segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

caramelos na freguesia de Alhos Vedros. 1800-1910.

Caramelos na Freguesia de Alhos Vedros

Introdução
Ao analisar o movimento dos chamados caramelos na freguesia de Alhos Vedros, depressa se constata que apesar de alguns indivíduos se fixarem na área urbana da freguesia a grande maioria fixa-se na zona rural.
Será sobretudo na região da Barra Cheia e fazendas limítrofes que essa fixação será mais acentuada e deixa raízes. Nem mesmo nas Arroteias, a outra grande zona rural da freguesia, terá na sua colonização agrícola, uma composição tão acentuadamente caramela, aqui será muito mais heterogénea.
Por isso as estradas deste trabalho acabam por ir dar à Barra Cheia. É também na Barra Cheia onde melhor se pode perceber a importância desta população no desenvolvimento deste concelho.
Neste século as estruturas económicas do concelho foram completamente alteradas pela importância que a agricultura vai assumir.
É óbvio que este fenómeno é o resultado do desenvolvimento técnico e científico, mas onde esta população é actor, perante a realidade concreta da situação geográfica que se lhes deparou.
O desenvolvimento da ciência agrícola é um fator que permite a exploração agrícola, já no início do século a Câmara informa que dispõe de um livro onde se ensina a semear batatas e convida os agricultores a cultivarem este produto devido ao seu elevado rendimento.
Outro rendimento inesperado para os agricultores do concelho foi a venda de vides. Como aqui a filoxera não chegou, a Câmara informa as suas congéneres que no concelho muitas para vides para vender.
Por fim, entendo que o desenvolvimento foi potenciado pela criação de mercados locais, em Alhos Vedros, Moita, Barreiro e noutras localidades próximas, que permitiam uma agricultura virada para o mercado e a obtenção de rendimentos que até aí não existiam. A cultura intensiva apenas chegará no século XX com destino próprio para o mercado.
Relativamente aos caramelos que se fixam na vila, assumem as mais diversas funções, desde lojistas a comerciantes, até trabalhadores a proprietários. Muitas vezes posições adquiridas por casamento. Regra geral diluem-se na população local numa ou duas gerações.

Caramelo
O termo caramelo surge desde o início do século XIX. No caso, refere-se um indivíduo de baixíssima condição social. Já nos registos paroquiais da Moita, embora fora deste trabalho, o termo é conhecido desde a década de setenta do século XVIII e documentos sugerem tratar-se de uma região. Entendo que será nesta dupla perspetiva que o termo deve ser entendido.
O registo em documentos oficiais, como forma de identificação, por características ou particularidades, como era o caso de classificar as pessoas como caramelas, é obviamente uma forma de discriminação pela negativa, e o termo teria uma forte carga pejorativa.
Movimento migratório
Perante este quadro, verificamos, que o movimento migratório se desenvolve na primeira metade do século e atinge o auge nas décadas de cinquenta e sessenta. Nas últimas décadas do século este torna-se praticamente residual.
Mesmo os casamentos que se verificam nas décadas de cinquenta e sessenta são de pessoas que teriam vindo em crianças com os pais, nas décadas anteriores.







Na consulta do quadro devemos ter em atenção que este não dá números absolutos. Neste não entram quem não casou ou não batizou os filhos na igreja de Alhos Vedros. Ainda assim julgo que não andará longe da realidade e em termos estatísticos a amostra é suficientemente grande para ter a necessária credibilidade.
Relembro que se trata de um quadro feito com base no cruzamento dos registos de casamento e de baptismo.
As principais localidades de origem são Cadima, Mira, Tocha, Arazede e de diversas freguesias de Coimbra. Importante é também o número de expostos que aqui se fixam.
Se a estas juntarmos outras localidades inseridas na chamada região caramela, zona que situamos no triângulo formado pelas cidades da Figueira da Foz, Coimbra, Aveiro, então podemos afirmar que esta migração é basicamente caramela.
Todavia como mostro na relação destes emigrantes também surgem pessoas de outras regiões, sobretudo do distrito de Viseu. Os chamados ratinhos.



Quem eram?
Ao analisar o movimento migratório da região caramela, para a freguesia de Alhos Vedros, a primeira constatação é que se trata de uma população composta basicamente de trabalhadores onde o analfabetismo era regra. Só no século XX, em 1902 e depois em 1907, Manuel Marques Valente e Manuel dos Santos Gaiteiro assinam os próprios nomes, mostrando pela caligrafia serem pessoas com frequência escolar.
Também se pode afirmar que a pobreza era a característica principal desta população. Sabemos que assim era, tanto pelos isentos do pagamento de impostos e selos pelo casamento, batismo ou funeral, mas também pelas informações dos livros de despesas da Câmara onde são vários os pedidos de subsídios para pessoas que não conseguem criar os filhos.

