveia, afirmando que de S. Sebastião se avista todo o Tejo até Belém, e se encontra sempre repleto de barcos,é ilucidativo. Não admira, assim, que o tráfego fluvial ultrapassasse as capacidades do cais e se fizessem cargas e descargas em qualquer lugar que fosse possível, pois logo em 1634 um auto de vereação determina que os arrais assim procedam. Os portos tendem dessa forma para a especialização, sendo as cargas e descargas efectuadas em locais determinados, segundo os géneros transportados.

Em 1729 os donos dos barcos queixam-se à câmara porque António Ximenes queria construir um muro e tapar a serventia por onde costumavam carregar as lenhas, trancas e mantimentos, e onde pretendiam construir um porto. A Câmara proibiu a construção do dito muro.

No final do século a Câmara obriga a Companhia do Cais a construir uma ponte para embarque de cavalgaduras e gados, recebendo por cada animal, tanto de embarque como desembarque 60 reis.

A tomada de posse dos vereadores, eleitos anualmente, incluía no seu cerimonial uma volta a pé pelos limites do termo, o que representava simbolicamente a sua posse efectiva. Na descrição dos locais por onde se passava, no auto de posse relativo a 1747, refere-nos que os vereadores saíram do porto do moinho do Alimo, onde os barcos tomam os provimentos para a Corte ou Cidade de Lisboa, e dali tomavam a ponte do Forno do Vidro e iam ao porto da outra banda de Alhos Vedros, onde carregavam os barcos, por serem os portos comuns a uma e outra vila, e foram pelo rio acima até Àgua Doce, etc. O facto do escrivão referir que no porto do moinho se fazerem cargas e descargas demonstra que o tráfego era superior à capacidade do cais e que cada local de embarque se destinava a um produto específico, o que também acontecia nos portos da capital.

Nos portos da banda de Alhos Vedros era costume os barcos da Moita carregarem fretes, visto os portos serem comuns a ambas as vilas, sendo o serviço feito segundo a roda como no cais.

Total de barcos

Apenas na segunda metade do séc. XVII surge uma relação completa dos barcos da carreira da Moita, pela estiva que se deu a todos eles, a saber: o barco de Jorge Gonçalves Cardeal e de Ensenso Dias, com capacidade para 35 pipas, o de Jorge Arraiado para 32, o de Alhos Vedros e do Lavradio para 30, o de Domingos Rodrigues Tripa para26 e o de Jorge Gonçalves para 24. Quem não cumprisse pagava de coima 2000 reis, ficando proibido de voltar a fazer carreira. Só doze anos depois outro barco foi admitido na carreira, no caso de João Gonçalves de Sarilhos Pequenos. Se qualquer arrais quisesse substituir o seu barco tal não era possível, excepto se o tivesse perdido em temporal ou calamidade.

No início do século XVIII tinha seis barcos grandes, pelo que diminui o número de embarcações, visto terem deixado de existir as obrigações dos barcos de Alhos Vedros e do Lavradio, em virtude da Moita e do Lavradio terem entretanto sido elevadas a concelhos.

Em 1728 os arrais e donos de barcos pedem que o Juiz dos Homens do Mar regulassem as cargas de todos os barcos devido às desordens que provocava. Os juízes fazem nova relação, pelo que constatamos existirem doze barcos com capacidade de carga para 392 pipas cheias. Verefica-se que duplica a sua capacidade de carga.

Nas Informações Paroquiais de 1758 o padre Lucas Ferreira de Gouveia diz-nps existirem sete barcos grandes que servem de carreira e dezasseis bateiras de pesca, das quais três estão sempre prontas para transportar passageiros quando os barcos o não pocem fazer por falta de maré. Um século depois já se nota algum declínio e uma certa alteração na tipologia e funções das embarcações pois existem quatro barcos, seis botes e nove fragatas.

Privilégios da carreira

O funcionamento da carreira complica-se com o aumento das necessidades, o que provocou uma queixa dos arrais da carreira porque se tinham introduzido de fora seis barcos pequenos, que, não só levavam a carga das estalagens, como os passageiros e carvão, que eram transportes exclusivos da carreira. A câmara atende o pedido dos arrais da carreira, proibindo outros barcos de fazerem fretes, sob pena de 6000 reis. Determinava ainda que que os barcos da carreira da Moita levassem o que era costume, tendo escolha de passageiros, cargas ou pipas, ficando o barco de precalço obrigado a estar no cais para levar o carvão, e, caso este rtenha carga de pipas ou outra, deverá informar ao contra precalço para transportar o carvão. O mesmo se passa em relação ao transporte de lenhas, tojos e pinheiros qualquer que fosse a quantidade.

Preço das viagens

Os preços das viagens são também fixados em 1631, em 30 reis por pessoa, 60 reis por carga e 30 reis por costal, com obrigação de trazer as taxas nas barcas. Posteriormente a Câmara de Alhos Vedros quando autorizava carreiras noutras localidades do Concelho, determinava que as obrigações eram na forma da postura das barcas da Moita.

Em 1675, os arrais dos barcos que servem às semanas na carreira da Moita pedem um aumento nos fretes, em virtude dos grandes gastos com a manutenção dos barcos e mais propinas que tinham de pagar, e visto nas terras vizinhas se pagarem preços mais elevados. A câmara estabelece então o seguinte preçário:

Pipa de vinho cheia, 120 reis.

Pipa de vinho vazia, 30 reis.

Passageiro 50 reis.

Passageiro da terra, ida e volta, 20 reis.

Passageiro da terra, se levar saco de trigo, 30 reis.

Carro de fato, 400 reis.

Carretas de fato, 250 reis.

Cargas para a feira 80 reis.

Em 1728 autoriza a câmara a aumentar os fretes particulares de 12 para 16 tostõe, não só devido à carestia da manutenção dos barcos, mas também porque 12 tostões divididos por todos os companheiros era muito pouco.

No final do século XVIII é estipulado que, se acontecendo o caso extraordinário de uma bateira seguir atrás do barco da carreira em vez do precalço, não poderia cobrar mais de 50 reis por pessoa e 20 reis por costal de quatro arrobas. Os arrais das bateiras e faluas exigiam nessa época 50 reis aos moradores da Moita para os transportarem para Lisboa ou para os trazerem de volta, o que a câmara proibiu  expressamente sob pena de 3000 reis e de 30 dias de prisão a quem se recusasse a transportar os moradores e a exigir-lhes dinheiro pelo transporte.

