O pelourinho de
Coina
Está historicamente provado, e em
números anteriores desta revista documentado, a importância geográfica de Coina
nas ligações entre Lisboa e a margem Sul, criando condições para a fixação de
núcleos populacionais e à posterior adaptação dos seus recursos naturais às
necessidades industriais.
Parece inquestionável que tinha um papel
de relevo no contexto económico e político da idade média em toda a margem Sul
do Tejo.
Assim não admira que tenha recebido
Foral em 1516, outorgado por D. Manuel I. Este tipo de forais, designados como
“forais novos” inserem-se na tentativa da coroa em assegurar um controlo mais
eficaz sobre o território, através de um enquadramento legal e homogéneo, e
visava sistematizar e uniformizar o exercício da sua jurisdição. As localidades
a quem eram atribuídos os forais ficavam apenas dependentes da autoridade da
coroa, ( o próprio foral estipulava essas relações ), livres portanto de
obrigações senhoriais ou feudais, não podendo nelas nobres ou clérigos fazer
justiça ou exigir impostos, o que era motivo de regozijo para quem os recebia.
O foral promovia a localidade que o
recebia à categoria de vila independente de outras, constituindo-se em concelho
com poderes administrativos, judiciais e penais. A autonomia assim obtida era
materializada nas casas da Câmara, na cadeia, nos oficiais da câmara, mas em
particular no Pelourinho, símbolo da jurisdição e da justiça na área concelhia
e da sua autonomia. Nesse monumento condenados sofriam as penas a que tivessem sido
sentenciados, como as comuns chibatadas ou mesmo em certos casos a pena
capital. Eventualmente seria utilizado para afixar os editais municipais,
anúncios fiscais, judiciais ou outros de interesse para a comunidade.
O Pelourinho é constituído por uma coluna
de pedra, localizado em praça pública, quase sempre a mais central da
localidade e em frente das casas da Câmara.
A sua estética arquitectónica variou ao
longo dos séculos. O pelourinho de Coina seria de estilo gótico, renascentista
ou manuelino, com as características do pelourinho de Alhos Vedros, concelho
vizinho que obtivera foral somente dois anos antes. Pelo que se percebe pelo
mapa topográfico da vila de Coina datado do final do século XVIII e já
reproduzido nesta revista, o pelourinho estaria assente numa base circular com
dois degraus, eventualmente decorados com as típicas cordas como em Alhos
Vedros no clássico estilo Manuelino. O fuste pelo contrário parece não ser
idêntico, visto em Alhos Vedros ser constituído por um bloco monolítico, enquanto
em Coina parece ser constituído por duas pedras sobrepostas. Pela figura não é
possível verificar qual a sua forma, se uma simples coluna redonda, sextavada,
octogonal ou outra, nem tão pouco eventuais decorações, marcas de ferros ou
quaisquer outras incisões. O capitel é representado na figura, apenas com uma
bola a encimar o fuste, pelo que também não é possível verificar a sua forma
arquitectónica e decoração.
