SOCIABILIDADES RIBEIRINHAS NA MOITA
- BARCOS E GENTES -
Introdução
As primeiras
informações sobre a actividade dos marítimos no lugar da Moita surgem no Livro de Vereações da Câmara de Alhos Vedros,
que compreende os respectivos autos relativos ao período de 1624 a 1635, que no
Arquivo Municipal da Moita é o mais tardio. Os livros de vereações das Câmaras de Alhos Vedros e Moita, apesar
das lacunas por largos períodos, são os acervos documentais mais ricos para a
história local, e demonstram a importância do vector marítimo como vital na
sociedade e na economia moitense.
O barco assume
um papel fundamental como meio de transporte inevitável para quem vinha de
Lisboa para Sul ou no sentido oposto e o mais rápido para Palmela e Setúbal. A
Moita beneficia deste eixo comercial quase exclusivo, sobretudo após o
terramoto de 1755 ter destruído as principais vias de Coina e a sua
concorrência ter diminuído, e pelos acordos entre os carreteiros e
carrergadores da Moita e de Palmela que garantiam o monopólio do transporte dos
diversos produtos entre as duas vilas, sobretudo das pipas que eram em grande
quantidade, funcionando este como principal entreposto. O mesmo tipo de acordos
foram feitos com mercadores e proprietários de animais de aluguer de Setúbal
procurando garantir o transporte de pessoas e menores volumes de carga.
A Carreira
Ao longo de
dois séculos a actividade fluvial será profusamente regulamentada, tendo em
vista a fácil e rápida acessibilidade a Lisboa. A carreira era uma estrada que
punha a Moita em contacto com o Terreiro do Paço, e a sua exploração foi a mola
que impulsionou e manteve o desenvolvimento do lugar e depois Vila.
A carreira é
igualmente a grande responsável por um leque de actividades subsidiárias que a
asseguravam, como as obras no cais, no porto, nos muros, nas caldeiras, nas
pontes e nas calçadas, ou que dela estavam dependentes, como as estalagens, os
carreteiros, os carregadores e o comércio em geral.
As Posturas da Câmara de Alhos Vedros sobre
a carreira da Moita, datadas do início do séc. XVII, indicam que não haveria
uma carreira regular, pois concedia auto
rização para a fazer, somente uma vez por semana. A admissão dos arrais
na carreira da Moita estava condicionada pela obrigação de fazer carreira em
Alhos Vedros, razão pela qual os da Moita acordarão com o arrais Domingos da
Costa em pagar-lhe 500 reis por semana na contrapartida deste cumprir por eles
as obrigações que tinham no cais de Alhos Vedros.
Outra das
determinações da Câmara foi obrigar os arrais a fazer a estiva dos seus barcos,
para saberem o que deviam levar, e que a tivessem sempre em seu poder para não
levarem mais do que o estipulado. Outros barcos, qualquer que fosse a sua origem
ou tipo, estavam também proibidos de fazer a carreira na Moita, e a sua
admissão obrigava o arrais a dar fiança e cumprir com todas as obrigações, como
a apresentação do bilhete do paço, onde mostre que pagou a siza da madeira a
Sua Alteza Real, sob pena de nunca mais entrar na carreira. Neste caso os
companheiros não eram penalizados,
somente o arrais.
E quem vinha
de fora tomar frete, pagava de coima 6 000 reis, excepto os que vinham tomar
sal para ir pelo Tejo acima.
Os
proprietários de barcos da carreira eram obrigatoriamente moradores na vila da
Moita ou no seu termo.
Outro tipo de
barcos não podem ancorar desde o cais até às morraceiras porque impediam a
carreira, e não podem demorar-se depois de carregados para não atrasar os que
também pretendessem carregar.
Aumento de tráfego
No princípio
do século XIX o cultivo da batata traz a possibilidade do estabelecimento de
fazendeiros e cada vez um maior volume de carga de carácter sazonal, que era
necessário transportar para as embarcações. A companhia do cais entra em
conflito com os agricultores, pois almeja pelo monopólio desse transporte, mas
o volume era superior à sua capacidade de o transportar, acabando a Câmara por
autorizar os agricultores a alugar os transportes a quem quisessem.
O testemunho
do Pe.
Lucas Ferreira de Gouveia, afirmando que de S. Sebastião se avista todo o Tejo
até Belém, e se encontra sempre repleto de barcos,é ilucidativo. Não admira,
assim, que o tráfego fluvial ultrapassasse as capacidades do cais e se fizessem
cargas e descargas em qualquer lugar que fosse possível, pois logo em 1634 um
auto de vereação determina que os arrais assim procedam. Os portos tendem dessa
forma para a especialização, sendo as cargas e descargas efectuadas em locais
determinados, segundo os géneros transportados.
Em 1729 os
donos dos barcos queixam-se à câmara porque António Ximenes queria construir um
muro e tapar a serventia por onde costumavam carregar as lenhas, trancas e
mantimentos, e onde pretendiam construir um porto. A Câmara proibiu a
construção do dito muro.
No final do
século a Câmara obriga a Companhia do Cais a construir uma ponte para embarque
de cavalgaduras e gados, recebendo por cada animal, tanto de embarque como
desembarque 60 reis.
A tomada de
posse dos vereadores, eleitos anualmente, incluía no seu cerimonial uma volta a
pé pelos limites do termo, o que representava simbolicamente a sua posse
efectiva. Na descrição dos locais por onde se passava, no auto de posse
relativo a 1747, refere-nos que os vereadores saíram do porto do moinho do
Alimo, onde os barcos tomam os provimentos para a Corte ou Cidade de Lisboa, e
dali tomavam a ponte do Forno do Vidro e iam ao porto da outra banda de Alhos
Vedros, onde carregavam os barcos, por serem os portos comuns a uma e outra
vila, e foram pelo rio acima até Àgua Doce, etc. O facto do escrivão referir
que no porto do moinho se fazerem cargas e descargas demonstra que o tráfego
era superior à capacidade do cais e que cada local de embarque se destinava a
um produto específico, o que também acontecia nos portos da capital.
Nos portos da
banda de Alhos Vedros era costume os barcos da Moita carregarem fretes, visto
os portos serem comuns a ambas as vilas, sendo o serviço feito segundo a roda
como no cais.
Total de barcos
Apenas na
segunda metade do séc. XVII surge uma relação completa dos barcos da carreira
da Moita, pela estiva que se deu a todos eles, a saber: o barco de Jorge
Gonçalves Cardeal e de Ensenso Dias, com capacidade para 35 pipas, o de Jorge
Arraiado para 32, o de Alhos Vedros e do Lavradio para 30, o de Domingos
Rodrigues Tripa para26 e o de Jorge Gonçalves para 24. Quem não cumprisse
pagava de coima 2000 reis, ficando proibido de voltar a fazer carreira. Só doze
anos depois outro barco foi admitido na carreira, no caso de João Gonçalves de
Sarilhos Pequenos. Se qualquer arrais quisesse substituir o seu barco tal não era
possível, excepto se o tivesse perdido em temporal ou calamidade.
