segunda-feira, 3 de junho de 2013

Morrer em Alhos Vedros. 1800-1910


Morrer em Alhos Vedros.
1800-1910


Introdução
Os registos de óbitos contêm informações importantes para conhecer a freguesia e a sua evolução assim como a vida das populações que a habitaram.
A morte e a sua história dizem-nos muito sobre a vida. O modo como se morre, como é encarada a morte e posterior destino do cadáver revelam a vida concreta das pessoas e a dinâmica e movimentos das populações.

Estatística
Ao longo de 110 anos foram sepultados na igreja, no adro ou no cemitério cerca de 2150 indivíduos.
Até 1830 o número de óbitos nunca chegou aos 40 por ano.
Na década de trinta os números dispararam atingindo um máximo de 100 óbitos em 1833. Diminui nos anos seguintes atingindo o mínimo em 1839 com apenas óbitos.
Até á década de sessenta continuará a manter um nível de mortalidade abaixo dos vinte óbitos por ano, por vezes acima desse número raramente acima de trinta.
Em meados da década de sessenta aumenta para mais de trinta óbitos por ano e no final da década para mais de quarenta. Atinge o maior valor em 1898 com 55 óbitos.
Até 1910 apenas em dois anos se registou um número de óbitos inferior a vinte.
Neste período é de especial significado a morte infantil. A morte à nascença ou com poucos dias de vida é relativamente vulgar. Nos casos de gémeos, ou de trigémeos como ocorreu por duas vezes, nenhum sobreviveu. O mesmo se aplica às mães. A gravidez era um risco de vida. Várias são referidas como tendo morrido no parto ou em avançado estado de gravidez. Mesmo se essa referência não é explícita, podemos deduzi-la, quando uma criança morre ao nascer e no dia imediato morre a mãe, ou ao contrário quando morre uma mulher e dias depois morre uma criança filha dessa mulher, por exemplo.
Quando estas situações acontecem é a parteira, o médico ou mesmo outras pessoas que fazem o baptismo.
Até 1860 os registos dizem apenas se os indivíduos são menores não referindo a idade concreta. Confirma-se que 50% dos óbitos se referem a menores, alguns anos bem mais, especialmente nos anos de maior mortalidade os principais afectados são os menores.
Depois de 1860, embora não seja sempre, é registada a idade do falecido. Em termos gerais 25% dos óbitos registados são de crianças com menos de um ano. Pelo menos metade é de crianças que não chegam a fazer os dez anos.
A morte infantil é de tal forma aceite que muitas crianças morrem com dois e três anos de idade e nunca chegam a ter nome. São sepultados como inominados, ou a mãe chamava-lhe Manuel ou Maria, por exemplo. Número significativo entre os óbitos de menores refere-se a expostos de diversas misericórdias, sobretudo de Lisboa.
A partir dos vinte e até aos sessenta anos parece não haver diferenças significativas. Depois dos setenta cada vez menos e com noventa uma raridade.
A falecer com 100 anos encontram-se quatro pessoas.
Já agora a mais idosa foi Mariana Luísa Marques, moradora na Cortageira, que faleceu com 104 anos.

