A vila da Moita e a população no
final do Antigo Regime
O Livro de décimas dos prédios
urbanos, diz-nos que no ano de 1810, o seu total é de 226, sendo 18 ocupados
pelos próprios proprietários, 154 arrendados, 6 devolutos e 3 isentos do
pagamento de décima.
Nestes 226 prédios, 132 são casas
térreas, em que 6 tinham sótão, 1 armazém, 1 forja e 2 casarões agregados. 79
são de laje e sobrado, tendo um cavalariça, 2 armazém e 16 serviam outras
actividades, a saber: 1 casa para cobrança de décimas, 4 fornos de cozer pão, 2
adegas, 1 fábrica de sola, 1 moinho de maré, 3 lagares, 1 casa nobre com adega,
1 cadeia, 2 estalagens, 1 cavalariça, 1 fábrica de aguardente, 1 assougue, 1
casa da Câmara.
Haviam casas que eram utilizadas como
habitação e onde os moradores desenvolviam as suas actividades profissionais,
como sejam: alfaiates, ferreiros, barbeiros, ferradores, boticários e os
sapateiros. Verifica-se a mesma situação para as casas do escrivão da Câmara
que serviam também de escritório, do professor que servia de escola e da
rodeira que servia como casa da roda. Inversamente a casa do médico nunca serve
de hospital, neste caso a Câmara determina qual a mais conveniente para o
efeito, o que só acontece esporadicamente, como em épocas epidérmicas.
Do total de prédios, 154 estão
arrendados e pertencem a 52 pessoas diferentes, sendo os principais
proprietários: o Morgado de Paredes com 18 propriedades, João Libânio Soares da
Costa com 12, e José Pedro Soeiro, João Pinheiro Borges e João Batista
Barritier com 9. Surgem ainda 1 proprietário com 7 prédios, 3 com 5, 5 com 4, 3
com 9, 9 com duas e 8 com 1. Refira-se que 1 estalagem é propriedade do
Hospital Real de S. José, de Lisboa.
A verba total de décimas cobradas neste
ano de 1810, foi de 4 680 900 reis. Estes prédios desenvolvem-se paralelamente
ao rio, o que se comprova pela cartografia da época e a sua localização é
numerada e localizada como se segue: 1 na Rua Direita, 8 Travessa do Lavra, 39
Travessa, 52 rua da Estrada de Setúbal, 110 lado direito da igreja, 131
Travessa, 142 lado da praia, 150 lado esquerdo, 161 lado esquerdo, 163 lado do
cais, 169 Travessa, 170 lado esquerdo, 174 Travessa do lado esquerdo, 175
Travessa do lado direito, 179 Travessa, 184 lado esquerdo, 185 Beco, 192 Beco,
200 lado da praia, 202 na direita, 209 Travessa do lado direito, 210 Travessa
do lado esquerdo, 211 na direita.
Como se constata a vila tem apenas duas ruas e
as travessas e becos não são referidos com nomes que as, pelo que a confusão é
grande e actualmente bastante difíceis de localizar.
Pelas plantas das moradias,
inseridas no Livro do Tombo da Misericórdia de Alhos Vedros, podemos afirmar
que as condições gerais de vida da população eram miseráveis. Uma pequena
divisão, fosse térrea ou de sobrado, servia toda a família e reunia todas as
funções.
Com o aproximar do final deste
período, os prédios urbanos vão sempre diminuindo. Assim em 1800 eram 234, em
1820 não chegam a 200, aumentando também o número de casas devolutas ou
arruinadas, diminuindo proporcionalmente a população, sinal da crise geral que
o país atravessou.
A Câmara tomava ainda medidas de
protecção contra as catástrofes, mandando demolir os prédios que ameaçavam
ruir, como aconteceu várias vezes, ou mandando alterar a construção como em
1815 em que o dono de uma barraca pretendia fazer a cobertura com palha e foi
obrigado a construi-la com telha, devido ao, perigo de incêndio. Pelos
referidos livros de décimas sabemos também que existem 166 propriedades
rústicas, distribuídas da seguinte forma: 121 fazendas, 11 terras, 11 quintas,
9 vinha e terras, 6 serrados, 3 vinhas, 2 terras de baldio e mato e 1 serra.
Estes prédios estavam divididos por
47 proprietários, sendo que Veríssimo Ferreira Chaves detinha 30 propriedades,
que rendia, anualmente 36.000 reis e o Morgado da Casa da Cova 27 que rendiam
175 000 anualmente. Seguiam-se José de Sousa Castelo Branco com 19 e o Morgado
de Paredes com 10. A restante propriedade estava mais dividida, havendo 2
pessoas com 8 propriedades cada, 12 com 7, 1 com 3, 2 3 com 2. As restantes são
propriedades individuais.