No início do
século XVIII tinha seis barcos grandes, pelo que diminui o número de
embarcações, visto terem deixado de existir as obrigações dos barcos de Alhos
Vedros e do Lavradio, em virtude da Moita e do Lavradio terem entretanto sido
elevadas a concelhos.
Em 1728 os
arrais e donos de barcos pedem que o Juiz dos Homens do Mar regulassem as
cargas de todos os barcos devido às desordens que provocava. Os juízes fazem
nova relação, pelo que constatamos existirem doze barcos com capacidade de
carga para 392 pipas cheias. Verefica-se que duplica a sua capacidade de carga.
Nas
Informações Paroquiais de 1758 o padre Lucas Ferreira de Gouveia diz-nps
existirem sete barcos grandes que servem de carreira e dezasseis bateiras de
pesca, das quais três estão sempre prontas para transportar passageiros quando
os barcos o não pocem fazer por falta de maré. Um século depois já se nota
algum declínio e uma certa alteração na tipologia e funções das embarcações
pois existem quatro barcos, seis botes e nove fragatas.
Privilégios da carreira
O
funcionamento da carreira complica-se com o aumento das necessidades, o que
provocou uma queixa dos arrais da carreira porque se tinham introduzido de fora
seis barcos pequenos, que, não só levavam a carga das estalagens, como os
passageiros e carvão, que eram transportes exclusivos da carreira. A câmara
atende o pedido dos arrais da carreira, proibindo outros barcos de fazerem
fretes, sob pena de 6000 reis. Determinava ainda que que os barcos da carreira
da Moita levassem o que era costume, tendo escolha de passageiros, cargas ou
pipas, ficando o barco de precalço obrigado a estar no cais para levar o
carvão, e, caso este rtenha carga de pipas ou outra, deverá informar ao contra
precalço para transportar o carvão. O mesmo se passa em relação ao transporte
de lenhas, tojos e pinheiros qualquer que fosse a quantidade.
Preço das viagens
Os preços das
viagens são também fixados em 1631, em 30 reis por pessoa, 60 reis por carga e
30 reis por costal, com obrigação de trazer as taxas nas barcas. Posteriormente
a Câmara de Alhos Vedros quando autorizava carreiras noutras localidades do
Concelho, determinava que as obrigações eram na forma da postura das barcas da
Moita.
Em 1675, os
arrais dos barcos que servem às semanas na carreira da Moita pedem um aumento
nos fretes, em virtude dos grandes gastos com a manutenção dos barcos e mais
propinas que tinham de pagar, e visto nas terras vizinhas se pagarem preços
mais elevados. A câmara estabelece então o seguinte preçário:
Pipa de vinho
cheia, 120 reis.
Pipa de vinho
vazia, 30 reis.
Passageiro 50
reis.
Passageiro da
terra, ida e volta, 20 reis.
Passageiro da
terra, se levar saco de trigo, 30 reis.
Carro de fato, 400
reis.
Carretas de fato,
250 reis.
Cargas para a
feira 80 reis.
Em 1728
autoriza a câmara a aumentar os fretes particulares de 12 para 16 tostõe, não
só devido à carestia da manutenção dos barcos, mas também porque 12 tostões
divididos por todos os companheiros era muito pouco.
No final do
século XVIII é estipulado que, se acontecendo o caso extraordinário de uma
bateira seguir atrás do barco da carreira em vez do precalço, não poderia
cobrar mais de 50 reis por pessoa e 20 reis por costal de quatro arrobas. Os
arrais das bateiras e faluas exigiam nessa época 50 reis aos moradores da Moita
para os transportarem para Lisboa ou para os trazerem de volta, o que a câmara
proibiu expressamente sob pena de 3000
reis e de 30 dias de prisão a quem se recusasse a transportar os moradores e a
exigir-lhes dinheiro pelo transporte.
O acesso ao
cais era difícil quando se verificavam atrasos na carreira, porque os barcos
não conseguiam acostar por falta de água. As pessoas eram então transportadas
em pequenos barcos, designados como saveiros, que eram puxados manualmente. Se
fosse possível trazer o saveiro ao cais mesmo com pouca água o barqueiro
cobraria 10 reis por pessoa, mas se tivesse de ser puxado pela lama cobraria 20
reis. Se o barco da carreira ficasse na cal, ou seja, frente às morraceiras,
poderia cobrar 30 reis, em virtude de ser uma considerável distância.
Um acordão de
1805 estipula novo preço para a passagem, depois das quexas dos donos dos
barcos devido à carestia, inclusivé nas reparações, pelo que propunham que os
passageiros pagassem 80 reis que significava mais 30 reis, (não houve aumentos
em 130 anos), o costal a 40 reis e a cavalgadura a 240 reis. Determinava ainda
que o precalço fizesse viagem se tivesse um mínimo de 1200 reis de frete, mas
que o contra-precalço tinha de a fazer com qualquer número de passageiros.
Logo, em 1807, o preço da passagem sobe para 120 reis, acrescentando o acordão
que se deve cumprir com a roda.
Obrigações
O barco da
carreira ficava então obrigado a ir todos os dias a Lisboa, e caso não fosse, e
estando no cais ou no porto, ou não sendo a sua maré, não poderia impedir
outros barcos em que os passageiros quisessem ir com o seu fato e não lhes
pagariam nada, excepto os almocreves porque sempre pertenceram à carreira.
O barco da
carreira ficava ainda obrigado a dirigir-se ao porto da ribeira. Se por
conveniência o barco da carreira quisesse levar o frete para outro porto,
deveria apresentar uma declaração do contra percalço em que este se comprometia
a garantir a realização da carreira.
Nenhum porto e
respectivo percalço podia retirar-se do cais estando na sua maré, sem motivo
justificado eprecedido de vistoria.
Acessórios
Ficavam também
obrigados a trazer sempre na embarcação, como acessórios, três remos, um
martelo de ferro, pregos, verruma, estopa, umquarto ou barril com capacidade de
um almude cheio de água doce e os regimentos que tiravam todos os anos em
Janeiro. Estando o barco da carreira na sua maré, nenhum outro barco, pequeno
ou grande, levaria cousa alguma, salvo se lhe pagassem o frete.
Novos preços e normas
Um acordão de
1805 estipula novo preço para a passagem, depois das quexas dos donos dos
barcos devido à carestia, inclusivé nas reparações, pelo que propunham que os
passageiros pagassem 80 reis que significava mais 30 reis, (não houve aumentos
em 130 anos), o costal a 40 reis e a cavalgadura a 240 reis. Determinava ainda
que o precalço fizesse viagem se tivesse um mínimo de 1200 reis de frete, mas
que o contra-precalço tinha de a fazer com qualquer número de passageiros.
Logo, em 1807,
o preço da passagem sobe para 120 reis, acrescentando o acordão que se deve
cumprir com a roda.
Daí em diante
toma carreira ou frete aquele que primeiro chegar ao cais, não havendo barco da
maré anterior.
Nenhuma falua
podia demorar a carreira tendo vinte passageiros ou um frete de 1400 reis, e
neste caso não podia o arrais meter pessoas ou cargas sem consentimento do
fretador.