O acesso ao cais era difícil quando se verificavam atrasos na carreira, porque os barcos não conseguiam acostar por falta de água. As pessoas eram então transportadas em pequenos barcos, designados como saveiros, que eram puxados manualmente. Se fosse possível trazer o saveiro ao cais mesmo com pouca água o barqueiro cobraria 10 reis por pessoa, mas se tivesse de ser puxado pela lama cobraria 20 reis. Se o barco da carreira ficasse na cal, ou seja, frente às morraceiras, poderia cobrar 30 reis, em virtude de ser uma considerável distância.

Um acordão de 1805 estipula novo preço para a passagem, depois das quexas dos donos dos barcos devido à carestia, inclusivé nas reparações, pelo que propunham que os passageiros pagassem 80 reis que significava mais 30 reis, (não houve aumentos em 130 anos), o costal a 40 reis e a cavalgadura a 240 reis. Determinava ainda que o precalço fizesse viagem se tivesse um mínimo de 1200 reis de frete, mas que o contra-precalço tinha de a fazer com qualquer número de passageiros. Logo, em 1807, o preço da passagem sobe para 120 reis, acrescentando o acordão que se deve cumprir com a roda.

Obrigações

O barco da carreira ficava então obrigado a ir todos os dias a Lisboa, e caso não fosse, e estando no cais ou no porto, ou não sendo a sua maré, não poderia impedir outros barcos em que os passageiros quisessem ir com o seu fato e não lhes pagariam nada, excepto os almocreves porque sempre pertenceram à carreira.

O barco da carreira ficava ainda obrigado a dirigir-se ao porto da ribeira. Se por conveniência o barco da carreira quisesse levar o frete para outro porto, deveria apresentar uma declaração do contra percalço em que este se comprometia a garantir a realização da carreira.

Nenhum porto e respectivo percalço podia retirar-se do cais estando na sua maré, sem motivo justificado eprecedido de vistoria.

Acessórios

Ficavam também obrigados a trazer sempre na embarcação, como acessórios, três remos, um martelo de ferro, pregos, verruma, estopa, umquarto ou barril com capacidade de um almude cheio de água doce e os regimentos que tiravam todos os anos em Janeiro. Estando o barco da carreira na sua maré, nenhum outro barco, pequeno ou grande, levaria cousa alguma, salvo se lhe pagassem o frete.

Novos preços e normas

Um acordão de 1805 estipula novo preço para a passagem, depois das quexas dos donos dos barcos devido à carestia, inclusivé nas reparações, pelo que propunham que os passageiros pagassem 80 reis que significava mais 30 reis, (não houve aumentos em 130 anos), o costal a 40 reis e a cavalgadura a 240 reis. Determinava ainda que o precalço fizesse viagem se tivesse um mínimo de 1200 reis de frete, mas que o contra-precalço tinha de a fazer com qualquer número de passageiros.

Logo, em 1807, o preço da passagem sobe para 120 reis, acrescentando o acordão que se deve cumprir com a roda.


Daí em diante toma carreira ou frete aquele que primeiro chegar ao cais, não havendo barco da maré anterior.

Nenhuma falua podia demorar a carreira tendo vinte passageiros ou um frete de 1400 reis, e neste caso não podia o arrais meter pessoas ou cargas sem consentimento do fretador.

Os rapazes dos barcos de carreira, precalço e contra precalço, acordarão logo no início do século XVIII em se tornar parceiros nos ganhos auferidos na respectiva semana de carreira, dividindo-os igualmente entre si, inclusive durante os períodos de realização das feiras de Setúbal e Palmela.

Tripulação

No princípio do século XIX foi ainda estabelecido que atripulação fosse constituída no mínimo por três homens práticos e inteligentes e um rapaz, sob pena de perder a roda e 200 reis de coima. Poderiam recusar os fretes que não quisessem transportar, mas em contraparttida perdiam o lugar nessa roda.

Os companheiros eram obrigados a trabalhar no mesmo barco enquanto durasse as obrigações da carreira e nas três semanas seguintes, tendo o barco que fazer. Na mesma forma os arrais e donos dos barcos não podiam dispensá-los nesse período sob pena de 6000 reis de coima.

Os arrais também não podem faltar na embarcação mandando apenas a tripulação sob pena de 3000 reis. Eram ainda obrigados a possuir uma carta que os habilitasse a exercer a profissão e a terem sempre consigo a relação completa dos homens que constituem a tripulação.

Os companheiros que não comparecessem nas embarcações nas suas marés e a horas competentes eram penalizados com 2000 reis de coima.

As desordens entre arrais eram frequentes o que provocava constantes requerimentos da parte destes para que a câmara interviesse. A câmara determina então que fosse o Juiz de Fora a resolver as questões que carecessem de resolução imediata, ouvindo o Juiz do respectivo ofício. Sujeitava ainda os arrais a cumprirem todas as determinações do Juiz do ofício, sob pena de 500 reis de coima e três dias de prisão, se reincidisse seria expulso sem possibilidade de readmissão. Em face das novas obrigações dos arrais impõe a câmara que os proprietários fossem fiadores dos arrais que empregassem nos seus barcos.

Roda

O funcionamento da roda era obrigatório, porque alguns barcos quando estavam no fim da mesma, faziam fretes extras ou aproveitam para transportar produtos próprios, o que foi expressamente proibido. Mesmo que fossem géneros pertencentes ao dono do barco, comprados com o seu dinheiro, os quais só poderia carregar quando chegasse a sua vez na roda.

Também as trocas e permutas eram proibidas, seguindo a roda sempre pela ordem estabelecida. Pela mesma forma os arrais a quem competia a carreira terão de a fazer com o barco que lhe está atribuído, não podendo sob qualquer pretexto utilizar outro. A troca de barcos por bateiras era também proibida por ser contrária ao contrato estabelecido entre os donos dos barcos e os moradores e mercadores de Setúbal.

Caso o arrais se recusasse a fazer a viagem alegando mau tempo, ou for impedido por insegurança da embarcação realiza a carreira o que se seguir na roda.

Se o arrais quisesse ser dispensado de fazer carreira, podia pedir autorização, mas esta só lhe seria concedida se o arrais afrontasse todos os outros barcos, por ordem, até arranjar quem a fizesse no seu lugar. Se quisesse repetir a dispensa várias vezes, também podia fazê-lo seguindo o mesmo critério, mas o barco substituto não o podia fazer duas vezes seguidas. Não arranjando substituto conforme estabelecido teria de fazer a viagem.