Coina que foi uma localidade de intensa
actividade industrial e comercial e importante centro político e judicial,
perdeu essa importância até se tornar quase uma aldeia. Ainda hoje se lamenta o
abandono em que estão antigas fábricas, igrejas, capelas e outros monumentos,
símbolos de uma antiga grandeza e de grande valor histórico e arqueológico. No
início deste século, segundo o anuário comercial, restava apenas um posto de
correios, um lagar de azeite, uma fábrica de cal e dois barcos, sem dúvida
muito pouco para a grandeza que antes tivera. Não nos debrucemos sobre esse
declínio, mas tão só salientar que foi nesse contexto que o pelourinho levou
sumiço, pois na acta da Câmara Municipal do Barreiro de 24/ 9/ 1913, o
Vice-presidente da Câmara, senhor Manuel António de Faria faz uma proposta para
ser citada às autoridades administrativas, onde informa, que “em Coina foi
construído um cano e destruído um pelourinho que se achava na passagem do
referido cano” e propunha procedimento judicial contra o infractor caso
houvesse abuso. A proposta foi aprovada. Mas em 5 de Outubro desse ano em
resposta à Câmara a Administração do Concelho informa, “que o pelourinho
existente em Coina e destruído por um cano que naquele lugar construíram não
tem nenhum valor histórico ou artístico, lembrando a conveniência em adjudicar
as pedras do mesmo pelourinho que se encontram no referido local impedindo o
trânsito”. A adjudicação ficou marcada para dia cinco do mês seguinte. Nesse
dia, e depois de afixados anúncios nos lugares públicos e do costume, “abriu-se
Praça para arrematação das lajes do pelourinho de Coina, não se tendo
apresentado nenhuma proposta para a sua adjudicação”. Estas foram as últimas
informações em documentos oficiais sobre o assunto. Outra informação data de
1924, através do Guia de Portugal, de Raul Proença, ao afirmar que Coina “foi
antigo concelho servindo hoje o seu pelourinho mutilado de encontro a uma
cancela”. Raul Proença, parece ter sido a última pessoa que o viu e
identificou. A documentação disponível não refere mais o pelourinho, os actuais
responsáveis desconhecem, as pessoas da terra ignoram. Onde foi parar o
pelourinho?
Os homens de 1913, num contexto de
afirmação republicana, repudiavam os símbolos do poder monárquico. Hoje não se
entende um pelourinho sem interesse histórico ou artístico, daí o interesse em
localizar ou obter elementos mais detalhados sobre a sua exacta forma. Nesse
sentido percorremos toda a povoação e ficámos com a firme convicção de não se
encontrar em sítio visível. Perguntámos a vários populares dos mais idosos, por
fotografias, postais, ou qualquer outra memória do pelourinho mas os resultados
foram negativos.
Notícias de graves danos na Vila de
Coina, ocasionados pelo terramoto de 1755 que fez ruir casas, pontes, igrejas,
fontes e estradas.
“…
Sim é verdade que houve em outro tempo calçadas desta Vila de Coina para
Azeitão, por ser então a estrada da Carreira para Lisboa, porém esta se mudou
nos nossos dias para a vila da Moita, que com este benefício cresceu e se
aumentou de sorte que Vossa Magestade servido proximamente criar nela o lugar
de Juiz de Fora, servindo de cabeça para as mais Vilas circunvizinhas até
Coina; se o correio vem hoje por Coina é porque o seu oficial é morador em
Azeitão, donde tem casa e família, mas não assim o recoveiro que mora em
Setúbal. É certo que a causa de se mudar a Carreira de Coina para a Moita foi
por justos e irrefragáveis motivos: - O 1º, foi porque as mesmas calçadas de
Setúbal por serras, montes e cabeços, eram incapazes da sua conservação, e ser
a passagem da serra perigosíssima para as carruagens; o 2º, foi por ser a dita
estrada, por isso mesmo mais sujeita a ladrões, donde eram e ainda hoje são
frequentes os seus roubos, pela maior abundância de lugares próprios para os
cometimentos dos viandantes; o 3º, foi porque o porto e Rio de Coina corre mais
de Norte ao Sul para Lisboa, era muito mais perigosa a viagem do mar, com
ventos desta qualidade; o 4º, foi porque a estrada de Setúbal para a Moita é
toda livre, plana e desembaraçada, sem refúgio algum escondido para os ladrões,
nem atoleiros em tempo de Inverno; o 5º, foi porque a dita estrada é livre de
calçadas, excepto a de Palmela, que o seu Concelho traz sempre pronta sem ajuda
dos vizinhos; o 6º, foi porque o rio da Moita (Tejo) corre travessão a Lisboa,
por causas é mais favorável, com todos os ventos para as viagens do mar”.
ANTT,
Desembargo do Paço, Estremadura, m. 422, d. 28.
Um olhar sobre o Barreiro. Novembro de 1994.
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