Casamentos
As pessoas que imigram para a freguesia de Alhos Vedros são na maioria solteiros. Os casados são em menor número e casais ainda menos, excepto os originários de Arazede de onde vieram bastantes casais, e da Tocha embora menos, sobretudo nas primeiras décadas do século.
É também notório, sobretudo na Barra Cheia e zona rural, estas pessoas casarem preferencialmente com outras da sua comunidade. A influência geográfica destes casamentos não ultrapassa os concelhos limítrofes. Não surge ninguém de fora a fixar-se. Mais vulgar seria algumas destas pessoas casarem com alguém de outras localidades e lá se fixarem.
Nas décadas de trinta e quarenta verifica-se que houve um grande número de caramelos a casarem com viúvas concretamente do Barreiro, mas também de Alhos Vedros. Um bom casamento era coisa apetecida pois era forma de promoção e integração social. Tanto que no final do século, neste tipo de situações, os registos de casamento passam a referir as mulheres como proprietárias e os esposos como trabalhadores ou serradores, por exemplo.
Era também vulgar os casais ao casarem batizarem também três, quatro e mais filhos.

Batizados
Pelos registos de batismo constata-se que aos batizados apenas é dado nome próprio. Normalmente os homens adquirem o apelido do pai e as mulheres o da mãe. Todavia não era regra geral, surgem por vezes indivíduos com apelidos diferentes dos pais.
No batismo, por vezes, é registada a morada dos padrinhos, para além dos nomes, e assim sabemos que com o tempo muitos destes caramelos se foram fixando noutros locais, não só na sede da freguesia como na Moita, como noutros locais como Paio Pires, Seixal ou Sesimbra.
Os padrinhos são normalmente escolhidos entre os familiares, muito raramente outros indivíduos. Noutras situações as crianças são apadrinhadas pelos santos da igreja, normalmente Nª Sª dos Anjos, testemunhado pelo sacristão ou pela parteira.
Por estes registos se percebe também que muitas famílias partilhavam o mesmo espaço. Parece que os novos emigrantes se fixavam inicialmente em casa de familiares próximos. Outros casos, entre pessoas de diferente família, revelam alguma promiscuidade nas relações pessoais, como resultado de viverem no mesmo local, eventualmente na mesma casa.

Composição profissional
A composição profissional é quase exclusivamente dedicada à agricultura. A grande maioria são trabalhadores indiferenciados, em geral jornaleiros, que alimentam as necessidades laborais do conjunto das fazendas e quintas. Algumas destas pessoas têm dificuldades em se fixar, cada vez que batizam um filho, vivem em local diferente.
Os fazendeiros são utilizadores diretos da terra, sobre a qual pagam renda e todos os impostos. A possibilidade de se fixarem é, todavia, uma importante promoção social e eventualmente económica. Continuam a ser trabalhadores, agora por sua conta, mas assumindo também os riscos de maus anos agrícolas. Apesar disso as suas perspetiva de vida são bem melhores do que para os jornaleiros.
Os proprietários no fundo são também trabalhadores. Têm o privilégio de trabalhar na sua propriedade e são os beneficiários diretos. São o grupo profissional e social mais importante, como obviamente no plano económico e político. Por vezes são referidos como lavradores.

Sistema de drenagem
A grande obra realizada por esta população consistiu em tornar habitável uma região que não passava de um pântano.
Para se fixarem necessitaram de drenar toda a região, o que já era praticado em todo o litoral da Figueira a Aveiro, e que as populações que colonizaram a zona rural de Alhos Vedros já conheciam e com a qual estavam habituados a conviver.
Este trabalho consistia em construir valas entre os talhões cultivados que eram encaminhadas para outras valas maiores, por vezes charcos, normalmente entre fazendas, que por sua vez desaguavam noutras maiores designadas valas Reais. Sem este trabalho nunca seria possível colonizar e agricultar esta região.

Conclusão
A fixação e colonização da zona rural de Alhos Vedros não foi caso particular. Antes deve entender-se no contexto geral do país. O caso de Alhos Vedros é, até, relativamente tardio, mesmo comparando com a vizinha freguesia da Moita.
Ao longo do século XIX assistimos a um autêntico êxodo para as grandes cidades. Alhos Vedros, como subúrbio de Lisboa, chegam também, respeitando as devidas proporções, e tal como na capital, serão a causa do aumento demográfico que se assiste.
No caso de Alhos Vedros, e em termos grosseiros, digamos que a população duplicou até meados do século e volta a duplicar até ao seu final.

No caso que nos ocupa, este movimento migratório, justifica-se em parte, pela instabilidade política e militar em toda a primeira metade do século. Devemos considerar que toda a região a norte de Coimbra foi palco privilegiado das operações militares e onde ocorreram alguns dos episódios mais sangrentos e confrontos militares permanentes. A fuga das populações dessa região é referida por vários historiadores e os documentos locais confirmam.

Sem comentários:

Enviar um comentário