Os rapazes dos
barcos de carreira, precalço e contra precalço, acordarão logo no início do
século XVIII em se tornar parceiros nos ganhos auferidos na respectiva semana
de carreira, dividindo-os igualmente entre si, inclusive durante os períodos de
realização das feiras de Setúbal e Palmela.
Tripulação
No princípio
do século XIX foi ainda estabelecido que atripulação fosse constituída no
mínimo por três homens práticos e inteligentes e um rapaz, sob pena de perder a
roda e 200 reis de coima. Poderiam recusar os fretes que não quisessem
transportar, mas em contraparttida perdiam o lugar nessa roda.
Os
companheiros eram obrigados a trabalhar no mesmo barco enquanto durasse as
obrigações da carreira e nas três semanas seguintes, tendo o barco que fazer.
Na mesma forma os arrais e donos dos barcos não podiam dispensá-los nesse
período sob pena de 6000 reis de coima.
Os arrais
também não podem faltar na embarcação mandando apenas a tripulação sob pena de
3000 reis. Eram ainda obrigados a possuir uma carta que os habilitasse a
exercer a profissão e a terem sempre consigo a relação completa dos homens que
constituem a tripulação.
Os companheiros
que não comparecessem nas embarcações nas suas marés e a horas competentes eram
penalizados com 2000 reis de coima.
As desordens
entre arrais eram frequentes o que provocava constantes requerimentos da parte
destes para que a câmara interviesse. A câmara determina então que fosse o Juiz
de Fora a resolver as questões que carecessem de resolução imediata, ouvindo o
Juiz do respectivo ofício. Sujeitava ainda os arrais a cumprirem todas as
determinações do Juiz do ofício, sob pena de 500 reis de coima e três dias de
prisão, se reincidisse seria expulso sem possibilidade de readmissão. Em face
das novas obrigações dos arrais impõe a câmara que os proprietários fossem
fiadores dos arrais que empregassem nos seus barcos.
Roda
O
funcionamento da roda era obrigatório, porque alguns barcos quando estavam no
fim da mesma, faziam fretes extras ou aproveitam para transportar produtos
próprios, o que foi expressamente proibido. Mesmo que fossem géneros
pertencentes ao dono do barco, comprados com o seu dinheiro, os quais só
poderia carregar quando chegasse a sua vez na roda.
Também as
trocas e permutas eram proibidas, seguindo a roda sempre pela ordem
estabelecida. Pela mesma forma os arrais a quem competia a carreira terão de a
fazer com o barco que lhe está atribuído, não podendo sob qualquer pretexto
utilizar outro. A troca de barcos por bateiras era também proibida por ser
contrária ao contrato estabelecido entre os donos dos barcos e os moradores e
mercadores de Setúbal.
Caso o arrais
se recusasse a fazer a viagem alegando mau tempo, ou for impedido por
insegurança da embarcação realiza a carreira o que se seguir na roda.
Se o arrais
quisesse ser dispensado de fazer carreira, podia pedir autorização, mas esta só
lhe seria concedida se o arrais afrontasse todos os outros barcos, por ordem,
até arranjar quem a fizesse no seu lugar. Se quisesse repetir a dispensa várias
vezes, também podia fazê-lo seguindo o mesmo critério, mas o barco substituto
não o podia fazer duas vezes seguidas. Não arranjando substituto conforme estabelecido
teria de fazer a viagem.
Em 1732 uma
decisão camarária autoriza Estêvão Aires Veloso a usar as embarcações que
quisesse nas viagens entre Lisboa e a Moita, o que foi caso único e
eventualmente por motivos específicos que o auto não esclarece.
Aumentando o
movimento no cais, as normas podiam ser alteradas, mas só com autorização do
Juiz de Fora, para não haver complicações desnecessárias. Em 1828 a Câmara
anula uma decisão de 1826 que permitia aos arrais mudarem de maré, determinando
que tal só era possível se não tivessem maré até à meia noite, e o barco da
carreira só podia recusar-se em caso de temporal. Por várias vezes a Câmara
teve que intervir para solucionar desentendimentos que davam origem a
violências, facto pelo qual a importância do cargo de Juiz do Ofício dos Homens do Mar aumenta em função da própria
estrutura populacional do lugar.
A roda tinha
sempre que funcionar, porque alguns barcos quando estavam no fim da mesma
faziam fretes extras ou aproveitam para transportar produtos próprios, o que
foi expressamente proibido, mesmo que fossem géneros pertencentes ao dono do
barco, comprados com o seu dinheiro, os quais só poderia carregar quando
chegasse a sua vez na roda.
Importância da carreira noutras actividades
Ermida de Nª Sª da Boa Viagem
A importância
da carreira revela-se em diversos documentos, como no pedido dos moradores para
construir a ermida de Nª Sª da Boa Viagem.
Argumentam os moradores que a Moita é lugar de passagem de muita gente, tanto
do Alentejo como de Castela, e por não terem onde dizer nem ouvir missa, os
passageiros preferem viajar por outras localidades em seu detrimento.
A súplica dos
moradores é assinada por 33 pessoas, das quais pelo menos 20 tem interesses
marítimos, que se responsabilizam por si e seus herdeiros a construir a ermida
e a comprar os ornamentos necessários, de modo que se diga missa com decência,
a custear as necessidades do pároco e ainda a reconstruí-la caso se arruinasse
pelo tempo ou por alguma catástrofe. Ficava a ermida sujeita à matriz de Alhos
Vedros, sendo a primeira missa rezada pelo prior desta vila, e a prestar
contasaos visitadores da Ordem de Santiago.
Fuga de prisioneiros
Mesmo em casos
insólitos o barco tem papel de relevo, como aconteceu no início do século XIX
quando um grupo de prisioneiros provenientes de Vila Franca de Xira atacou o
juiz e os guardas que os escoltavam, lançando-os ao mar e fugindo depois por
estas bandas, o que originou uma perseguição das autoridades e populares,
acabando quatro deles por serem capturados e posteriormente enforcados em Alhos
Vedros.
Condução de prisioneiros
Alguns anos
depois, Catarina Gomes, por ser mulher de mau procedimento e vadia, determinou
a câmara que o alcaide a levasse na barca para Lisboa, com pena de um ano de
degredo e nunca mais, nem sua filha, pela vergonha de suas pessoas.
Era também de
barco que os prisioneiros vindos do sul chegavam a Lisboa. Estes eram
conduzidos à custa e sob responsabilidade dos concelhos por onde passavam, pelo
que os concelhos ribeirinhos da martagem sul tinham de requisitar os barcos
necessários para cumprimento dessa obrigação.
Estalagem do Rosário
Outro caso foi
a estalagem e carreira que José Gomes Claro abriu no Rosário no princípio do
século XIX, onde era dono de quase todo o lugar e em cuja construção utilizou
toda a pedra que encontrou, não lhe escapando um carro de pedra dado pelos
devotos de Nª Sª do Rosário que se encontrava no arraial onde se corriam touros, bem como a pedra do
cruzeiro do dito arraial que desmanchou fazendo outro em barro. Além destas
razões a câmara opôs-se, em virtude de haver embarque público na vila da Moita,
que ficava a meia légua e onde era possível haver controlo ( uma das
actividades do Claro era o contrabando ), e ainda porque era na vila que os
habitantes estavam estabelecidos com o necessário para acomodar os passageiros,
não esquecendo o facto da corporação marítima ter construído o cais à sua
custa, que orçara em 12 000 cruzados.