Em 1732 uma decisão camarária autoriza Estêvão Aires Veloso a usar as embarcações que quisesse nas viagens entre Lisboa e a Moita, o que foi caso único e eventualmente por motivos específicos que o auto não esclarece.

Aumentando o movimento no cais, as normas podiam ser alteradas, mas só com autorização do Juiz de Fora, para não haver complicações desnecessárias. Em 1828 a Câmara anula uma decisão de 1826 que permitia aos arrais mudarem de maré, determinando que tal só era possível se não tivessem maré até à meia noite, e o barco da carreira só podia recusar-se em caso de temporal. Por várias vezes a Câmara teve que intervir para solucionar desentendimentos que davam origem a violências, facto pelo qual a importância do cargo de Juiz do Ofício dos Homens do Mar aumenta em função da própria estrutura populacional do lugar.

A roda tinha sempre que funcionar, porque alguns barcos quando estavam no fim da mesma faziam fretes extras ou aproveitam para transportar produtos próprios, o que foi expressamente proibido, mesmo que fossem géneros pertencentes ao dono do barco, comprados com o seu dinheiro, os quais só poderia carregar quando chegasse a sua vez na roda.



Importância da carreira noutras actividades

Ermida de Nª Sª da Boa Viagem

A importância da carreira revela-se em diversos documentos, como no pedido dos moradores para construir  a ermida de Nª Sª da Boa Viagem. Argumentam os moradores que a Moita é lugar de passagem de muita gente, tanto do Alentejo como de Castela, e por não terem onde dizer nem ouvir missa, os passageiros preferem viajar por outras localidades em seu detrimento.

A súplica dos moradores é assinada por 33 pessoas, das quais pelo menos 20 tem interesses marítimos, que se responsabilizam por si e seus herdeiros a construir a ermida e a comprar os ornamentos necessários, de modo que se diga missa com decência, a custear as necessidades do pároco e ainda a reconstruí-la caso se arruinasse pelo tempo ou por alguma catástrofe. Ficava a ermida sujeita à matriz de Alhos Vedros, sendo a primeira missa rezada pelo prior desta vila, e a prestar contasaos visitadores da Ordem de Santiago.

Fuga de prisioneiros

Mesmo em casos insólitos o barco tem papel de relevo, como aconteceu no início do século XIX quando um grupo de prisioneiros provenientes de Vila Franca de Xira atacou o juiz e os guardas que os escoltavam, lançando-os ao mar e fugindo depois por estas bandas, o que originou uma perseguição das autoridades e populares, acabando quatro deles por serem capturados e posteriormente enforcados em Alhos Vedros.

Condução de prisioneiros

Alguns anos depois, Catarina Gomes, por ser mulher de mau procedimento e vadia, determinou a câmara que o alcaide a levasse na barca para Lisboa, com pena de um ano de degredo e nunca mais, nem sua filha, pela vergonha de suas pessoas.

Era também de barco que os prisioneiros vindos do sul chegavam a Lisboa. Estes eram conduzidos à custa e sob responsabilidade dos concelhos por onde passavam, pelo que os concelhos ribeirinhos da martagem sul tinham de requisitar os barcos necessários para cumprimento dessa obrigação.

Estalagem do Rosário

Outro caso foi a estalagem e carreira que José Gomes Claro abriu no Rosário no princípio do século XIX, onde era dono de quase todo o lugar e em cuja construção utilizou toda a pedra que encontrou, não lhe escapando um carro de pedra dado pelos devotos de Nª Sª do Rosário que se encontrava no arraial  onde se corriam touros, bem como a pedra do cruzeiro do dito arraial que desmanchou fazendo outro em barro. Além destas razões a câmara opôs-se, em virtude de haver embarque público na vila da Moita, que ficava a meia légua e onde era possível haver controlo ( uma das actividades do Claro era o contrabando ), e ainda porque era na vila que os habitantes estavam estabelecidos com o necessário para acomodar os passageiros, não esquecendo o facto da corporação marítima ter construído o cais à sua custa, que orçara em 12 000 cruzados.

Requisições

Os barcos podem ainda ser requisitados para trabalhos de interesse da coroa como em 1818 em que uma Provisão Régia determinava que os donos dos pinhais fizessem aceiros e talhadas para se evitarem incêndios, e que simultaneamente os barqueiros dessem duas viagens de carga de mato para abastecer Lisboa.

O barco é ainda requisitado para transportes militares, de prisioneiros e dos próprios moradores, pelo privilégio da corporação.

Jogo a bordo

Até grupos de batoteiros alugavam barcos para assim poderem jogar sem o risco de serem supreendidos. Em 1822, uma Sociedade Patriótica dá conhecimento ao Rei que nos botes de Belém, Moita e Aldeia Galega, os rendeiros combinados com jogadores de cartas, faziam um manifesto roubo aos passageiros.

Condução de doentes

No barco da carreira seguiam também os doentes e feridos para os hospitais da capital, acontecendo por vezes morrerem durante a viagem, como aconteceu a Bento Preto quando era transportado para o Hospital Real de S. José.

Conclusão

O barco trás as novidades, os almocreves, os caminheiros, os correios, os decretos e ordens reais. A fácil ligação com  Lisboa foi a maior riqueza dos moitenses, como testemunha o viajante sueco Carl Ruders, que saíu de Lisboa às seis horas e às oito já estava na Moita. Mesmo o médico da Vila só aceita o cargo por ter na Moita pessoas da sua  familiaridade e ficar perto da Corte, onde tem a família.

Transporte de Géneros

Lenhas

Os produtos locais tinham como destino a Capital. Tudo passava pelo cais: lenhas e tojos, necessários para a terra e para a cidade de Lisboa, mas para os transportar era necessário um alvaráda Câmara, e dar conta ao mateiro carregando ao forcado, que a contava em voz alta, e aos Domingos dar conta aos donos do que carregaram. O seu transporte tinha de seguir a ordem na roda, pelo que a carga das faluas e de outros barcos pequenos deviam ser desmanchadas caso não cumprissem.

Em épocas de carência esta norma podia ser alterada como em 1798, em que a câmara considerando que eram de extrema necessidade os matos e as lenhas para a cidade e caiarias de Lisboa e também para as tropas de Sua Magestade, permite que as bateiras que costumavam fretejar no cais possam seguir de percalço atrás da carreira se transportassem aquele género.

