As touradas na Moita
O gado bovino está intimamente ligado ao
desenvolvimento da vila da Moita, pois ao longo dos séculos XVII e XVIII, foi o
transporte de bens e pessoas de Lisboa para o sul do país e deste para Lisboa a
grande riqueza dos moitenses e sua principal actividade. Da Moita para Lisboa o
transporte era efectuado de barco mas para o sul era feito em carretas puxadas
por bois. No final do século XVII estavam registadas mais de meia centena
destas carretas, havendo ainda uma dezena de animais destinados à reprodução.
Não admira, portanto, que os moitenses estivessem familiarizados com estes
animais e discutissem as suas características, comportamentos e capacidades,
para os diversos trabalhos em que eram utilizados. Ainda hoje, homens e
mulheres, adultos e crianças, conversão sobre o gado bovino com verdadeira
paixão, utilizando termos e vocabulário próprio dos entendidos.
Apesar disso nunca a Moita foi produtora
de gado, nem mesmo para as necessidades locais, fossem animais de trabalho ou
para alimentação, visto o concelho ter uma área demasiado pequena, logo incapaz
de fornecer as forragens e os pastos indispensáveis. Pela mesma razão nunca
houve no concelho qualquer ganadaria ou criação de gado bravo para ser lidado e
corrido. Ainda assim, a corrida de touros autorizada e legalizada, surgiu na
Moita englobado no movimento mais amplo que se desencadeou por todo o país após
a guerra civil, que terminou em 1834.
Já antes, porém, tinham havido corridas
de toiros no concelho, não na Moita mas no Rosário, que se faziam à revelia das
autoridades, pois no auto de vereação de 10-5-1809 a câmara afirma que José
Gomes Claro, (na época dono de treze das catorze casas existentes no lugar),
pretendia fazer uma carreira para Lisboa e abrir uma estalagem, a que os
vereadores se opunham, porque, entre outras razões, para a construção da
estalagem desmanchou o cruzeiro de pedra que havia no adro da igreja fazendo
outro em barro e levou uma carrada de pedra que os devotos da Sª do Rosário
tinham colocado no arraial onde se corriam toiros.
O primeiro pedido para realizar uma
tourada por ocasião das festas de Nª da Boa Viagem surge em 1835. Nesta ocasião
a câmara autorizou somente a realização de uma capação de bois, porque os povos
pretendem desse modo mostrar a sua satisfação pelo governo da rainha e o
provedor do concelho também aprovou por não ver no pedido senão inocência.
No ano seguinte os festeiros do arraial
voltam a pedir autorização para realizar duas corridas, com a intenção de
mostrar o regozijo do povo por Nossa Senhora e pela programada abertura das
cortes da nação. A câmara aprovou, atendendo à satisfação referida, e mandou
que a polícia se encarregasse de manter a boa ordem.
Os toiros voltam a ser referidos nos
livros de actas da câmara só em 1871, concretamente para se construir uma praça
de toiros. Sinal de que a festa foi garantindo adeptos e entusiastas e que
manteve alguma regularidade ao longo destes anos. Em Agosto desse ano o
presidente da Sociedade Tauromáquica Renascença, Sr. José Augusto Ferreira
Chaves, pediu de arrematação a longo prazo um terreno no sítio no sítio da
Caldeira, para construir uma praça de touros, mas a câmara não aceitou o pedido
sem que primeiro fosse feita a escritura da formação da Sociedade. Em Setembro
a Sociedade Tauromáquica volta a fazer o mesmo pedido juntando os documentos
exigidos pela câmara. Nesta ocasião, considerando a câmara, que deste
arrendamento resultava a maior conveniência municipal, não só porque aumentava
as rendas próprias, porque provocava um grande movimento e actividade na sede
do concelho, devido à visita de muitos estranhos e assim aumentar as receitas
públicas e particulares, deliberou arrendar o referido terreno por vinte anos,
pelo preço de 18 000 reis anuais, sob as seguintes condições: 1º que os 18 000
reis do arrendamento deveriam entrar nos cofres da câmara até trinta de Junho
de cada ano, sem quebra, falta ou diminuição; 2º que o contrato é feito com
todos os indivíduos que compõem a sociedade, ficando todos responsáveis em suas
pessoas e bens ao pagamento da renda; 3º que após o concelho de distrito
aprovar este contrato, seria ultimado pela câmara e pela sociedade tauromáquica
por meio de escritura pública; 4º que não podendo o terreno servir para outro
género de construção, visto ser um sapal, será alterado pela sociedade,
deixando na construção um número de boieiros a indicar pela câmara, para a
entrada e saída das águas do rio, obrigando-se a câmara na proximidade das
corridas a fixar a porta de água, para evitar que a praça seja inundada; 5º se
por motivo inesperado a sociedade tauromáquica fosse extinta antes de terminar
o prazo do arrendamento, de forma que se extinga a praça, a câmara considerará
a rescindido este contrato.
Em Fevereiro do ano seguinte de 1872,
foi lavrada e assinada escritura de arrendamento na presença do notário Luís
Chandelier Júnior.
A realização de touradas na Moita passou
a ser também a principal fonte de receitas utilizadas pela Misericórdia de
Alhos Vedros na assistência social que prestava. Isto porque todos os
espectáculos eram obrigados a entregar 10% das receitas a uma instituição de
caridade. As verbas provenientes das touradas na Moita eram entregues à
misericórdia de Alhos Vedros que assim fazia depender a assistência que
prestava das verbas que obtinha através das corridas de touros, único
espectáculo que movimentava muitos milhares de pessoas. Quando após a
implantação da república os empresários da praça se recusaram a pagar essa
importância a assistência social prestada pela misericórdia deixou de se
realizar.
Notícias da Moita. 1/ 9/ 1996.
Sem comentários:
Enviar um comentário