Requisições
Os barcos
podem ainda ser requisitados para trabalhos de interesse da coroa como em 1818
em que uma Provisão Régia determinava que os donos dos pinhais fizessem aceiros
e talhadas para se evitarem incêndios, e que simultaneamente os barqueiros
dessem duas viagens de carga de mato para abastecer Lisboa.
O barco é
ainda requisitado para transportes militares, de prisioneiros e dos próprios
moradores, pelo privilégio da corporação.
Jogo a bordo
Até grupos de
batoteiros alugavam barcos para assim poderem jogar sem o risco de serem
supreendidos. Em 1822, uma Sociedade Patriótica dá conhecimento ao Rei que nos
botes de Belém, Moita e Aldeia Galega, os rendeiros combinados com jogadores de
cartas, faziam um manifesto roubo aos passageiros.
Condução de doentes
No barco da
carreira seguiam também os doentes e feridos para os hospitais da capital,
acontecendo por vezes morrerem durante a viagem, como aconteceu a Bento Preto
quando era transportado para o Hospital Real de S. José.
Conclusão
O barco trás
as novidades, os almocreves, os caminheiros, os correios, os decretos e ordens
reais. A fácil ligação com Lisboa foi a
maior riqueza dos moitenses, como testemunha o viajante sueco Carl Ruders, que
saíu de Lisboa às seis horas e às oito já estava na Moita. Mesmo o médico da
Vila só aceita o cargo por ter na Moita pessoas da sua familiaridade e ficar perto da Corte, onde
tem a família.
Transporte de Géneros
Lenhas
Os produtos
locais tinham como destino a Capital. Tudo passava pelo cais: lenhas e tojos,
necessários para a terra e para a cidade de Lisboa, mas para os transportar era
necessário um alvaráda Câmara, e dar conta ao mateiro carregando ao forcado,
que a contava em voz alta, e aos Domingos dar conta aos donos do que
carregaram. O seu transporte tinha de seguir a ordem na roda, pelo que a carga
das faluas e de outros barcos pequenos deviam ser desmanchadas caso não
cumprissem.
Em épocas de
carência esta norma podia ser alterada como em 1798, em que a câmara
considerando que eram de extrema necessidade os matos e as lenhas para a cidade
e caiarias de Lisboa e também para as tropas de Sua Magestade, permite que as
bateiras que costumavam fretejar no cais possam seguir de percalço atrás da
carreira se transportassem aquele género.
Também a
madeira grossa se destinava à capital sendo costume os mateiros enterrá-la na
praia para a proteger, ficando obrigado a tapar as covas depois de a retirar,
sob pena de serem tapadas à custa dos donos e multados em 10 tostões.
Cereais
Farinhas e
trigos, transportados para Lisboa em qualquer tipo de embarcações era alvo de
proibição, sem licença da Câmara e sempre os moradores se aviavam primeiro,
medida que visava impedir os atravessamentos. Mas esta forma de abastecer a
vila era sazonal e irregular pelo que era necessário a importação via marítima,
levando a câmara a regular e taxar este produto diferenciando-os como da terra
e do mar.
Os padeiros
não eram dispensados de cozer, inclusivé aos Domingos e dias santos, antes das
dez horas nem depois da missa conventual (o que era contrário à mentalidade
religiosa e aos padrões morais da época), para não prejudicar o povo que
necessitava aproveitar as águas que eram curtas, e porque nesses dias havia
frequente passagem de tropas.
Vinho
O vinho era
proíbido comprar e transportar de outras localidades sem que os lavradores da
terra vendessem toda a sua produção, sob pena do mesmo ser derramado na via
pública e 6000 reis de multa. Esta é uma das infrações mais regularmente
registada nos livros de coimas. Tanto em pipas como em odres a tentação de
trazer vinho de fora era grande, visto a produção local ser de péssima qualidadee
não chegar para fornecer a Vila todo o ano, como demonstram os Livros de Rendas
Públicas, onde se verifica que praticamente todos os anos são adquiridos vinhos
de fora, sobretudo de armazéns de Lisboa e Palmela e em segundo lugar de
importância dos concelhos vizinhos.
Actividades dependentes da carreira
Dependente do
barco e da maré estão o carregador, o carreteiro, a estalagem, a taberna, o
boticário, o almotacé, o cobrador, o rendeiro, as obras na igreja e outras
várias que se iam efectuando, e que constituiram uma estrutura preparada para
receber passageiros e cargas relativamente volumosas.
Fragateiros e carregadores
Com a
implementação da carreira tornou-se necessário defenir competências e
obrigações inerentes a cada função. Devido aos desacatos é determinado que os
fragateiros não pudessem ser carregadores, nem vice-versa, pelos inconvenientes
nos passageiros, podendo o arrais lançar toda a carga ao rio. O preço da viagem
mantém-se, pagando o arrais ao fragateiro e ficando por conta do passageiro o
pagamento ao carregador.
Posteriormente
os carregadores que trabalham no cais são designados pela Câmara e passam a
necessitar de uma licença para poderem carregar o que originou uma corporação
própria. São solicitados em diversas ocasiões, sobretudo com os trabalhos nos
muros das caldeiras, na cal, no porto e no cais. Este grupo fundamental durante
séculos para a vida local desaparece quase instantaneamente no final do século
XIX, com a instalação no cais de um guincho, apesar das manisfestações mais ou
menos vilentas e das sabotagens contra o maquinismo.
No início do
século XIX são estabelecidos no cais dois candieiros à semelhança dos de Lisboa
e guaritas para servir de abrigo aos soldados que controlavam os passageiros
que embarcavam para Lisboa, na intenção de evitar que a peste contaminasse a
capital. A manutenção e a garantia da sua funcionalidade acabam por ficar a
cargo dos carregadores, levando estes mais 30 reis por costal que levarem do
barco para o cais ou deste para a estalagem. Os carregadores queixam-se sempre
destes encargos só com muita dificuldade se poderem pagar.
Carreteiros
Logo no início
do século XVII os carreteiros aparecem a
exigir carreiras ordenadas no transporte de pipas de Palmela para as muitas
barcas que havia no lugar da Moita, porque uns levavam tudo e outros nada. A
acessibilidade a Lisboa era um privilégio geográfico, mas era também a sua
limitação por estar sujeita às marés e as grandes vias serem desviadas para os
concelhos vizinhos onde o embarque era sempre possível. Daí a especificidade da
sua actividade, ou seja, também eles dependentes da maré alta ou baixa, de
haver pouco ou muito vento, bom ou mau tempo. A sua finalidade era o serviço
dos passageiros e dos moradores tanto no transporte de suas pessoas, como dos
seus bens e produtos. Nas ocasiões em que os barcos estavam impedidos de
navegar tambem eles paravam como carreto que deixa de ter outro motriz.