Onde se morre
Neste período o local mais comum de morrer era na própria habitação. Embora na primeira parte do período considerado o padre apenas mencionasse o óbito como tendo ocorrido nesta freguesia, no segundo, começa a registar o local exacto em que acontecia. Assim podemos fazer a lista de ruas e largos dentro da vila e locais, sítios e quintas onde também faleciam pessoas e portando locais habitados.
Na vila são referidos óbitos na rua Direita, rua do Castelo, rua da Cadeia, rua do Pinheiro, rua do Vale, rua das Parreiras, rua do Tinoco, rua do Poço de beber e rua da Igreja. Os largos da Marquesa, da Igreja, da Graça, do Porto, do Tinoco, do Poço, do Castelo e a travessa da Pontinha. Nas quintas Vale da Amoreira, Lagoa da Pega, da Micaela, da Bela Vista, Santa Rosa, Vale de Grou, Manhosa, Rego de Água, Cortageira, Alagoa, Vale do Romão, Fonte da Prata, São Pedro, do Matão, do Migalha e da Graça. Em locais referidos como sítios, como seja da Ratinha e do Ribeiro. Nas fazendas como seja a Cambaia, do Quinteiro, do Mata Castelhanos, de Água Doce, do Inglês, do Tujalheiro, da Chouriça e do desembargador Esteves. Em locais como a Cruz das Almas, o porto da Romagem, Juncal, Casal do Vargas, Alto do Moinho, os Brejos, Fonte de Feto, Cabeço Verde, Alto do Cabeço, pinhal da Moita, pinhal da Pancada e também em locais indeterminados, referidos como no campo ou como arredores desta vila. Na própria casa são referidas a casa do Conde, o Moinho Novo, a casa da Estação do C. F. e a casa da guarda do C. F.
De maior relevo pelo número de óbitos ocorridos, são os locais da Barra Cheia, das Arroteias e do Quadrado. Também a Telha é referida pois fazia parte da freguesia.
De modo geral morria-se em todo o lado. Morria-se na igreja, tanto por morte súbita, como por serem para lá levados na iminência da morte. No hospital, sobretudo os mendigos e as pessoas que vinham doentes com destino ao hospital de São José. Na rua onde por vezes as pessoas eram encontradas mortas e pelas mesmas razões no adro da igreja e no barco onde trabalhava, nas fazendas, nas marinhas e até na prisão.
Os mendigos ou apareciam mortos no hospital ou andava mendigando e se achou morto.

