Relembrar um
projecto
Sondagens arqueológicas junto à
igreja de S. Lourenço
Vai para quatro anos que a direcção da Cacav
decidiu elaborar um projecto que visava estudar a história local numa
perspectiva arqueológica. Este projecto vinha na sequência de várias
iniciativas que desde a fundação da Cacav se foram realizando pois sempre fez
parte do seu programa o estudo da cultura e tradições da nossa terra.
Assim, relembremos; o início das
comemorações do Foral, a publicação de textos e documentos inéditos,
calendários e postais, visitas de estudo e guiadas, encontros, colóquios,
teatro e cinema tendo como tema Alhos Vedros e a sua história, não esquecendo
os diversos projectos que apresentámos às entidades oficiais, os materiais que
recolhemos, os alertas para a defesa e recuperação do património e de forma
geral a sua divulgação em todas as actividades que realizámos.
Considerámos que a Cacav tem condições
para arrancar e levar a bom porto mais este desafio, até porque, devo dizer sem
qualquer vaidade, conhecíamos o terreno palmo a palmo e tínhamos o referido
curriculum que nos dava um conhecimento histórico elementar.
Assente e aprovado pela Cacav avançar
com tal projecto, coloca-se o primeiro problema. Fazer arqueologia onde e para
que? Conhecíamos diversos locais de interesse pré-histórico onde tínhamos
recolhido artefactos em sílex e cerâmicas. Localizamos locais de construções
religiosas dos séculos XVI e XVII entretanto desaparecidos, tínhamos plantas da
vila com ruas e casas perfeitamente definidos desde o século XVIII, sabíamos o
local exacto onde funcionam diversas indústrias, enfim, tudo lugares de
inegável valor arqueológico que mereciam, e merecem, sondagens e estudos
arqueológicos. Mas a pergunta permanece, arqueologia onde e para quê?
Perante o impasse tive o privilégio de
ser incumbido pelos restantes membros da Cacav de responder à pergunta e dar
corpo à ideia. Que fazer então? Começar pelo princípio voltando ao princípio.
Ou seja: procurar as raízes da ocupação humana nos limites da actual freguesia
de Alhos Vedros, do ponto de vista histórico, (não digo, pré-histórico),
começando por estudar os mestres da história local que se debruçaram sobre o
assunto.
Assim, respondendo à pergunta inicial, (que
consta do projecto apresentado e aprovado pela Cacav e que está à disposição de
todos os interessados nas nossas instalações) que é a seguinte: onde? Junto à
igreja matriz de S. Lourenço. Para quê? Para determinar com o rigor possível a
data da ocupação humana do local.
Porquê esta opção? Porque em face do
estudo actual da historiografia local é a questão mais pertinente, considerando
os estudos conhecidos e que passo a referir: Professor Rui de Azevedo que
defendeu a tese da formação de povoas marítimas na margem esquerda do Tejo no
período pós-reconquista de que resultou Alhos Vedros entre outras localidades.
A professora Maria Alfreda Cruz que para o caso específico de Alhos Vedros
confirma as opiniões anteriores e avança uma teoria económica que teria
proporcionado um desenvolvimento. O padre Carlos Póvoa relembra a lenda de Nª
Sª dos Anjos e procura pela via etimológica a origem da povoação. O professor
José Manuel Vargas analisa sob diversas perspectivas e defende a existência
medieval da nossa terra. O professor Paulo Guinot confirma as teses anteriores
e avança novas hipóteses de estudo.
Como se verifica, todos defendem que a
ocupação humana da vila se deu num período histórico, pelo que se torna fácil
entender porque excluímos dos nossos propósitos as preocupações pré-históricas,
para o caso concreto que pretendíamos esclarecer.
Porquê junto à igreja de S. Lourenço,
Por duas razões: a primeira porque é local onde as referências documentais são
mais tardias e alterações geológicas mínimas, logo as probabilidades de datação
serem mais seguras; segundo porque anteriormente o local já tinha sido sondado,
embora com outros propósitos.
Penso agora que todos entenderão porque
fizemos arqueologia. As nossas intenções eram e são, cientificamente válidas e
são o produto de um longo trabalho anterior. Não caímos do céu, não chagamos cá
agora. Posto isto, relembremos ainda que neste projecto tivemos diversos
apoios. Para além dos membros da Cacav, onde felizmente contamos com gente de
diversas áreas das ciências sociais e naturais e das artes, das entidades
oficiais, tanto civis como religiosas, autarquias, escola C+S de Alhos Vedros,
paróquia, colectividades e associações, referindo de forma especial o Instituto
da Juventude, diversos quadros das Câmaras da Moita, Barreiro, Palmela e
Almada. Com destaque para o arqueólogo Luís Barros que dirigiu e coordenou os
trabalhos.
Por último e voltando à questão que nos
propusemos esclarecer, qual a data aproximada ou exacta da ocupação do lugar?
Que conclusões devemos tirar do trabalho que fizemos?
Relembremos mais uma vez. No final das
sondagens o arqueólogo Luís Barros teve oportunidade de esclarecer em pormenor,
as pessoas presentes no centro cultural José Afonso, de todos os passos dados,
exemplificando e mostrando os objectos recolhidos e analisando a sua importância
para a história regional e nacional, que foi do agrado de todos e que me escuso
por motivos óbvios de referir. A conclusão final é de que se trata de um cemitério
medieval e foi essa a informação fornecida ao IPPC, o que em termos de história
nacional que um interesse relativo, visto existirem centenas de outros
similares.
Voltando à nossa questão, temos de
concluir que o nosso propósito não foi atingido e a questão não está
esclarecida. Entendo todavia que o trabalho foi útil e positivo e é mais um
passo para o conhecimento da nossa terra, pois podemos acrescentar algo ao que
já sabíamos. Ou seja, sabíamos que Alhos Vedros era habitado pelo menos desde
1298, ora nas sondagens que realizámos junto à capela de S. Sebastião, no
último nível das sepulturas que escavámos, estava depositado o corpo de um
indivíduo “in sito”, que tinha a acompanha-lo a típica moeda que lhe daria
entrada no céu, atribuída ao reinado de Sancho II, ou seja anterior a 1248.
Posso afirmar ainda, sem margem para dúvidas, que abaixo deste nível existem
mais dois outros níveis de enterramentos, cujas ossadas se encontram sobre as
fundações da capela. Sendo assim, e considerando que escavámos uma zona
periférica do monumento, não só faz recuar algumas décadas relativamente à data
que conhecíamos, como nos aproxima temporalmente do primeiro período da
reconquista, ou mesmo de um período pré-cristão, o que recoloca o problema da
lenda de Nª Sª dos Anjos, quer dizer, também esta lenda terá o seu fundo de
verdade.
Esteiro. Maio de 1996
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