A actividade
dos carreteiros está imtimamente ligada á conservação das estradas e calçadas
para garantir a fácil e rápida acessibilidade às vilas vizinhas sobretudo a
estrada para Palmela. Para isso pagam as carretas que entram no cais 100 reis
para as obras de conservação das calçadas. Os carreteiros foram
sistematicamente requisitados para serviços militares ou outros de interesse do
Rei como nos fornos de biscoito de Vale de Zebro. A Câmara nomeava dois juizes
que garantiam o cumprimento das posturas e zelavam pelo seu normal
funcionamento2. Em 1630 havia 18 carretas registadas e os carreteios eram
obrigados a carregar os fretes em quatro horas sob pena de perderem o lugar
nessa roda.
Animais de transporte
Na sequencia
das invasões francesas as necessidades militares obrigam a uma inventariação
dos recursos dos país em animais e transportes. A Câmara da Moita respondeu ao
questionário revelando existirem;
Carros de
bestas
0.
Carros de Bois
de aluguer 53. sendo 40 de quadrilha.
Carros de Bois
particulares 1.
Bois de trabalho
sem carro 0.
Bois e Vacas de
criação 9.
Muares
particulares de tiro e sela 0.
Muares
particulares de carga 5.
Muares de
aluguer de carga 2.
Muares de
criação 0.
Cavalos e éguas
particulares de sela
29.
Cavalos e éguas
particulares de carga
0.
Cavalos e éguas
particulares de aluguer de sela e carga
0.
Cavalos
pais
0.
Poldros
3.
Èguas de
cavalaria 0.
Jumentos e
jumentas particulares 43.
Jumentos e
jumentas de aluguer 2.
Jumentos e
jumentas de criação 0.
Como se
verifica, em dois séculos o número de carretas triplica, revelador da sua
continua importancia. A criação tanto de gado cavalar como de bovinos não é
relevante na economia local. Os animais dos moradores estão sobretudo
destinados aos transportes, sendo reduzida a quantidade destinada a outras
actividades como a agricultura, excepto os burros que seriam destinados aos
trabalhos auxiliares dos moradores e muito menor ainda os animais com a
finalidade de procriação.
Preço dos tranportes terrestes
Logo no início
do século XVIII a Câmara estabelceu os seguintes preços dos fretes nos
transportes; sem qualquer especificação
determina que
seja de 100 reis para Alhos Vedros, 150 para o Lavradio e 180 para o Barreiro.
Para Palmela, Setúbal, Aldeia Galega ou Atalaia e Azeitão o transporte de uma
ou duas pessoas em cavalgadura grande custava respectivamente, 200 e 300 reis,
300 e 450 reis, 180 e 240 reis e 240 e 400 reis. O mesmo tranporte de uma
cavalgadura pequena custava 150 reis, 200 reis, 120 reis e 170 reis. O
transporte para Setúbal de cargas em cavalgaduras grandes custava 400 reis.
Quanto a
carretas singeleiras , assim de lenha, tranca, mato, moledo e tudo o mais como
tojo, regulam-se pelas carretas que conduzem trancas para os barcos, pelos
preços ditos segundo a distância dos pinhais e charnecas. Os fretes das
carradas de esterco custariam 60 reis até à vinha das viúvas da banda do
Arneiro e para o arrabalde até às courelas e para S. Sebastião até às Órtinhas,
se fôr para mais longe 100 reis.
Estalagens
Também os
estalajadeiros podiam perder o arrendamento se os passageiros tivessem razões
de queixa. Para além de negociarem em estrume, que era vendido a 3 vintéis a
carrada, primeiro aos moradores e só depois para os de fora, e em palha,
proveniente dos animais que por obrigação tinham de recolher pois eram pagos
para isso, era sobretudo com os géneros que não passavam pelo paço, adquiridos
portanto directamente ao arrais, ou permitindo que os almocreves negociassem na
própria estalagem que o comércio é mais lucrativo, apesar dos avisos da Câmara
no sentido de se moralizarem estas práticas serem constantes.
A palha para
fornecimento nas estalagens não podia ser descarregada no cais embora
esporadicamente fosse autorizado sob condição de efectuar a respectiva limpeza
imediatamente após a desgarga.
Os
estalajadeiros são regularmente penalizados com contribuições para a realização
de obras, festejos religiosos e cívicos ou para fornecer alimentos e rações aos
militares.
Lavadeiras
Mesmo as
lavadeiras, apesar da pouca documentação onde são referidas, parecem também
dependentes do movimento de passageiros pois são intimadas a não alterar os
preços estipulados pela Câmara, a saber;
3 camisas ou 3 lençois pequenos
20 reis, 3 lençois grandes 30 reis , 3 anágoas 25 reis, 1 toalha de mesa 7
reis, 1 celoura, 1 sertum36, 1 colete branco e 1 travesseiro grande a 5 reis, 1
toalha de mão 4 reis, 1 par de meias brancas, 1 guardanapo ou 1 almofadinha 3
reis, sobretudo com os passageiros e almocreves, sob pena de 6. 000 reis. O
local de lavagem era no rio de Água Doce à saída da vila.
Importância social dos marítimos
Nos primeiros
livros de Décimas dos Prédios da Moita,
existentes no Arquivo Municipal, relativos aos últimos anos do século XIX, são
referenciados cerca de 40% dos moradores como marítimos, o que é ilucidativo
comparados com as outras actividades que na mesma época eram sujeitas a
impostos, a saber; 6 carpinteiros, 4 pedreiros, 2 alfaiates, 5 sapateiros, 3
barbeiros, 3 ferradores, 1 ferreiro, 2 boticários, 2 forneiros, 5 moleiros, 12
tendeiros, 6 rendeiros de rendas públicas, 13 padeiros, 2 industriais fabris,21
negociantes e traficantes e 23 lojas de bebibas.
Outras
profissões são também referidas em documentos dispersos como trabalhadores de
enxada, tosquiadores, tecedeiros, aguadeiros, maiorais, feitores, cardadores,
boieiros, caminheiros, cortadores, talhantes, passeiros, lavradores,
fazendeiros e remadores mas a sua importancia social seria muito pequena
considerados como classe profissional.
Os marítimos
apesar da sua importância social teriam um peso político insignificante, sendo
raros os que eram nomeados para qualquer cargo público, e quando o eram, normalmente
recusavam pelo previlégio de serem homens de mar pois era uma actividade
incompativel com as obrigações em terra. Apenas uma meia dúzia teria direito a
pronunciar-se sobre as questões do Concelho como se verifica pela contagem de
votos de uma questão relativa ao marchante em que foram contados 14 votos da
classe da nobreza e 54 da classe do povo. Eram quase sempre assalariados,
inclusivamente os arrais, ou esporadicamente alugavam o barco ao proprietário.
A sua formação
escolar era também nula pois nas questões em que intervêm assinam os documentos
de cruz ou fazendo uma assinatura que desde logo evidencia que pouco mais
saberiam escrever que o nome.
