domingo, 4 de março de 2012

A igreja e a festa da Moita


A igreja e a festa da Moita

Em Maio de 1631 uma provisão real autoriza os moradores a construírem uma ermida de invocação a Nª Sª da Boa Viagem, com a obrigação de a construírem e ornamentarem à sua custa, e de hipotecarem uma propriedade com um rendimento mínimo de 10 cruzados para a sua fábrica.
Competia à ordem de Santiago visitar a ermida, tomar as contas e decidir o que lhe parecesse e fosse serviço de Deus, mas não teria qualquer obrigação para com a ermida.
Os moradores da Moita deveriam ainda fazer uma escritura pública, com as suas obrigações descriminadas, o que fizeram no livro do tabelião João Cordeiro Zagalo.
Os motivos que justificavam a construção eram:
1-A distância da igreja de S. Lourenço, pois levavam o Santíssimo Sacramento aos doentes da Moita em grande perigo e indecência, por barrancos e valados.
2- Ser a Moita lugar de passagem de muita gente, tanto do reino como de Castela e por não terem onde dizer nem ouvir missa procura outras localidades.
        Os moradores obrigavam-se por si e seus herdeiros a edificarem e decorarem a ermida de tudo o que fosse necessário para dizer missa com decência, assim como reconstrui-la sempre que por motivo imprevisto caísse ou se arruinasse, como sejam fogos e terramotos, sem que a ordem ou a matriz tenham de contribuir das suas rendas. Ficariam também obrigados a pagar à sua custa o sustento do sacerdote que nela servisse e ir ouvir missa a Alhos Vedros em dia de S. Lourenço.
        Na documentação disponível no arquivo municipal a primeira informação sobre a festa de Nª Sª da Boa Viagem data de 1736. Nesta se afirma que os estalajadeiros José da Rocha e Francisco Gomes Bexiga, de sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma davam de esmola para a festa de Nª Sª da Boa Viagem, uma moeda de oiro cada um. Nos anos seguintes continuam a fazer estas ofertas. Embora as esmolas fossem dadas de livre vontade, no fundo trata-se de um acordo comercial entre a câmara municipal e os donos das estalagens, que se processava da seguinte forma: a câmara estabelecia o preço de todos os géneros que se vendiam no concelho, inclusivamente das palhas que os estalajadeiros vendiam ao povo em geral, mas sobretudo aos viajantes e mercadores, em regime de monopólio. Após a câmara estipular os preços das palhas, os estalajadeiros queixavam-se da sua margem de lucro ser demasiado baixa, então a câmara cedia às queixas elevando o preço, mas, junto do respectivo auto que elevava o preço, um outro, considerado como escritura de doação gratuita, os estalajadeiros aceitavam dar de esmola as respectivas moedas de oiro. Caso para dizer, gato escondido com o rabo de fora, ou seja, sem aumento de preços não havia esmola.
        Outra forma de financiar as festas religiosas no século XVII era a inclusão de verbas, fogaças ou charamelas, nas rendas públicas, como em 1737 em que o arrematante da renda do verde fica obrigado a dar um termo de charamelas para a festa de Nª Sª da Boa Viagem, para além da verba com que arrematou a renda. Ao longo deste século foi sendo incluído nesta renda diversas obrigações para com a festa de Nª Sª da Boa Viagem, para além das charamelas, fogaças, atabales, dinheiro, ou de forma genérica referindo apenas que devem dar as propinas do costume.
        Para a festa de 1781 fica o arrematante obrigado a dar duas trompas, duas rabecas e um pincaleiro, para acompanhar a festividade na igreja e também a festa no arraial caso se fizesse. Quer dizer, que embora fosse certa a festa religiosa acompanhada com música, não havia a certeza de se realizar a festa profana.
        Voltando ao princípio. Quando se realizou então a primeira festa? Pela documentação disponível (note-se que a investigação histórica na Moita está ainda na estaca zero, havendo por isso toneladas de documentos dispersos por vários arquivos que decerto fornecerão novos elementos e esclarecerão as dúvidas que temos não só nesta matéria como de forma geral), a primeira referência seria como disse em 1736.
        Não havendo documentos que façam referências directas sobre o assunto (eu pelo menos não conheço), só de forma indirecta se pode avançar. Sabemos que em 1686 a igreja de Nª Sª da Boa Viagem nomeou procuradores para defender os seus direitos junto dos tribunais nas causas e diferendos que tinham com outras instituições e particulares, e que o funcionamento da igreja se processava com normalidade, com a respectiva fábrica, juízes, escrivães e procuradores, pelo que dificilmente se entende que esperassem meio século para fazer a festa. Alem disso, devemos ter em consideração que nos séculos XVII e XVIII as festividades religiosas eram bastante numerosas. Ao longo do ano, era feriado mais de uma centena de dias, em que as pessoas estavam proibidas de trabalhar, sob diversas penas, para se dedicarem exclusivamente às obrigações religiosas e que nestes séculos o culto a Nossa Senhora se desenvolveu de tal modo que estudos recentes, ainda incompletos, revelam que esse culto se realizava em mais de 1 200 localidades por todo o país. Também na Moita essas obrigações eram cumpridas escrupulosamente, e isto sabemos porque a câmara permite que os barqueiros e padeiros não sejam abrangidos por esta obrigação, visto que as marés não esperam e nesses dias há muita gente de viagem. Sabemos também que ao longo do ano se realizaram na Moita dezenas de procissões em honra dos diversos santos, pelo que seria muito improvável e até caso original se não fizesse em honra da padroeira da igreja.
        Atrevo-me, por isso, a considerar que a primeira festa coincidiu com a primeira missa, com o próprio acto da bênção do edifício da igreja e da imagem de Nª Sª da Boa Viagem, não será correcto dizer que foi a primeira festa da Moita, se quisermos, considerando que o primeiro padroeiro da freguesia foi S. Sebastião, podemos dizer que os festejos em honra deste santo foram as primitivas festas da Moita e da sua freguesia. Assim, embora não dispondo de informação específica, seria possível afirmar que as festas da Moita remontam a meados do século XV.
        Estou convicto que sobre este assunto, a imensa documentação por consultar nos dará ainda vasta informação e nos reserva bastantes surpresas, esperemos que enquanto as autarquias e a própria comissão de festas, não direccionem as suas preocupações e ciclópicos trabalhos para esses assuntos, os historiadores locais por sua livre vontade e empenho, assim como diversos amadores por carolice e amor pela sua terra, vão encontrando novas informações que possam ser úteis a todos, mesmo aqueles que por obrigação deveriam assumir essa responsabilidade.
        Por mim, estou consciente das insuficiências deste trabalho e das lacunas desta investigação, mas também feliz por contribuir, embora imperfeitamente, para o conhecimento da História desta terra, tendo só como apoios e colaboradores uma cabeça e duas mãos.

Notícias da Moita. 1 de Setembro de 1996.

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