Como se morre
Os acentos de óbito eram sobretudo um documento religioso em que o padre registava se o falecido tinha cumprido os preceitos definidos pela igreja, ou seja, se tinha cumprido os Sagrados Sacramentos a Extrema-unção e o testamento. Quando estes preceitos não são cumpridos o padre justifica-os.
As primeiras eram muitas vezes cumpridas, já a última raramente. Assim o acento nada diz se cumpre todas as formalidades. Em princípio seria uma situação esperada, morreu porque tinha de morrer.
Já quanto à situação de falta de Sagrado Viático, confissão ou testamento o padre ao justifica-lo dá-nos o motivo da morte.
Na maioria dos casos diz simplesmente que morreu de repente, ou repentinamente, por morte instantânea ou ainda por doença indeterminada, ou porque não fui chamado a tempo.
Noutras situações diz que o defunto não recebeu o Sagrado Viático por estar pateta, e sem juízo perfeito, pela muita idade que tinha. Ou por moléstia repentina lhe tolher a fala. Ou por moléstia a privar dos sentidos.
Noutras situações dá a causa da morte. Assim podemos fazer a seguinte relação de morte causada por doença: pneumonia, diarreia, cirro no estômago  duma cólica, abcesso no braço, anginas, sífilis, pneumonia dupla, perniciosa, duma anazurca, perniciosa por congestão, pneumonia aguda, gemidos profundos, dum garrotilho, moléstia, apoplexia cerebral fulminante, congestão pulmonar, infecção purulenta, hemorragia umbilical, lesão cardíaca, febres intermitentes, bexigas, varíola confluente, enterite, de parto, febre puerperal, tifo, febre tifóide, congestão cerebral, tuberculose pulmonar, moléstia repentina que lhe sobreveio sobre o parto, em adiantadíssima gravidez, moléstia rápida lhe torcer a fala ficando em um espasmo de que morreu, não pode receber o Sagrado Viático por causa de uma grande enfermidade de garganta de que morreu.
Também por doença acabam por falecer em Alhos Vedros indivíduos oriundos de outras regiões do país, especialmente do sul, com destino ao hospital de S. José. Alguns em tão miserável estado que morrem pelo caminho. Outros como o caso de uma mulher parda remetida de Palmela,… chegou sem fala e agonizante.
Outra situação comum provocadora da morte eram os acidentes. Vejamos alguns: morreu afogado frente ao Moinho Novo, afogado no sítio da Prainha, achado morto de uma queda que deu, ter levado na cabeça um coice de cavalo, pancada que lhe deram na cabeça, se achou morto nos Brejos vítima de acidente, faleceu pelo atropelamento que lhe fizeram uns bois, encontrado violentamente morto, morreu quando estava banhando-se, de uma hemorragia causada por ferida pulmonar com arma de fogo por desastre, morte violenta com arma de fogo, por submersão num charco, por feridas profundas, desastre esmagado pelo comboio, faleceu debaixo da máquina do comboio, afogado no poço da horta do Conde de Sampaio, apareceu morto no pinhal da Pancada.
Caso único ocorreu em 1871, em que morreu violentamente em sua casa nas Arroteias, Francisco Alves Ratinho. No mesmo dia foi encontrado morto violentamente, um mendigo na casa dos 60 anos, mais ou menos, na casa de Francisco Alves Ratinho. Percebe-se…
Em 1816 deu-se o seguinte caso: um homem que foi achado morto afogado pelas águas do mar na ponta de uma das coroas ou morraceiras do rio desta vila cujo corpo tinha sinais de ser Católico Romano por se lhe achar em uma das algibeiras da jaleca que tinha vestida uma lâmina pequena quadrada com vidros e de estanho com as imagens de Nossa Senhora e tinha uma argola pequena amarrada com uma pedra encarnada riscada em uma orelha, e estava vestido com uma jaleca de saragoça e com colete de pano azul já velho com botões amarelos e calças de baetão alvadio também já velhas com remendos nos joelhos e botas calçadas de duas costuras tendo já a cara e cabeça descarnados sem se poder conhecer quem era.
Já em 1907 apareceu também morto um indivíduo, na morraceira da Gorda, desconhecido 1,65 m de altura, forte 22 a 24 anos, cabelo castanho, calça preta remendada, por dentro outra de ganga, camisa de pano-cru, colete de cotim aos quadrados, sem barba nem bigode, em mangas de camisa, na algibeira do colete um lenço de mão branco com as iniciais J.C.
Em 1908 apareceu morto junto à estação de caminho-de-ferro da Moita um desconhecido que faleceu repentinamente, devendo ter 36 a 40 anos, tamanho regular bigode preto, calvo, casaco de burel entremeado com fios brancos, camisa de riscado.

As epidemias eram nesta época motivo para morte generalizada nas famílias, como foi o caso de duas famílias, oriundas de Arazede, que no início do século XIX se fixaram na quinta do Matão. Entre Setembro e Dezembro faleceram nove pessoas, sendo seis menores. Em Março do ano seguinte outro indivíduo da mesma família foi encontrado morto no local.

O mesmo se verifica noutras situações, incluindo na vila, Barra Cheia ou Arroteias, quando morre uma pessoa, morrem várias, da mesma família ou moradores próximos, em poucos dias ou semanas. Era vulgar um casal sepultar os dois e três filhos em poucos dias.