Também a madeira grossa se destinava à capital sendo costume os mateiros enterrá-la na praia para a proteger, ficando obrigado a tapar as covas depois de a retirar, sob pena de serem tapadas à custa dos donos e multados em 10 tostões.

Cereais

Farinhas e trigos, transportados para Lisboa em qualquer tipo de embarcações era alvo de proibição, sem licença da Câmara e sempre os moradores se aviavam primeiro, medida que visava impedir os atravessamentos. Mas esta forma de abastecer a vila era sazonal e irregular pelo que era necessário a importação via marítima, levando a câmara a regular e taxar este produto diferenciando-os como da terra e do mar.

Os padeiros não eram dispensados de cozer, inclusivé aos Domingos e dias santos, antes das dez horas nem depois da missa conventual (o que era contrário à mentalidade religiosa e aos padrões morais da época), para não prejudicar o povo que necessitava aproveitar as águas que eram curtas, e porque nesses dias havia frequente passagem de tropas.

Vinho

O vinho era proíbido comprar e transportar de outras localidades sem que os lavradores da terra vendessem toda a sua produção, sob pena do mesmo ser derramado na via pública e 6000 reis de multa. Esta é uma das infrações mais regularmente registada nos livros de coimas. Tanto em pipas como em odres a tentação de trazer vinho de fora era grande, visto a produção local ser de péssima qualidadee não chegar para fornecer a Vila todo o ano, como demonstram os Livros de Rendas Públicas, onde se verifica que praticamente todos os anos são adquiridos vinhos de fora, sobretudo de armazéns de Lisboa e Palmela e em segundo lugar de importância dos concelhos vizinhos.

Actividades dependentes da carreira

Dependente do barco e da maré estão o carregador, o carreteiro, a estalagem, a taberna, o boticário, o almotacé, o cobrador, o rendeiro, as obras na igreja e outras várias que se iam efectuando, e que constituiram uma estrutura preparada para receber passageiros e cargas relativamente volumosas.

Fragateiros e carregadores

Com a implementação da carreira tornou-se necessário defenir competências e obrigações inerentes a cada função. Devido aos desacatos é determinado que os fragateiros não pudessem ser carregadores, nem vice-versa, pelos inconvenientes nos passageiros, podendo o arrais lançar toda a carga ao rio. O preço da viagem mantém-se, pagando o arrais ao fragateiro e ficando por conta do passageiro o pagamento ao carregador.

Posteriormente os carregadores que trabalham no cais são designados pela Câmara e passam a necessitar de uma licença para poderem carregar o que originou uma corporação própria. São solicitados em diversas ocasiões, sobretudo com os trabalhos nos muros das caldeiras, na cal, no porto e no cais. Este grupo fundamental durante séculos para a vida local desaparece quase instantaneamente no final do século XIX, com a instalação no cais de um guincho, apesar das manisfestações mais ou menos vilentas e das sabotagens contra o maquinismo.

No início do século XIX são estabelecidos no cais dois candieiros à semelhança dos de Lisboa e guaritas para servir de abrigo aos soldados que controlavam os passageiros que embarcavam para Lisboa, na intenção de evitar que a peste contaminasse a capital. A manutenção e a garantia da sua funcionalidade acabam por ficar a cargo dos carregadores, levando estes mais 30 reis por costal que levarem do barco para o cais ou deste para a estalagem. Os carregadores queixam-se sempre destes encargos só com muita dificuldade se poderem pagar.

Carreteiros

Logo no início do século XVII  os carreteiros aparecem a exigir carreiras ordenadas no transporte de pipas de Palmela para as muitas barcas que havia no lugar da Moita, porque uns levavam tudo e outros nada. A acessibilidade a Lisboa era um privilégio geográfico, mas era também a sua limitação por estar sujeita às marés e as grandes vias serem desviadas para os concelhos vizinhos onde o embarque era sempre possível. Daí a especificidade da sua actividade, ou seja, também eles dependentes da maré alta ou baixa, de haver pouco ou muito vento, bom ou mau tempo. A sua finalidade era o serviço dos passageiros e dos moradores tanto no transporte de suas pessoas, como dos seus bens e produtos. Nas ocasiões em que os barcos estavam impedidos de navegar tambem eles paravam como carreto que deixa de ter outro motriz.

A actividade dos carreteiros está imtimamente ligada á conservação das estradas e calçadas para garantir a fácil e rápida acessibilidade às vilas vizinhas sobretudo a estrada para Palmela. Para isso pagam as carretas que entram no cais 100 reis para as obras de conservação das calçadas. Os carreteiros foram sistematicamente requisitados para serviços militares ou outros de interesse do Rei como nos fornos de biscoito de Vale de Zebro. A Câmara nomeava dois juizes que garantiam o cumprimento das posturas e zelavam pelo seu normal funcionamento2. Em 1630 havia 18 carretas registadas e os carreteios eram obrigados a carregar os fretes em quatro horas sob pena de perderem o lugar nessa roda.

Animais de transporte

Na sequencia das invasões francesas as necessidades militares obrigam a uma inventariação dos recursos dos país em animais e transportes. A Câmara da Moita respondeu ao questionário revelando existirem;

Carros de bestas                                                          0.

Carros de Bois de aluguer                                                       53. sendo 40 de quadrilha.

Carros de Bois particulares                                                      1.

Bois de trabalho sem carro                                                       0.

Bois e Vacas de criação                                                            9.

Muares particulares de tiro e sela                                           0.

Muares particulares de carga                                                  5.

Muares de aluguer de carga                                                    2.

Muares de criação                                                                     0.

Cavalos e éguas particulares de sela                                    29.

Cavalos e éguas particulares de carga                                   0.

Cavalos e éguas particulares de aluguer de sela e carga    0.

Cavalos pais                                                                              0.

Poldros                                                                                      3.

Èguas de cavalaria                                                                   0.

Jumentos e jumentas particulares                                       43.

Jumentos e jumentas de aluguer                                           2.

Jumentos e jumentas de criação                                           0.



Como se verifica, em dois séculos o número de carretas triplica, revelador da sua continua importancia. A criação tanto de gado cavalar como de bovinos não é relevante na economia local. Os animais dos moradores estão sobretudo destinados aos transportes, sendo reduzida a quantidade destinada a outras actividades como a agricultura, excepto os burros que seriam destinados aos trabalhos auxiliares dos moradores e muito menor ainda os animais com a finalidade de procriação.