Rendas públicas
A importância
dos marítimos verifica-se também nas rendas públicas da Câmara. Em épocas de
crise, como no princípio do séc. XIX86, as rendas em geral apresentam grande
irregularidade nos preços e não surgem rendeiros para as arrematar, excepto as
do cais. Como as rendas e as coimas, e, eventualmente contribuições de foros,
vendas de pinheiros ou lenha, ou até da festa, constituem as fontes de receita
da Câmara, a renda do cais tornou-se imprescindível para os gastos em benefício
da comunidade, encargos administrativos e contribuições extraordinárias.
Durante o séc. XVIII foi prática corrente a licitação das rendas serem feitas
na base do ordenado de um funcionário da edilidade, como seja o médico, o
cirurgião, o professor e o escrivão, ou em obras, limpezas e procissões, mais
determinada verba em dinheiro. Sobretudo no período senhorial, os Condes de
Alvor garantiram desta forma o funcionamento das instituições, que depois
continuou a ser utilizada. Todavia o seu cumprimento nem sempre era feito com a
regularidade exigida e a intransigência da Câmara atingia frequentemente o
limite como aconteceu ao Tesoureiro do Cofre da Renda do Cais e Iluminação,
Félix António Soeiro que foi preso oito dias por não ter apresentado as contas
no dia para que tinha sido notificado88. Sobretudo em épocas de crise os
tesoureiros e rendeiros e por inerencia os fiadores, tanto da renda do cais
como das outras rendas, foram diversas vezes penhorados em todos os seus bens
por incapacidade financeira para cumprir os encargos e os prazos. Por morte do
rendeiro era penhorada a viúva ou os herdeiros caso não podessem pagar pelo
titular.
Coimas
Também nas
coimas é relevante a participação dos marítimos, sendo multados por fazerem
fretes sem autorização, por não seguirem o lugar na roda, pelo transporte de
produtos proibidos, por tomarem cargas fora do cais, por cargas excessivas (o
que era uma prática regular), por defeciências de conserto ou por não cumprirem
alguma das normas do regimento.
Impostos indirectos
Como
actividade lucrativa e financeiramente desafogada era sobrecarregada com
contribuições para quase tudo. Em 1683 fixa a Câmara de Alhos Vedros um imposto
de 800 reis para os barcos grandes cada semana que fizessem carreira e de 10
tostões anuais para os barcos pequenos. Para além deste, pagam a renda do usual
que era de dois cruzados cada semana da carreira. Os barcos grandes ou pequenos
pagam mais uma renda anual de 300 reis e as muletas 10 tostões para as obras
necessárias no cais. Estas últimas por pouco utilizarem o cais pedem que lhes
seja diminuido o imposto, o que lhes é concedido ficando a pagar apenas 600
reis.
Nos anos de
1716 / 17 todos os barcos que fizeram carreira na Moita pagarão amigavelmente
uma contribuição de 2.000 reis por semana, para a reconstrução do moinho do
Alimo e limpeza da caldeira que o Conde de Alvor queria reedificar. Isto porque
a laboração do moinho era necessária sobretido a quem tem barcos porque
desentope a cal do porto. Com este acordão ficavam os arrais desobrigados de um
outro em que se comprometiam a dar cento e tantos homens.
Em 1719 voltam
a ser solicitados, desta vez para as obras da igreja. Obrigavam-se os arrais a
entregar todos os fretes que cobrassem da gente da terra, que é um vintém de
ida e outro de volta, fazendo toda a diligencia para o cobrarem e se alguem
pusesse dúvidas em pagar a dessem em rol para pagar pela justiça.
Em 1758, diz o
Padre Lucas Ferreira de Gouveia, que há um grande cais, feito à custa dos
homens do mar, cuja obra orçou para mais de 13.000 cruzados. Que existiam sete
barcos grandes que servem na carreira e dezesseis bateiras de pesca, das quais
três estão sempre prontas para transportar passageiros quando os barcos o não
podem fazer por falta de maré ( um século depois já se nota algum declínio pois
existião sómente quatro barcos, seis botes e nove fragatas). A própria placa
colocada no cais diz ter sido construido em 1722 à custa dos marítimos.
Sobre os
efeitos do terramoto registou que a capela mor da Igreja de Nossa Senhora da
Boa Viagem caíu mas já estava feita de novo, acrescentada e coberta, forrada e
pintada à custa dos homens do mar e de algumas esmolas.
Juiz do ofício dos homens do mar
Por várias
vezes a câmara teve de interferir para solucionar desentendimentos que davam
origem a violências, facto que aumenta a importância do cargo de juiz do ofício
dos homens do mar, acrescido pela importância da classe na própria estrutura
populacional da localidade. O cargo era exercido de forma mais ou menos
vitalícia por um dos principais proprietários de barcos.
Jorge
Gonçalves ocupou o cargo de Juiz em substituição do sogro Manuel Gomes Cardeal,
porque este era um homem muito velho e já não podia cumprir bem com as suas
obrigações. Pouco depois era nomeado para segundo Juiz Ensenso Dias. Noutras
nomeações que encontrei, ou para acertos de contas ou ainda para responder pela
companhia, era chamado o homem mais velho. O cargo era exercido de forma mais
ou menos vitalícia por um dos principais propritários de barcos.
Estes juizes,
para além de zelarem pelo funcionamento da carreira e fazerem cumprir as
posturas da Câmara, são responsáveis pela nomeação dos marinheiros para as
armadas reais, sempre que que solicitados, como em 1668, com os marinheiros
destinados à armada que estava para correr a costa.
É notória a
importância dos marítimos, pois sendo no ano anterior a Câmara de Alhos Vedros
solicitada a fornecer quinze cavalgaduras, respondeu que, fazendo toda a
deligência na vila e seu termo, não havia pessoas que tivessem cavalgaduras,
nem nunca as houve, porque os moradores da vila e seu termo são barqueiros,
carreteiros, calafates e biscoiteiros.
O Juiz do
Ofício dos Homens do Mar é convocado para comparecer nas reuniões da Câmara
sempre que surgem conflitos, litígios, situações não previstas ou para alterar
normas em desuso e introduzir outras, ou ainda para obter a sua aprovação no
lançamento de impostos ou contribuições em benefício da comunidade.
Cabo dos homens de mar
O cabo para
além de vigiar e fazer cumprir as posturas sobre o ofício, exercia outras
funções como cobrar o dinheiro necessário para manter os marinheiros que o
concelho obrigatoriamente tinha de nomear para as armadas reais. O cabo era um
subalterno do capataz e executava as tarefas que este lhe atribuía.
Capataz dos homens do mar
O capataz
ordenava e conduzia o trabalho de todos os que utilizavam o cais, mas o cargo
foi suprimido em 1788, com a indicação de nunca mais haver tal ocupação. A
câmara passa então a nomear quatro de ganhar no cais, sendo um deles porteiro e
outro jurado. O primeiro para os ofícios da câmara e o segundo para correr a
renda do verde. Eram dispensados do serviço apenas em dias de câmara ou de
audiências. Faltando eram penalizados em dois dias de vencimento na primeira
vez, na segunda vez uma semana de vencimento e à terceira era expulso não
podendo voltar a trabalhar no cais. Os homens de ganhar nomeiam um dos menbros
que fica obrigado a fazer a coleta e respectivo pagamento todas as semanas.
