A construção do cemitério na Moita
No nosso país foi prática secular, o
enterramento dos mortos dentro e em redor das igrejas, até meados do século
XIX. Embora logo em 1804 uma decisão régia proibisse tal prática, ninguém
respeitou a proibição e só em 1835 com a legislação de Rodrigo da Fonseca
Magalhães e sobretudo de Costa Cabral em 1844, os concelhos alteraram os
hábitos pouco higiénicos de sepultar os defuntos nas igrejas, e construíram
cemitérios fora das localidades segundo os modelos definidos pelos
legisladores.
Na Moita, logo em 1835 a câmara resolve
construir um cemitério na extremidade da vila, porque, “pretende por meio de
medidas sanitárias prover à salubridade da terra” pois o cemitério existente
estava no centro da povoação. Em conformidade com esta decisão, ordenaram: que
fosse arrancada a pedra junto do muro do cemitério junto à igreja e
transportada para o sítio do Porto, onde se pretende estabelecer o novo
cemitério; que este fosse inspeccionado pelo médico do concelho; que a obra
fosse avaliada e arrematada, descontando a pedra do muro demolido, “atendendo
ao pouco fundo do concelho e à inutilidade daquele muro depois”. Acrescenta
ainda o auto de vereações, “que se demolisse o muro do antigo cemitério junto à
igreja matriz desta vila visto que por medida sanitária não convém conservá-lo
naquele lugar, e não fazer parte da igreja, mas obra da população e do concelho,
e mesmo porque não só a pedra dele poupa despesa no novo cemitério, mas também
porque vem a ficar o chão que era dele fazendo parte do adro”.
Simultaneamente constata a câmara que
não tem verbas para avançar com a obra, por isso acorda em fazer uma subscrição
pública para realizar as obras, autorizando o secretário da câmara a inscrever
o nome e as quantias que cada pessoa prometesse. Parece que esta subscrição não
teve a adesão esperada, não constando que alguém tivesse aderido, pois em Março
do ano seguinte conclui a câmara que as receitas não chegam para fazer face às
despesas para construir o novo cemitério pelo que decidem lançar um imposto
para eliminar o passivo. Assim ficou estabelecido: 800 reis por cada pedra de
moinho de maré e 1600 reis por cada pedra de moinho de vento, pagos todos os
trimestres; 800 reis por semana a todos os barcos de fora da vila, de uma só
vela ou mastro, sejam fragata, batel, falua ou bote; 200 reis cada vez que
qualquer pessoa de fora descarregar lama ou estrume no Porto.
Todavia não é possível afirmar que este
cemitério tivesse sido construído ou mesmo se tivesse feito enterramentos,
visto que os livros de vereações não voltam a referi-lo e os livros de óbitos
não são explícitos sobre o local onde os enterramentos se efectuavam, além de
que a sua localização não correspondia às exigências legais.
As dúvidas aumentam quando constatamos
que no ano seguinte, de 1836, pouco mais de um ano depois das decisões
anteriores o administrador do concelho, em cumprimento do estipulado no ofício
da administração geral, solicita à câmara que “informe sobre o estado em que se
acha o cemitério”, tendo a câmara respondido, “que ele (administrador do
concelho) bem sabe que o cemitério se acha estabelecido no sítio de S.
Sebastião, com paredes e altos e entogados valados até que as forças do cofre
permitam total muração”, acordando no mesmo auto que o padre da freguesia fosse
oficiado para benzer o chão designado, em S. Sebastião, para nele se enterrarem
os mortos. Nesse sentido o padre da freguesia, António Marques da Conceição
Albano pede uma cruz “ da altura de um homem” pintada de preto, três velas de
quarto e um padre para coadjuvar na bênção do terreno. A câmara resolveu que as
pretensões do padre fossem imediatamente satisfeitas.
Como se constata a informação é
contraditória, pois as decisões anteriores estipulavam a construção do
cemitério no sítio do Porto, pelo que esta inversão súbita de posições apanha o
administrador desprevenido e daí a urgência em benzer o novo local, talvez
porque o Porto não correspondia às exigências para a construção e
simultaneamente continuar a fazer enterramentos dentro do espaço sagrado da
igreja, como era o caso de S. Sebastião, local tradicionalmente utilizado para
o efeito.
Em 1838 uma portaria do ministério do
reino mostra que as anteriores tentativas de construir o cemitério não passaram
disso mesmo, pois avisa a câmara para o construir no prazo de três meses,
deliberando esta dar-lhe cumprimento. Agora a solução é diferente das
anteriores, sendo escolhido o terreno por detrás da igreja de Nª Senhora da Boa
Viagem, que foi adquirido por 48 000 reis aos herdeiros de Veríssimo Ferreira
Chaves. Em Março deste ano é resolvido iniciar-se a construção deste novo
cemitério, adquirindo a câmara mais um terreno e respectivo muro que é
divisória do quintal, assim como uns pardieiros de Sebastião José Prudêncio
pela quantia de 12 000 reis. O estabelecimento do cemitério neste local
envolveu ainda outros acordos de menor importância com os rendeiros dos
terrenos para que estes abdicassem do local.