Preço dos tranportes terrestes

Logo no início do século XVIII a Câmara estabelceu os seguintes preços dos fretes nos transportes; sem qualquer especificação


determina que seja de 100 reis para Alhos Vedros, 150 para o Lavradio e 180 para o Barreiro. Para Palmela, Setúbal, Aldeia Galega ou Atalaia e Azeitão o transporte de uma ou duas pessoas em cavalgadura grande custava respectivamente, 200 e 300 reis, 300 e 450 reis, 180 e 240 reis e 240 e 400 reis. O mesmo tranporte de uma cavalgadura pequena custava 150 reis, 200 reis, 120 reis e 170 reis. O transporte para Setúbal de cargas em cavalgaduras grandes custava 400 reis.

Quanto a carretas singeleiras , assim de lenha, tranca, mato, moledo e tudo o mais como tojo, regulam-se pelas carretas que conduzem trancas para os barcos, pelos preços ditos segundo a distância dos pinhais e charnecas. Os fretes das carradas de esterco custariam 60 reis até à vinha das viúvas da banda do Arneiro e para o arrabalde até às courelas e para S. Sebastião até às Órtinhas, se fôr para mais longe 100 reis.

Estalagens

Também os estalajadeiros podiam perder o arrendamento se os passageiros tivessem razões de queixa. Para além de negociarem em estrume, que era vendido a 3 vintéis a carrada, primeiro aos moradores e só depois para os de fora, e em palha, proveniente dos animais que por obrigação tinham de recolher pois eram pagos para isso, era sobretudo com os géneros que não passavam pelo paço, adquiridos portanto directamente ao arrais, ou permitindo que os almocreves negociassem na própria estalagem que o comércio é mais lucrativo, apesar dos avisos da Câmara no sentido de se moralizarem estas práticas serem constantes.

A palha para fornecimento nas estalagens não podia ser descarregada no cais embora esporadicamente fosse autorizado sob condição de efectuar a respectiva limpeza imediatamente após a desgarga.

Os estalajadeiros são regularmente penalizados com contribuições para a realização de obras, festejos religiosos e cívicos ou para fornecer alimentos e rações aos militares.

Lavadeiras

Mesmo as lavadeiras, apesar da pouca documentação onde são referidas, parecem também dependentes do movimento de passageiros pois são intimadas a não alterar os preços estipulados pela Câmara, a saber;  3  camisas ou 3 lençois pequenos 20 reis, 3 lençois grandes 30 reis , 3 anágoas 25 reis, 1 toalha de mesa 7 reis, 1 celoura, 1 sertum36, 1 colete branco e 1 travesseiro grande a 5 reis, 1 toalha de mão 4 reis, 1 par de meias brancas, 1 guardanapo ou 1 almofadinha 3 reis, sobretudo com os passageiros e almocreves, sob pena de 6. 000 reis. O local de lavagem era no rio de Água Doce à saída da vila.



Importância social dos marítimos

Nos primeiros livros de Décimas dos Prédios da Moita, existentes no Arquivo Municipal, relativos aos últimos anos do século XIX, são referenciados cerca de 40% dos moradores como marítimos, o que é ilucidativo comparados com as outras actividades que na mesma época eram sujeitas a impostos, a saber; 6 carpinteiros, 4 pedreiros, 2 alfaiates, 5 sapateiros, 3 barbeiros, 3 ferradores, 1 ferreiro, 2 boticários, 2 forneiros, 5 moleiros, 12 tendeiros, 6 rendeiros de rendas públicas, 13 padeiros, 2 industriais fabris,21 negociantes e traficantes e 23 lojas de bebibas.

Outras profissões são também referidas em documentos dispersos como trabalhadores de enxada, tosquiadores, tecedeiros, aguadeiros, maiorais, feitores, cardadores, boieiros, caminheiros, cortadores, talhantes, passeiros, lavradores, fazendeiros e remadores mas a sua importancia social seria muito pequena considerados como classe profissional.

Os marítimos apesar da sua importância social teriam um peso político insignificante, sendo raros os que eram nomeados para qualquer cargo público, e quando o eram, normalmente recusavam pelo previlégio de serem homens de mar pois era uma actividade incompativel com as obrigações em terra. Apenas uma meia dúzia teria direito a pronunciar-se sobre as questões do Concelho como se verifica pela contagem de votos de uma questão relativa ao marchante em que foram contados 14 votos da classe da nobreza e 54 da classe do povo. Eram quase sempre assalariados, inclusivamente os arrais, ou esporadicamente alugavam o barco ao proprietário.

A sua formação escolar era também nula pois nas questões em que intervêm assinam os documentos de cruz ou fazendo uma assinatura que desde logo evidencia que pouco mais saberiam escrever que o nome.

Rendas públicas

A importância dos marítimos verifica-se também nas rendas públicas da Câmara. Em épocas de crise, como no princípio do séc. XIX86, as rendas em geral apresentam grande irregularidade nos preços e não surgem rendeiros para as arrematar, excepto as do cais. Como as rendas e as coimas, e, eventualmente contribuições de foros, vendas de pinheiros ou lenha, ou até da festa, constituem as fontes de receita da Câmara, a renda do cais tornou-se imprescindível para os gastos em benefício da comunidade, encargos administrativos e contribuições extraordinárias. Durante o séc. XVIII foi prática corrente a licitação das rendas serem feitas na base do ordenado de um funcionário da edilidade, como seja o médico, o cirurgião, o professor e o escrivão, ou em obras, limpezas e procissões, mais determinada verba em dinheiro. Sobretudo no período senhorial, os Condes de Alvor garantiram desta forma o funcionamento das instituições, que depois continuou a ser utilizada. Todavia o seu cumprimento nem sempre era feito com a regularidade exigida e a intransigência da Câmara atingia frequentemente o limite como aconteceu ao Tesoureiro do Cofre da Renda do Cais e Iluminação, Félix António Soeiro que foi preso oito dias por não ter apresentado as contas no dia para que tinha sido notificado88. Sobretudo em épocas de crise os tesoureiros e rendeiros e por inerencia os fiadores, tanto da renda do cais como das outras rendas, foram diversas vezes penhorados em todos os seus bens por incapacidade financeira para cumprir os encargos e os prazos. Por morte do rendeiro era penhorada a viúva ou os herdeiros caso não podessem pagar pelo titular.

