domingo, 4 de março de 2012

Escravatura em Alhos Vedros


Escravatura em Alhos Vedros

        O desenvolvimento da expansão portuguesa provocou um desenvolvimento desenfreado da escravatura por todo o país e locais onde os portugueses se fixaram. O principal fornecedor de escravos foi o continente africano. Desde que os portugueses aí chegaram até praticamente ao século XX, este continente foi sangrado em muitos milhões de homens, mulheres e crianças, transformados em mão-de-obra, e não só, sob condições desumanas.
        A dimensão desta barbaridade pode constatar-se na nossa terra. Por exemplo, em meados do século XVI Alhos Vedros possuía 147 habitações e uma população total de 514 pessoas, sendo 357 de confissão e comunhão e 157 de confissão; a Moita tinha 27 casas com 66 pessoas de confissão e comunhão e 6 de confissão. Entre as pessoas só de confissão entrava um número não especificado de escravos.
        Pelos dados referentes a Alhos Vedros constatamos que mais de 16% da população é escrava, o que tanto em termos relativos como percentuais é um exagero.
        Esta população era enquadrada, tanto em Alhos Vedros como por todo o país, em confrarias sobre a invocação de Nª Sª do Rosário. Anexa à igreja de S. Lourenço funcionou uma, com 150 confrades, pagando cada 100 reis anualmente. Tinha um círio com uma arroba de peso junto à capela de Nª Sª dos Anjos que acendia juntamente com os outros e 40 círios de mão com um arrátel de peso cada, utilizado pelos escravos nas procissões, seguindo obrigatoriamente no fim do cortejo.
        Ao escravo era proibido deslocar-se na vila, abordar directamente ou bater à porta de homem livre. Mesmo que fosse mandado pelo dono dar um recado, tinha de o fazer da rua, sem se aproximar da porta e muito menos entrar em casa, qualquer que fosse o pretexto, sob pena de 600 reis de multa tanto ao dono do escravo como a quem o autorizasse.
        Os homens escravizados eram empregues preferencialmente nos trabalhos pesados, como carregadores de moinhos ou no cais, mulheres nos serviços domésticos ou como amantes dos donos.
         Nestes séculos surgem também várias cartas de alforria pelas quais os donos libertavam os seus escravos. Muitos, devido a um sentimento cristão ou de piedade, outros nem por isso. Uma proprietária dá a alforria à sua escrava alegando os bons serviços que esta lhe prestava e por já ser velha. Ou seja, por de trás de um sentimento nobre, pode eventualmente estar, o que não foi inédito, uma forma de se livrar de alguém que já não era prestável, quer dizer, livrar-se dos encargos de alimentação e alojamento que essa escrava consumia. Assim uma atitude de grande dignidade pode tornar-se uma crueldade medonha.
        Um outro esclavagista decide dar alforria a um escravo por este ser filho de uma escrava sua e de seu filho. Quer dizer, era seu neto. Ainda assim só obteria a liberdade na condição de o servir toda a sua vida e só após a morte do dono / avô seria plenamente livre.
        O escravo era um bem muito apreciado, sendo incluído em dotes de casamento juntamente com outras propriedades e bens. Se a aquisição de um escravo se torna difícil o dotador da noiva comprometia-se a comprá-lo no regresso dos barcos das costas africanas.
        As vítimas da escravatura foram na quase totalidade homens negros, sobre quem todas as arbitrariedades eram possíveis, até porque, duvidando a igreja que possuíssem alma ficavam equiparados a animais.

Jornal O Rio.

3 comentários:

  1. Boa noite, Chamo-me Antonio de Almeida Mendes, sou investigador e professor. Trabalho actualmente sobre os escravos na margem Sul do Tejo. Pretendo reconstruir alguns percursos de vida dos descendentes de escravos que viveram e morreram em Alhos Vedros, Moita, Coina ou Alcochete. Sei da dificuldade da empresa e do caracter sensível da questão da escravatura Portugal. Mas acho que é uma questão que tem que ser abordada ainda que com precaução. Ao consultar o seu blog, que é de grande qualidade, verifiquei que tinha muitíssima informação sobre a temática. Será que extraia disponível para falarmos ou trocarmos impressões ? Trabalho numa universidade estrangeira, em França, mas venho com muita frequência a Lisboa onde tenho casa e família. Agradecendo-lhe antecipadamente. Com os meus melhores cumprimentos, Antonio de Almeida Mendes

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  2. Esqueci-me de deixar os meus contactos : amendes@9online.fr ou antonio.dealmeidamendamendes@univ-nantes.fr

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    1. claro que sim. estou sempre disponível para colaborar... sobre o tema, nos acentos de óbitos, encontram-se muitos, que como é óbvio também morrem, com informação dispersa mas que lhe poderá ser útil...

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