Confraria dos homens do mar
Desde meados
do século XVII que os marítimos estão enquadrados no plano profissional e
religioso, através das suas corporações e confrarias, assumindo sempre um
protagonismo nos principais acontecimentos, porque são invariavelmente os
principais contribuintes. Podem recusar nomeações para cargos públicos
invocando serem homens do mar e de pertencer à confraria, como fez António
Gomes Lanseta.
Estiva
A estiva era
atribuída de diversas formas. A mais comum foi em pipas, cheias ou vazias, mas
também surgem em pessoas, moios e bestas.
A segurança
era um problema grave e real e a Câmara proíbe as muletas de fretar na Moita,
porque se viravam muita vez, e determina que todos os barcos fizessem estiva de
passageiros. Todavia, as multas por incumprimento deste acordão foram sempre
muitas: os arrais optam pelos seus interesses económicos e não hesitam em
correr riscos. Um deles, cujo barco tinha de estiva vinte pessoas, transportava
trinta e sete; alegou que os excedentes eram todos da Moita, e como não
pagavam, podiam viajar para além da estiva.
Vistorias
Todos os
barcos estão sujeitos a vestorias, que analisam as condições de navegabilidade,
interditando os que não apresentavam segurança, que eram executadas mesmo à
revelia dos proprietários, acontecendo os jurados darem licença para navegar
apenas por algumas marés.
A falta dos
acessórios obrigatórios ou outra qualquer anomalia podia impedir o barco de
seguir viagem. Se a falta não pusesse o barco em perigo imediato, era concedido
um tempo determinado para repor as faltas, como aconteceu em 1800, quando se
constatou durante a vistoria a uma embarcação que esta não tinha prancha.
Foi-lhe autorizado fazer a viagem na condição do dono do barco comprar outra no
prazo de 24 horas.
Acidentes
A partir de de
1788 os jurados e louvados que fazem as vestorias ficam responsáveis pelos
prejuizos caso haja acidente provocado por excesso de estiva. Não sabemos qual
a amplitude dos acidentes marítimos pois tal só será possivel investigando toda
a documentação que a tal respeito possa dar informações como os Livros Mistos e
os Livros de Óbitos, todavia deveriam ser regulares pois abrindo um dos Livros
Mistos da Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem deparei com o caso de um
jovem de nome Veríssimo referido como tendo morrido afogado, e também tendo em
consideração alguns estudos efectuados em concelhos vizinhos sobre esta
temática.
Também a
vereação de 1788 declara que todos os dias acontecem estragos lastimosos, que
necessitam pronta vigilância para segurança geral, visto os barcos andarem
desaparelhados, carcomidos e sem tripulação adequada.
Em 1800 o
barco de Manuel Inácio estava tão arruinado que à saída do Montijo (entenda-se
Rosário) voltou para trás porque metia tanta água que punha em perigo a vida
dos passageiros.
A tradiçaõ
popular também fgaz referências aos homens que morriam nas bateiras origem de
muitas viúvas que haviam.
Significativa
é também a contínua referência às verbas necessárias para manter acessa a
lâmpada das almas dos passageiros, que ao longo dos séculos foi obtida por
diversas formas e revela a preocupação da comunidade tanto em relação aos que
pereceram como aos que eventualmente viessem a ser vítimas de naufrágios.
Barcos de pesca
Mas a
actividade dos barcos não se esgota na carreira. Os barcos estão ligados a
todas as outras actividades do Concelho. Nesse contexto os pescadores assumem
um papel de relevo porque simultaneamente fazem fretes de cargas e passageiros
sempre que o movimento na carreira aumenta, funcionando como precalço e
contra-precalço e pareçem muito mais interessados nesta actividade do que
propriamente em pescar. Em 1672 determinou a Câmara de Alhos Vedros que os
pescadores da vila e termo pudessem vender o peixe em sua própria casa depois
de almutaçado e quem viesse de fora teria de o vender no paço. Os pescadores da
terra levariam a maior quantidade de peixe capturado para Lisboa e outras
praças pois nas suas petições à Câmara referem sempre o pouco uso que dão ao
cais da Moita. O consumo de pescado (e também de carne) era baixo pois os pescadores
estavam sujeitos a trazer à vila uma canastra de peixe ou duas caso fizessem
cerco nos limites do termo, o que era muito pouco tanto em relação à capacidade
de pesca como em relação às necessidades de consumo. Nesta matéria a
frugalidade era a principal característica dos moitenses assim como as condições
de habitação e o nível de vida a roçar a miséria. O peixe mais consumido seria
decerto a sardinha pois é regularmente referida entre os géneros sujeitos ao
imposto do usual e referido como alimento do povo.
Barcos com funções específicas
Moinhos e
fornos tem barcos próprios, carregadores de mato são simultaneamente barqueiros
que levam mato e tojo para Lisboa em barcos a remos. Barcos de água acima vinham vender azeite e outros produtos. As
pequenas indústrias locais que aí existiam como o vidro, a cerâmica, a cal e os
cortumes, tinham barcos próprios. Também são referidos nos documentos barcos de
pescar e outros pequenos que sobem o Tejo, assim como barcos chatos de remos,
canoas, muletas, fragatas e escaleres cacilheiros. Para carregar sal vinham
toda a espécie de barcos.
Valor dos barcos
O barco
comparado com outros bens é um bom investimento. Apenas algumas estalagens e
alguns moinhos se lhe equiparavam no investimento e nos lucros, por isso é também
sobrecarregado com os impostos. Para o arrendatário tambem é um bom negócio,
porque fica com larga margem de lucro, mas será sobre ele que recaem as
dificuldades locais.
Compra
Os compradores
de barcos optavam pela construção dos seus próprios barcos e foi por isso um
bem raramente trasacionado, assumindo um valor só acessível aos mais
endinheirados. O seu custo era de cerca de 100 000 reis em 1630, pelo que se
depreende do negócio entre Pero Fernandes Monte e Tomé de Matos Neto, em que o
primeiro cede metade de uma barca que havia construído por 49 308 reis.
Outras pessoas
adquiriram barcos como José Ferreira em 1732, não referindo o seu custo mas tão
só a solicitação para entrar na carreira pagando o mesmo que os outros barcos
Renda
O arrendamento
foi também pouco frequente pois os proprietários preferiram contratar a
tripulação.
Em 1646
Francisco da Rosa arrendou um barco aparelhado com todos os seus governos,
assim de velas como de fateixas e cordas, a Gonçalo Fernandes e sua mulher, por
um ano à razão de 30 000 reis pagos aos quartéis em moedas de prata.
O conde de
Alvor, em 1697, arrendou um barco chamado o
pequeno, por três anos, à razão de 60 000 reis por ano, a António Gomes,
homem marinheiro. O barco seria entregue no fim do arrendamento no mesmo
estado, ou seja, bom de conserto de calafate, com suas velas e mais aparelhos e
uma vela nova. Somente deixará de fazer a entrega caso Deus não permita e se
arruine por fogo ou tempestade ou outro caso em que o rendeiro não seja culpado.