Coimas

Também nas coimas é relevante a participação dos marítimos, sendo multados por fazerem fretes sem autorização, por não seguirem o lugar na roda, pelo transporte de produtos proibidos, por tomarem cargas fora do cais, por cargas excessivas (o que era uma prática regular), por defeciências de conserto ou por não cumprirem alguma das normas do regimento.

Impostos indirectos

Como actividade lucrativa e financeiramente desafogada era sobrecarregada com contribuições para quase tudo. Em 1683 fixa a Câmara de Alhos Vedros um imposto de 800 reis para os barcos grandes cada semana que fizessem carreira e de 10 tostões anuais para os barcos pequenos. Para além deste, pagam a renda do usual que era de dois cruzados cada semana da carreira. Os barcos grandes ou pequenos pagam mais uma renda anual de 300 reis e as muletas 10 tostões para as obras necessárias no cais. Estas últimas por pouco utilizarem o cais pedem que lhes seja diminuido o imposto, o que lhes é concedido ficando a pagar apenas 600 reis.

Nos anos de 1716 / 17 todos os barcos que fizeram carreira na Moita pagarão amigavelmente uma contribuição de 2.000 reis por semana, para a reconstrução do moinho do Alimo e limpeza da caldeira que o Conde de Alvor queria reedificar. Isto porque a laboração do moinho era necessária sobretido a quem tem barcos porque desentope a cal do porto. Com este acordão ficavam os arrais desobrigados de um outro em que se comprometiam a dar cento e tantos homens.

Em 1719 voltam a ser solicitados, desta vez para as obras da igreja. Obrigavam-se os arrais a entregar todos os fretes que cobrassem da gente da terra, que é um vintém de ida e outro de volta, fazendo toda a diligencia para o cobrarem e se alguem pusesse dúvidas em pagar a dessem em rol para pagar pela justiça.

Em 1758, diz o Padre Lucas Ferreira de Gouveia, que há um grande cais, feito à custa dos homens do mar, cuja obra orçou para mais de 13.000 cruzados. Que existiam sete barcos grandes que servem na carreira e dezesseis bateiras de pesca, das quais três estão sempre prontas para transportar passageiros quando os barcos o não podem fazer por falta de maré ( um século depois já se nota algum declínio pois existião sómente quatro barcos, seis botes e nove fragatas). A própria placa colocada no cais diz ter sido construido em 1722 à custa dos marítimos.

Sobre os efeitos do terramoto registou que a capela mor da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem caíu mas já estava feita de novo, acrescentada e coberta, forrada e pintada à custa dos homens do mar e de algumas esmolas.

Juiz do ofício dos homens do mar

Por várias vezes a câmara teve de interferir para solucionar desentendimentos que davam origem a violências, facto que aumenta a importância do cargo de juiz do ofício dos homens do mar, acrescido pela importância da classe na própria estrutura populacional da localidade. O cargo era exercido de forma mais ou menos vitalícia por um dos principais proprietários de barcos.

Jorge Gonçalves ocupou o cargo de Juiz em substituição do sogro Manuel Gomes Cardeal, porque este era um homem muito velho e já não podia cumprir bem com as suas obrigações. Pouco depois era nomeado para segundo Juiz Ensenso Dias. Noutras nomeações que encontrei, ou para acertos de contas ou ainda para responder pela companhia, era chamado o homem mais velho. O cargo era exercido de forma mais ou menos vitalícia por um dos principais propritários de barcos.

Estes juizes, para além de zelarem pelo funcionamento da carreira e fazerem cumprir as posturas da Câmara, são responsáveis pela nomeação dos marinheiros para as armadas reais, sempre que que solicitados, como em 1668, com os marinheiros destinados à armada que estava para correr a costa.

É notória a importância dos marítimos, pois sendo no ano anterior a Câmara de Alhos Vedros solicitada a fornecer quinze cavalgaduras, respondeu que, fazendo toda a deligência na vila e seu termo, não havia pessoas que tivessem cavalgaduras, nem nunca as houve, porque os moradores da vila e seu termo são barqueiros, carreteiros, calafates e biscoiteiros.

O Juiz do Ofício dos Homens do Mar é convocado para comparecer nas reuniões da Câmara sempre que surgem conflitos, litígios, situações não previstas ou para alterar normas em desuso e introduzir outras, ou ainda para obter a sua aprovação no lançamento de impostos ou contribuições em benefício da comunidade.

Cabo dos homens de mar

O cabo para além de vigiar e fazer cumprir as posturas sobre o ofício, exercia outras funções como cobrar o dinheiro necessário para manter os marinheiros que o concelho obrigatoriamente tinha de nomear para as armadas reais. O cabo era um subalterno do capataz e executava as tarefas que este lhe atribuía.

Capataz dos homens do mar

O capataz ordenava e conduzia o trabalho de todos os que utilizavam o cais, mas o cargo foi suprimido em 1788, com a indicação de nunca mais haver tal ocupação. A câmara passa então a nomear quatro de ganhar no cais, sendo um deles porteiro e outro jurado. O primeiro para os ofícios da câmara e o segundo para correr a renda do verde. Eram dispensados do serviço apenas em dias de câmara ou de audiências. Faltando eram penalizados em dois dias de vencimento na primeira vez, na segunda vez uma semana de vencimento e à terceira era expulso não podendo voltar a trabalhar no cais. Os homens de ganhar nomeiam um dos menbros que fica obrigado a fazer a coleta e respectivo pagamento todas as semanas.

Confraria dos homens do mar

Desde meados do século XVII que os marítimos estão enquadrados no plano profissional e religioso, através das suas corporações e confrarias, assumindo sempre um protagonismo nos principais acontecimentos, porque são invariavelmente os principais contribuintes. Podem recusar nomeações para cargos públicos invocando serem homens do mar e de pertencer à confraria, como fez António Gomes Lanseta.

Estiva

A estiva era atribuída de diversas formas. A mais comum foi em pipas, cheias ou vazias, mas também surgem em pessoas, moios e bestas.

A segurança era um problema grave e real e a Câmara proíbe as muletas de fretar na Moita, porque se viravam muita vez, e determina que todos os barcos fizessem estiva de passageiros. Todavia, as multas por incumprimento deste acordão foram sempre muitas: os arrais optam pelos seus interesses económicos e não hesitam em correr riscos. Um deles, cujo barco tinha de estiva vinte pessoas, transportava trinta e sete; alegou que os excedentes eram todos da Moita, e como não pagavam, podiam viajar para além da estiva.