Os proprietários rústicos são as
pessoas mais influentes na vida política do Concelho, como é exemplo Veríssimo
Ferreira Chaves que ocupa sempre posições de relevo na administração local,
tanto como homem da governança e por isso regularmente vereador ou presidente,
como por ser o capitão das milícias e ordenanças, como por outros cargos
menores, chegando a Câmara a adiar decisões devido à sua ausência.
Estes proprietários são
maioritariamente nobres, como o Marquês do Lourival, para além dos já
referidos. Outra parte significativa pertence às instituições religiosas,
concretamente a igreja de Nª Sª da Boa Viagem, as religiosas da Esperança, ao
Santíssimo das Mercês, à confraria do Santíssimo Sacramento e às freiras de santa
Clara.
A propriedade rústica era
essencialmente foreira. Isto é, o domínio directo das propriedades pertenciam
ao titular do foro, cedendo este o domínio útil da propriedade em troca de
compensação em dinheiro ou / e géneros, ou seja, o foro. O proprietário do
domínio útil podia depois arrendar a propriedade ao camponês ou empregar
camponeses assalariados.
Neste ano de 1810, que estamos a
utilizar como exemplo, apenas 21 proprietários não pagam foro, quer dizer, eram
proprietários livres, pois a mesma pessoa é proprietária útil e directa. 120
são exploradas pelo proprietário útil e apenas 35 são arrendadas a camponeses
que não tem qualquer direito sobre essa terra.
A população seria no final do Antigo
Regime próximo do milhar, mas apenas 65 tinham direito a voto, e só
relativamente a questões locais, sendo 41 da classe do povo e 24 da classe da
nobreza.
Em cumprimento de um alvará de
7-2-1809, a Moita é obrigada pela Junta do Comércio a contribuir com 30 000
reis de contribuição extraordinária, paga pelos oficiais, comerciantes,
fabricantes, capitalistas e rendeiros. É feita a lista de nomes e profissões
abrangidos pelo alvará, decerto as mais importantes a nível local e da quantia
que deveriam pagar. Vejamos as profissões e o respectivo número de oficiais que
nela trabalhavam: carpinteiro 6, pedreiro 4, alfaiate 2, sapateiro 5, barbeiro
3, ferrador 3, ferreiro 1, boticário 2, torneiro 2, moleiro 5, tendeiro 12,
padeiro 13, rendeiro de fábricas 2, negociantes e traficantes 21, casas de
venda de bebida 23, rendeiros das rendas públicas.
Estes não eram os únicos ofícios,
pois pelos documentos verificados viveriam também na Moita cerca de 50
marítimos, que era a classe social mais importante e a de menor peso político e
ainda três padres. Também são referidos diversos viúvos, que se ocupam em
actividades comerciais, sobretudo taberneiros, vendedores de aguardente, azeite
ou tecidos. Quase todos viviam em prédios cedidos gratuitamente pelos
proprietários mais ricos, pois a viuvez trazia normalmente problemas de subsistência.
Nos livros de sisas verifica-se que duas viúvas cujos bens foram penhorados e
vendidos em leilão público para pagar impostos de que os maridos eram
devedores.
Outras actividades profissionais são
referidas em diversos documentos, a saber: carregador, carreteiro, caminheiro,
trabalhador, lavadeira, mateiro, tecedeiro, calaforte, servente, aguadeiro,
maioral, feitor, cardador, arrais, padre músico, boieiro, almocreve, carreiro,
tosquiador, cortador, caixeiro, pescador, pescador de limos, guardador de
porcos, guardador de vacas, fazendeiro, cavador, trabalhador de enxada,
tanoeiro, médico, cirurgião, mestre de 1ª letras, advogado, escrivão, mercador,
rodeira e amas de leite.
Aspectos irónicos podem tomar
algumas das alcunhas dos moitenses desta época, algumas com raízes anteriores,
como os seguintes: Almocreva, Arrepia, Ferrinho, Não Perca, Moço, Norte, Preto,
Boca, Bosques, Barão, Bexiga, Catita, Calhau, Desguerrada, Papa, Palmelão,
Cuco, Catim, Casado, Capelão, Francês, Espanhol, Marralha, Carro Meu, Caramelo,
Calafate, Cota, Coenca, Carrilhão, Formiga, Gago, Maurício, Mãos Largas, Parra,
Paralta, Inglês, Lança, Lancha, Laranjeira, Casa Grande, Carpinteirinho,
Caitinho, Candeias, Forneiro, Guialheiro, Maçacote, Lasca, Padre Santo, Ponce,
Pá Curto, Russo, Rapaz, Rijo, Sigarro, Sênção, Solteiro, Sapateiro, Sol Posto,
Temperilho, Velho Olho de Vidro e Quadrado.
Notícias da Moita. 15 de Junho de
1996.
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