A igreja e a festa
da Moita
Em Maio de 1631 uma provisão real
autoriza os moradores a construírem uma ermida de invocação a Nª Sª da Boa
Viagem, com a obrigação de a construírem e ornamentarem à sua custa, e de
hipotecarem uma propriedade com um rendimento mínimo de 10 cruzados para a sua
fábrica.
Competia à ordem de Santiago visitar
a ermida, tomar as contas e decidir o que lhe parecesse e fosse serviço de
Deus, mas não teria qualquer obrigação para com a ermida.
Os moradores da Moita deveriam ainda
fazer uma escritura pública, com as suas obrigações descriminadas, o que
fizeram no livro do tabelião João Cordeiro Zagalo.
Os motivos que justificavam a
construção eram:
1-A distância da igreja de S.
Lourenço, pois levavam o Santíssimo Sacramento aos doentes da Moita em grande
perigo e indecência, por barrancos e valados.
2- Ser a Moita lugar de passagem de
muita gente, tanto do reino como de Castela e por não terem onde dizer nem
ouvir missa procura outras localidades.
Os moradores obrigavam-se por si e seus herdeiros
a edificarem e decorarem a ermida de tudo o que fosse necessário para dizer
missa com decência, assim como reconstrui-la sempre que por motivo imprevisto
caísse ou se arruinasse, como sejam fogos e terramotos, sem que a ordem ou a
matriz tenham de contribuir das suas rendas. Ficariam também obrigados a pagar
à sua custa o sustento do sacerdote que nela servisse e ir ouvir missa a Alhos
Vedros em dia de S. Lourenço.
Na documentação disponível no arquivo
municipal a primeira informação sobre a festa de Nª Sª da Boa Viagem data de
1736. Nesta se afirma que os estalajadeiros José da Rocha e Francisco Gomes
Bexiga, de sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma davam de
esmola para a festa de Nª Sª da Boa Viagem, uma moeda de oiro cada um. Nos anos
seguintes continuam a fazer estas ofertas. Embora as esmolas fossem dadas de
livre vontade, no fundo trata-se de um acordo comercial entre a câmara
municipal e os donos das estalagens, que se processava da seguinte forma: a
câmara estabelecia o preço de todos os géneros que se vendiam no concelho,
inclusivamente das palhas que os estalajadeiros vendiam ao povo em geral, mas
sobretudo aos viajantes e mercadores, em regime de monopólio. Após a câmara
estipular os preços das palhas, os estalajadeiros queixavam-se da sua margem de
lucro ser demasiado baixa, então a câmara cedia às queixas elevando o preço,
mas, junto do respectivo auto que elevava o preço, um outro, considerado como
escritura de doação gratuita, os estalajadeiros aceitavam dar de esmola as
respectivas moedas de oiro. Caso para dizer, gato escondido com o rabo de fora,
ou seja, sem aumento de preços não havia esmola.
Outra forma de financiar as festas
religiosas no século XVII era a inclusão de verbas, fogaças ou charamelas, nas
rendas públicas, como em 1737 em que o arrematante da renda do verde fica
obrigado a dar um termo de charamelas para a festa de Nª Sª da Boa Viagem, para
além da verba com que arrematou a renda. Ao longo deste século foi sendo
incluído nesta renda diversas obrigações para com a festa de Nª Sª da Boa
Viagem, para além das charamelas, fogaças, atabales, dinheiro, ou de forma
genérica referindo apenas que devem dar as propinas do costume.
Para a festa de 1781 fica o arrematante
obrigado a dar duas trompas, duas rabecas e um pincaleiro, para acompanhar a
festividade na igreja e também a festa no arraial caso se fizesse. Quer dizer,
que embora fosse certa a festa religiosa acompanhada com música, não havia a
certeza de se realizar a festa profana.
Voltando ao princípio. Quando se
realizou então a primeira festa? Pela documentação disponível (note-se que a
investigação histórica na Moita está ainda na estaca zero, havendo por isso
toneladas de documentos dispersos por vários arquivos que decerto fornecerão
novos elementos e esclarecerão as dúvidas que temos não só nesta matéria como
de forma geral), a primeira referência seria como disse em 1736.
Não havendo documentos que façam
referências directas sobre o assunto (eu pelo menos não conheço), só de forma
indirecta se pode avançar. Sabemos que em 1686 a igreja de Nª Sª da Boa Viagem
nomeou procuradores para defender os seus direitos junto dos tribunais nas
causas e diferendos que tinham com outras instituições e particulares, e que o
funcionamento da igreja se processava com normalidade, com a respectiva
fábrica, juízes, escrivães e procuradores, pelo que dificilmente se entende que
esperassem meio século para fazer a festa. Alem disso, devemos ter em
consideração que nos séculos XVII e XVIII as festividades religiosas eram
bastante numerosas. Ao longo do ano, era feriado mais de uma centena de dias,
em que as pessoas estavam proibidas de trabalhar, sob diversas penas, para se
dedicarem exclusivamente às obrigações religiosas e que nestes séculos o culto
a Nossa Senhora se desenvolveu de tal modo que estudos recentes, ainda
incompletos, revelam que esse culto se realizava em mais de 1 200 localidades
por todo o país. Também na Moita essas obrigações eram cumpridas
escrupulosamente, e isto sabemos porque a câmara permite que os barqueiros e
padeiros não sejam abrangidos por esta obrigação, visto que as marés não
esperam e nesses dias há muita gente de viagem. Sabemos também que ao longo do
ano se realizaram na Moita dezenas de procissões em honra dos diversos santos,
pelo que seria muito improvável e até caso original se não fizesse em honra da
padroeira da igreja.
Atrevo-me, por isso, a considerar que a
primeira festa coincidiu com a primeira missa, com o próprio acto da bênção do
edifício da igreja e da imagem de Nª Sª da Boa Viagem, não será correcto dizer
que foi a primeira festa da Moita, se quisermos, considerando que o primeiro
padroeiro da freguesia foi S. Sebastião, podemos dizer que os festejos em honra
deste santo foram as primitivas festas da Moita e da sua freguesia. Assim,
embora não dispondo de informação específica, seria possível afirmar que as
festas da Moita remontam a meados do século XV.
Estou convicto que sobre este assunto, a
imensa documentação por consultar nos dará ainda vasta informação e nos reserva
bastantes surpresas, esperemos que enquanto as autarquias e a própria comissão
de festas, não direccionem as suas preocupações e ciclópicos trabalhos para
esses assuntos, os historiadores locais por sua livre vontade e empenho, assim
como diversos amadores por carolice e amor pela sua terra, vão encontrando
novas informações que possam ser úteis a todos, mesmo aqueles que por obrigação
deveriam assumir essa responsabilidade.
Por mim, estou consciente das
insuficiências deste trabalho e das lacunas desta investigação, mas também
feliz por contribuir, embora imperfeitamente, para o conhecimento da História
desta terra, tendo só como apoios e colaboradores uma cabeça e duas mãos.
Notícias da Moita. 1 de Setembro de 1996.
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