Vistorias

Todos os barcos estão sujeitos a vestorias, que analisam as condições de navegabilidade, interditando os que não apresentavam segurança, que eram executadas mesmo à revelia dos proprietários, acontecendo os jurados darem licença para navegar apenas por algumas marés.

A falta dos acessórios obrigatórios ou outra qualquer anomalia podia impedir o barco de seguir viagem. Se a falta não pusesse o barco em perigo imediato, era concedido um tempo determinado para repor as faltas, como aconteceu em 1800, quando se constatou durante a vistoria a uma embarcação que esta não tinha prancha. Foi-lhe autorizado fazer a viagem na condição do dono do barco comprar outra no prazo de 24 horas.

Acidentes

A partir de de 1788 os jurados e louvados que fazem as vestorias ficam responsáveis pelos prejuizos caso haja acidente provocado por excesso de estiva. Não sabemos qual a amplitude dos acidentes marítimos pois tal só será possivel investigando toda a documentação que a tal respeito possa dar informações como os Livros Mistos e os Livros de Óbitos, todavia deveriam ser regulares pois abrindo um dos Livros Mistos da Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem deparei com o caso de um jovem de nome Veríssimo referido como tendo morrido afogado, e também tendo em consideração alguns estudos efectuados em concelhos vizinhos sobre esta temática.

Também a vereação de 1788 declara que todos os dias acontecem estragos lastimosos, que necessitam pronta vigilância para segurança geral, visto os barcos andarem desaparelhados, carcomidos e sem tripulação adequada.

Em 1800 o barco de Manuel Inácio estava tão arruinado que à saída do Montijo (entenda-se Rosário) voltou para trás porque metia tanta água que punha em perigo a vida dos passageiros.

A tradiçaõ popular também fgaz referências aos homens que morriam nas bateiras origem de muitas viúvas que haviam.

Significativa é também a contínua referência às verbas necessárias para manter acessa a lâmpada das almas dos passageiros, que ao longo dos séculos foi obtida por diversas formas e revela a preocupação da comunidade tanto em relação aos que pereceram como aos que eventualmente viessem a ser vítimas de naufrágios.

Barcos de pesca

Mas a actividade dos barcos não se esgota na carreira. Os barcos estão ligados a todas as outras actividades do Concelho. Nesse contexto os pescadores assumem um papel de relevo porque simultaneamente fazem fretes de cargas e passageiros sempre que o movimento na carreira aumenta, funcionando como precalço e contra-precalço e pareçem muito mais interessados nesta actividade do que propriamente em pescar. Em 1672 determinou a Câmara de Alhos Vedros que os pescadores da vila e termo pudessem vender o peixe em sua própria casa depois de almutaçado e quem viesse de fora teria de o vender no paço. Os pescadores da terra levariam a maior quantidade de peixe capturado para Lisboa e outras praças pois nas suas petições à Câmara referem sempre o pouco uso que dão ao cais da Moita. O consumo de pescado (e também de carne) era baixo pois os pescadores estavam sujeitos a trazer à vila uma canastra de peixe ou duas caso fizessem cerco nos limites do termo, o que era muito pouco tanto em relação à capacidade de pesca como em relação às necessidades de consumo. Nesta matéria a frugalidade era a principal característica dos moitenses assim como as condições de habitação e o nível de vida a roçar a miséria. O peixe mais consumido seria decerto a sardinha pois é regularmente referida entre os géneros sujeitos ao imposto do usual e referido como alimento do povo.

Barcos com funções específicas

Moinhos e fornos tem barcos próprios, carregadores de mato são simultaneamente barqueiros que levam mato e tojo para Lisboa em barcos a remos. Barcos de água acima vinham vender azeite e outros produtos. As pequenas indústrias locais que aí existiam como o vidro, a cerâmica, a cal e os cortumes, tinham barcos próprios. Também são referidos nos documentos barcos de pescar e outros pequenos que sobem o Tejo, assim como barcos chatos de remos, canoas, muletas, fragatas e escaleres cacilheiros. Para carregar sal vinham toda a espécie de barcos.

Valor dos barcos

O barco comparado com outros bens é um bom investimento. Apenas algumas estalagens e alguns moinhos se lhe equiparavam no investimento e nos lucros, por isso é também sobrecarregado com os impostos. Para o arrendatário tambem é um bom negócio, porque fica com larga margem de lucro, mas será sobre ele que recaem as dificuldades locais.

Compra

Os compradores de barcos optavam pela construção dos seus próprios barcos e foi por isso um bem raramente trasacionado, assumindo um valor só acessível aos mais endinheirados. O seu custo era de cerca de 100 000 reis em 1630, pelo que se depreende do negócio entre Pero Fernandes Monte e Tomé de Matos Neto, em que o primeiro cede metade de uma barca que havia construído por 49 308 reis.

Outras pessoas adquiriram barcos como José Ferreira em 1732, não referindo o seu custo mas tão só a solicitação para entrar na carreira pagando o mesmo que os outros barcos

Renda

O arrendamento foi também pouco frequente pois os proprietários preferiram contratar a tripulação.

Em 1646 Francisco da Rosa arrendou um barco aparelhado com todos os seus governos, assim de velas como de fateixas e cordas, a Gonçalo Fernandes e sua mulher, por um ano à razão de 30 000 reis pagos aos quartéis em moedas de prata.

O conde de Alvor, em 1697, arrendou um barco chamado o pequeno, por três anos, à razão de 60 000 reis por ano, a António Gomes, homem marinheiro. O barco seria entregue no fim do arrendamento no mesmo estado, ou seja, bom de conserto de calafate, com suas velas e mais aparelhos e uma vela nova. Somente deixará de fazer a entrega caso Deus não permita e se arruine por fogo ou tempestade ou outro caso em que o rendeiro não seja culpado.

Obras no cais e acesso

Tanto o cais e seus acessos, como a respectiva cal exigiam constantes obras de reparação e manutenção, pelo que representava elevados encargos financeiros. As vistorias e ordens de pagamento para a realização destas obras surgem amiúde nos Livros de Vereações.

No século XVII são eferidas diversas obras de manutenção ou aumento do cais contratando a Câmara de Alhos Vedros os pedreiros e carpinteiros necessários para a sua execução.

Em 1722 a Câmara da Moita decide mandar fazer o cais em pedra. A obra foi arrematada pelo pedreiro Pedro Gomes, de Lisboa, pelo seguinte preçario:

Braça de grade                                                        4.760 reis.