Obras no cais e acesso
Tanto o cais e
seus acessos, como a respectiva cal exigiam constantes obras de reparação e
manutenção, pelo que representava elevados encargos financeiros. As vistorias e
ordens de pagamento para a realização destas obras surgem amiúde nos Livros de
Vereações.
No século XVII
são eferidas diversas obras de manutenção ou aumento do cais contratando a
Câmara de Alhos Vedros os pedreiros e carpinteiros necessários para a sua
execução.
Em 1722 a
Câmara da Moita decide mandar fazer o cais em pedra. A obra foi arrematada pelo
pedreiro Pedro Gomes, de Lisboa, pelo seguinte preçario:
Braça de
grade
4.760 reis.
Braça de
alvenaria
5.700 reis.
Vara de enchelharia
960 reis.
Vara de degrau
de padaria com seus rebochos
1.160 reis.
Vara de lajedo
de gasto
460 reis.
Vara de jajedo
tosco para fundamentos 360 reis.
Vara de
betume
70 reis.
Cada gato de
ferro para lear as juntas à pedraria
300 reis.
Braça de
estacaria
4.760 reis.
Da importância
total da obra depois de acabada o arrendatário comprometia-se a abater a
importância de 100.000 reis.
Alguns anos
depois um acórdão municipal proíbe que se façam fogueiras junto às paredes do
cais, fosse para tingir redes ou para derreter alcatrão ou breu para as
calafatagens pelo evidente prejuízo. Consequentemente segue uma determinação
para que o cais fosse betumado.
Nas décadas
seguintes continuam a surgir diversos autos que referem o lançamento de impostos para obras de reparação e
manutenção do cais.
No final do
século o cais já ameaça ruína. Por isso os donos dos barcos decidiram
contribuir com algum dinheiro para a sua recuperação, assim definido; o barco
da carreira 1.200 reis semanais, e as bateiras e faluas 200 reis, enquanto a
obra durasse. Nesta contribuição deveriam também participar os almocreves de
Setúbal em virtude dos acordos que tinham estabelecido com as corporações
moitenses e pelos quais usutruiam das mesmas condições dos sseus moradores.
Todavia estes recusam pagar, excepto Joaquim Duarte que tinha vinte bestas em
serviço de aluguer entre Setúbal e a Moita e se obrigou a pagar por cada uma
500 reis.
Os acessos
foram objecto de melhoramentos a partir do século XIX com a finalidade de
proporcionar uma melhor acessibilidade às carretas que necessitavam chegar ao
cais. O principal foi a construção de calçadas nas principais ruas da vila,
sobretudo na estrada que vai para Setúbal.
Antes ainda do
final do século os marítimos sustentam que são donos do cais, pois foi à sua
custa a construção e de igual modo a manutenção, mas a câmara nunca o
reconheceu mantendo sempre a sua administração, regulamenmtação e direitos,
sendo assim a proprietéria directa e a beneficiária das contribuições e
impostos lançados sobre os seus utilizadores.
O
estabelecimento de algumas indústrias obrigou à construção de cais adequado ao
produto a transportar. Foi o caso da fábrica de sola situada à saída da vila
cujo proprietário pediu autorização para construir um cais que servisse de
serventia à dita fábrica. A câmara permitiu a construção na condição de outros
barcos utilizarem o cais, desde que não impedissem o trabalho normal da
fábrica.
A Vila
A vida local é
regulada pela maré; do cais à igreja ficava a estalagem, a taberna, o
boticário, o ferrador, o pelourinho e a cadeia. Era esse o centro económico e
social da Vila, pois ao longo de dois séculos houve sempre passageiros, mesmo
em épocas de crise.
Pelos livros
de registo das décimas dos prédios urbanos, sabemos que a vila constava de duas
ruas, designadas rua da estrada de Setúbal e rua direita, ruas secundárias para
os lados do cais, do porto, da praia e para ambos os lados da igreja, todas
ligadas por travessas, que mostra um urbanismo que se foi desenvolvendo em
função do rio.
Tomando como
exemplo o ano de 1810 podemos constatar que na vila da Moita, num total de 226
prédios urbanos havia 4 fornos, 2 adegas, 1 fábrica de sola, 1 moinho, 3
lagares, 1 casas nobres com adega, 1 cadeia, 2 estalagens, 2 cavalariças, 1 fábrica de aguardente, 1
açougue, 1 forja, 2 casarões, 3 armazéns, 1 casa para cobrança de dízimos e 1
casas da câmara.
Tipologia dos barcos
Os barcos
admitidos na carreira tem características específicas inerentes à sua função.
São designados por botes, bateiras e faluas. Outros barcos não são admitidos por não oferecerem
segurança. A tipologia dos botes e bateiras, nos autos referidos, não se
enquadra totalmente na compilação
iconográfica elaborada por João de Sousa.
Quanto ao
velame são muito semelhantes às fragatas e às bateiras de Porto Brandão, mas
quanto ao casco, por serem chatos ou de meia quilha, encontram-se mais ligações
aos batéis e barcos de Ribatejo. A. A. Baldaque da Silva mostra que o bote da
Moita é um varino um pouco maior, adoptando a sua vela e acrescentando outra de
estai. Quanto ao casco são muito semelhantes aos diversos tipos de embarcações
destas vilas ribeirinhas.
O bote da
Moita é, pois, uma fragata mais pequena de fundo chato, ou um varino maior com
vela de estai. E é um filho deste acasalamento que a descrição poética de Luís
Chaves explica muito bem: o varino é feminino, gentileza grácil de feitio leve
e risonha, a fragata é masculino, bem assente na água, tão à vontade como um
cavaleiro seguro a cavalo.
A forma destes
botes – fragatas – varinos distinguem-se por pequenos grandes promenores de que
resulta uma grande variedade. A descrição de Baldaque da Silva aplica-se
perfeitamente ao que se passa na Moita, tanto em relação aos barcos que navegam
como aos que são só esqueletos enterrados na lama. A tipologia arquitectónica é
adaptada a cada função, assim como as características decorativas que divergem
segundo essas funções. Nos vários autores consultados nenhum deles faz qualquer
referência a características específicas do barco da Moita, todavia o bote –
varino, embora da família das embarcações usadas nos concelhos vizinhos, e
mesmo em outras regiões como o Sado e na Ria de Aveiro, as suas dimensões e
calado logo a sua capacidade de transporte, que visava obter o máximo
rendimento do esteiro e da cal que utilizavam todos os dias, acaba por adquirir
uma forma ideal nesse objectivo, fruto da experiência que gerações foram
acumulando.
Decoração
As típicas
pinturas decorativas, cujas origens remontarão possivelmente aos romanos,
surgem com características diversas nas fragatas, moliceiros e saveiros. Na
Moita podem ainda encontrar-se barcos que se enquadram em qualquer dos tipos
referidos sendo uso cumum os painéis de evocação amorosa ou religiosa, atitudes
e costumes locais e flores estilizadas. O bote e o varino da Moita é pintado
exteriormente em faixas horizontais de cores vivas, que se enquadra num movimento
mais vasto em todo o rio Tejo e mesmo nas vilas atlânticas.
Este trabalho
fui publicado no jornal “Notícias da Moita” entre Março e Agosto de 1997.