Profissões
Por vezes os acentos de óbitos registam também a actividade profissional dos defuntos, ou dos pais caso estes sejam menores. Assim podemos dizer que na vila se concentravam as principais actividades profissionais e económicas em oposição aos outros locais da freguesia, sobretudo Arroteias e Barra Cheia onde se encontram basicamente actividades relacionadas com a agricultura.
Actividades profissionais na vila: trabalhador, sapateiro, negociante, fabricante de algodão, vendilhão, empregado público, marítimo, padeiro, fazendeiro, parteira, médico, cirurgião, moleiro, criada de servir, criado de servir, serviços domésticos, proprietário, empregada no governo de sua casa, lojista, mendigo, costureira, jornaleiro, empregado do caminho-de-ferro, militar, almocreve, pedreiro, negociante, carniceiro, cigarreira, forneiro, alfaiate, cutileiro, vendedeira ambulante, lavadeira, barqueiro, capitão reformado, ferreiro, carreiro, guarda do caminho-de-ferro, cocheiro, corticeiro, vendedor de bilhetes de lotaria, oficial de diligências, contratador e vendedor de gado, assentador de linha férrea, guarda-freio, capataz do caminho-de-ferro, soldado, criado de padaria, carpinteiro, estudante, contra mestre de fábrica, caldeireiro, fogueiro, escrava, ama-de-leite e taberneiro.
Nas Arroteias temos; trabalhadores, fazendeiros, empregado dos serviços agrícolas, campina, proprietário, empregada no governo de sua casa, empregada nos serviços do campo, jornaleiros, serviços domésticos, galinheiro, ocupação agrícola, cantoneiro, vendedor ambulante de azeite, criada de servir e ama-de-leite.
Na Barra Cheia temos; trabalhadores, fazendeiros, empregado dos serviços agrícolas, proprietários, empregada no governo de sua casa, serviços domésticos, empregada nos serviços do campo, jornaleiros, ocupação agrícola, criada de servir e ama-de-leite.

Origem dos falecidos
A origem das pessoas que neste período faleceram e foram sepultadas em Alhos Vedros é diversa. A grande maioria é natural de Alhos Vedros como se compreende, mas também das localidades próximas, como Moita, Lavradio, Coina, Sarilhos Grandes, Paio Pires, Palmela, Setúbal, Pinhal Novo, Montijo, Azeitão, Palhais, Sesimbra, Amora, Sacavém e obviamente Lisboa.
De origem mais afastada encontramos pessoas de vários pontos do país, especialmente do norte. Vejamos a seguinte lista; Reguengos, Ovar, Beira Alta, Santarém, Cadaval, Beira Baixa, Braga, Alcobaça, Torres Novas, Fuzeta, Gouveia, Ilha Terceira, Ilha Graciosa, S. Pedro do Sul, Vouzela, Leiria, Oeiras, Gois, Figueira da Foz, Óbidos, Cadima, Arazede, Mira, Tocha, Coimbra, Cantanhede, Valadares, Alvaiázere, Runa, Arcozelo, Caldas da Rainha, Aveiro, Tomar, Boliqueime, Figueiró dos Vinhos, S. Mamede, Alvito, Tábua, Vila Franca, Viseu, Caminha, Viana do Alentejo, Vendas Novas, Pias, Arouca, Ourém, Mealhada, Oliveira de Frades, Alenquer, Monte Mor o Velho, Canas de Senhorim, Monte Mor o Novo, Alcobaça e Abrantes.
Encontram-se ainda indivíduos de origem estrangeira como Espanha, Inglaterra, Irlanda e Angola.

Enterro e Preço
Até 1880 as pessoas eram sepultadas dentro da igreja, onde algumas famílias tinham covais próprios, pagando 480 reis e as crianças metade desse valor.
No adro da igreja, pela quantia de 240 reis e as crianças metade.
No cemitério junto da igreja eram sepultados os pobres que não tinham meios para pagar.
Depois de 1880 os enterros passam a ser efectuados no cemitério pagando 500 reis os adultos e as crianças 220 reis. Os que não podiam pagar tinham sepultura gratuita. Agora passa-se a diferenciar os que são sepultados de caixão à cova e os de corpo à terra.
Algumas pessoas passam a ter jazigos. Em dois casos são depositados no jazigo em urna de chumbo.
Vestígios destas primeiras sepulturas restam dois ou três casos no cemitério.

As cerimónias fúnebres também se diferenciam. Alguns, muito poucos, são sepultados com todas as pompas, outros tiveram um enterro decente, a maioria, quase todos, foram sepultados.

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