Braça de alvenaria                                                   5.700 reis.

Vara de enchelharia                                                    960 reis.

Vara de degrau de padaria com seus rebochos         1.160 reis.

Vara de lajedo de gasto                                              460 reis.

Vara de jajedo tosco para fundamentos                      360 reis.

Vara de betume                                                           70 reis.

Cada gato de ferro para lear as juntas à pedraria        300 reis.

Braça de estacaria                                                  4.760 reis.

Da importância total da obra depois de acabada o arrendatário comprometia-se a abater a importância de 100.000 reis.

Alguns anos depois um acórdão municipal proíbe que se façam fogueiras junto às paredes do cais, fosse para tingir redes ou para derreter alcatrão ou breu para as calafatagens pelo evidente prejuízo. Consequentemente segue uma determinação para que o cais fosse betumado.

Nas décadas seguintes continuam a surgir diversos autos que referem o lançamento  de impostos para obras de reparação e manutenção do cais.

No final do século o cais já ameaça ruína. Por isso os donos dos barcos decidiram contribuir com algum dinheiro para a sua recuperação, assim definido; o barco da carreira 1.200 reis semanais, e as bateiras e faluas 200 reis, enquanto a obra durasse. Nesta contribuição deveriam também participar os almocreves de Setúbal em virtude dos acordos que tinham estabelecido com as corporações moitenses e pelos quais usutruiam das mesmas condições dos sseus moradores. Todavia estes recusam pagar, excepto Joaquim Duarte que tinha vinte bestas em serviço de aluguer entre Setúbal e a Moita e se obrigou a pagar por cada uma 500 reis.

Os acessos foram objecto de melhoramentos a partir do século XIX com a finalidade de proporcionar uma melhor acessibilidade às carretas que necessitavam chegar ao cais. O principal foi a construção de calçadas nas principais ruas da vila, sobretudo na estrada que vai para Setúbal.

Antes ainda do final do século os marítimos sustentam que são donos do cais, pois foi à sua custa a construção e de igual modo a manutenção, mas a câmara nunca o reconheceu mantendo sempre a sua administração, regulamenmtação e direitos, sendo assim a proprietéria directa e a beneficiária das contribuições e impostos lançados sobre os seus utilizadores.

O estabelecimento de algumas indústrias obrigou à construção de cais adequado ao produto a transportar. Foi o caso da fábrica de sola situada à saída da vila cujo proprietário pediu autorização para construir um cais que servisse de serventia à dita fábrica. A câmara permitiu a construção na condição de outros barcos utilizarem o cais, desde que não impedissem o trabalho normal da fábrica.

A Vila

A vida local é regulada pela maré; do cais à igreja ficava a estalagem, a taberna, o boticário, o ferrador, o pelourinho e a cadeia. Era esse o centro económico e social da Vila, pois ao longo de dois séculos houve sempre passageiros, mesmo em épocas de crise.

Pelos livros de registo das décimas dos prédios urbanos, sabemos que a vila constava de duas ruas, designadas rua da estrada de Setúbal e rua direita, ruas secundárias para os lados do cais, do porto, da praia e para ambos os lados da igreja, todas ligadas por travessas, que mostra um urbanismo que se foi desenvolvendo em função do rio.

Tomando como exemplo o ano de 1810 podemos constatar que na vila da Moita, num total de 226 prédios urbanos havia 4 fornos, 2 adegas, 1 fábrica de sola, 1 moinho, 3 lagares, 1 casas nobres com adega, 1 cadeia, 2 estalagens,  2 cavalariças, 1 fábrica de aguardente, 1 açougue, 1 forja, 2 casarões, 3 armazéns, 1 casa para cobrança de dízimos e 1 casas da câmara.

Tipologia dos barcos

Os barcos admitidos na carreira tem características específicas inerentes à sua função. São designados por botes, bateiras e faluas. Outros barcos não são admitidos por não oferecerem segurança. A tipologia dos botes e bateiras, nos autos referidos, não se enquadra  totalmente na compilação iconográfica elaborada por João de Sousa.

Quanto ao velame são muito semelhantes às fragatas e às bateiras de Porto Brandão, mas quanto ao casco, por serem chatos ou de meia quilha, encontram-se mais ligações aos batéis e barcos de Ribatejo. A. A. Baldaque da Silva mostra que o bote da Moita é um varino um pouco maior, adoptando a sua vela e acrescentando outra de estai. Quanto ao casco são muito semelhantes aos diversos tipos de embarcações destas vilas ribeirinhas.

O bote da Moita é, pois, uma fragata mais pequena de fundo chato, ou um varino maior com vela de estai. E é um filho deste acasalamento que a descrição poética de Luís Chaves explica muito bem: o varino é feminino, gentileza grácil de feitio leve e risonha, a fragata é masculino, bem assente na água, tão à vontade como um cavaleiro seguro a cavalo.

A forma destes botes – fragatas – varinos distinguem-se por pequenos grandes promenores de que resulta uma grande variedade. A descrição de Baldaque da Silva aplica-se perfeitamente ao que se passa na Moita, tanto em relação aos barcos que navegam como aos que são só esqueletos enterrados na lama. A tipologia arquitectónica é adaptada a cada função, assim como as características decorativas que divergem segundo essas funções. Nos vários autores consultados nenhum deles faz qualquer referência a características específicas do barco da Moita, todavia o bote – varino, embora da família das embarcações usadas nos concelhos vizinhos, e mesmo em outras regiões como o Sado e na Ria de Aveiro, as suas dimensões e calado logo a sua capacidade de transporte, que visava obter o máximo rendimento do esteiro e da cal que utilizavam todos os dias, acaba por adquirir uma forma ideal nesse objectivo, fruto da experiência que gerações foram acumulando.

Decoração

As típicas pinturas decorativas, cujas origens remontarão possivelmente aos romanos, surgem com características diversas nas fragatas, moliceiros e saveiros. Na Moita podem ainda encontrar-se barcos que se enquadram em qualquer dos tipos referidos sendo uso cumum os painéis de evocação amorosa ou religiosa, atitudes e costumes locais e flores estilizadas. O bote e o varino da Moita é pintado exteriormente em faixas horizontais de cores vivas, que se enquadra num movimento mais vasto em todo o rio Tejo e mesmo nas vilas atlânticas.

Este trabalho fui publicado no jornal “Notícias da Moita” entre Março e Agosto de 1997.