Em Maio a câmara entende que estão
reunidas as condições para que o local seja utilizado, porque “não podendo por
mais tempo enterrar-se os cadáveres no sítio de S. Sebastião, e achando-se o
novo cemitério de tal modo já construído… se oficiasse o pároco desta freguesia
para proceder à bênção do novo cemitério hoje, visto que ao presente há um
cadáver a enterrar”.
Esta inauguração foi no entanto
antecipada, pois só em Junho a câmara contratou os pedreiros Eloi Rodrigues e
Palos Joaquim para proceder às obras, e manda pagar 12 000 reis a António
Rodrigues Mira referentes a cinco moios de cal que forneceu para a mesma. Em
Agosto foi pago ao carpinteiro José Claudino de Abreu 3 170 reis referentes à
construção da porta do cemitério, pregos e vencimentos, e só no ano seguinte
foi pago 3 320 reis ao ferreiro João Tavares pelas ferragens que fez.
No ano de 1839, o deputado Passos Manuel
exige um relatório à câmara onde esta referisse as obras efectuadas no concelho
após a guerra civil. Na resposta é afirmado que nesse período se construiu uma
Calheta para conduzir as águas do chafariz e um cemitério. Em 1840 é decidido
plantar árvores no largo da igreja que havido servido de cemitério.
Após estas notícias os documentos
calam-se, só voltando a referir-se ao cemitério na década de sessenta.
Nos livros de vereações iniciado em
1864, constata-se que o cemitério volta a ser preocupação da câmara pois é
confrontada com a obrigação de mudar de local, visto que o utilizado não
obedece às normas estipuladas, sobretudo o cemitério em S. Sebastião, pelo que
se torna necessário adquirir ou expropriar pelos meios legais o terreno
conhecido pela, courela da Severina, para construir o cemitério o mais breve
possível.
Em 1865 é a câmara aconselhada
“energicamente” a fazer o novo cemitério, no local previsto, a Norte da calçada
de S. Se bastião, pelo que inseriu no orçamento desse ano a verba de 1000$000
para a referida construção. A câmara chega a acordo com os proprietários da
courela da Severina. Adquiriu o terreno por 160 000$000. Todavia ainda nesse
ano entende a câmara que a verba orçamentada fosse aplicada no reparo da
calçada de S. Sebastião e na vala do Juncal que estava tapada, e, solicita
autorização para que as muralhas do cemitério fossem construídas por
arrematação e a construção do pórtico de pedra lavrada e o portão de ferro
fundido por administração municipal. Como tais pretensões não são aceites,
entende a câmara aguardar por “melhor estação” para fazer as obras.
Nos anos seguintes não volta a ser
focado o assunto e só em 1870 a câmara constata a necessidade de construir não
só o cemitério como as casas da câmara e o assougue, propondo-se para isso
contrair um empréstimo de 12 000$000 reis a uma entidade bancária e lançar um
novo imposto de 10 reis por cada carga de 15 kg que fosse transporta pelas
embarcações nos cais da vila.
Ainda em 1870 a câmara compra mais um
terreno a Joaquim António da Silva por 200$000 reis e adquire outro a Francisco
Xavier de Jesus, dando-lhe 8 m2 de terreno onde pudesse estabelecer um jazigo
de família e o usufruto das oliveiras frente ao cemitério onde estava
projectado estabelecer uma alameda.
Em 1871 é finalmente orçada a obra do
cemitério, cujo custo se verificou ser de 1 324$431 reis que se deveria obter
por empréstimo a pagar em vinte anos. A este propósito defendia o então
presidente, “não são exigidos sacrifícios aos povos para a realização de tão
grande cometimento, entendo que não o devia encarecer, porque a execução de tão
brilhante pensamento para obras tão monumentais, vai assinalar uma nova época
no concelho da Moita”.
Apesar disso um ano depois as obras
continuavam não sendo decerto no ano de 1872 que se conclui pois em Julho as
obras previstas não se realizam, assim como é decidido alterar o pórtico de
entrada porque este parece, “o portão de uma quinta”. Após 1872 não é possível
continuar a acompanhar a evolução desta construção porque não existem os
respectivos livros relativos aos vinte anos seguintes.
Independentemente das peripécias na
construção dos vários cemitérios no concelho da Moita, refira-se que neste
período ninguém respeitou a proibição de enterrar nas igrejas, continuando essa
prática, não só, junto da igreja da Moita e S. Sebastião como foi prática
corrente dentro e no adro das igrejas do Rosário e de Sarilhos.
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