domingo, 4 de março de 2012

Relembrar um projecto


Relembrar um projecto
Sondagens arqueológicas junto à igreja de S. Lourenço

        Vai para quatro anos que a direcção da Cacav decidiu elaborar um projecto que visava estudar a história local numa perspectiva arqueológica. Este projecto vinha na sequência de várias iniciativas que desde a fundação da Cacav se foram realizando pois sempre fez parte do seu programa o estudo da cultura e tradições da nossa terra.
        Assim, relembremos; o início das comemorações do Foral, a publicação de textos e documentos inéditos, calendários e postais, visitas de estudo e guiadas, encontros, colóquios, teatro e cinema tendo como tema Alhos Vedros e a sua história, não esquecendo os diversos projectos que apresentámos às entidades oficiais, os materiais que recolhemos, os alertas para a defesa e recuperação do património e de forma geral a sua divulgação em todas as actividades que realizámos.
        Considerámos que a Cacav tem condições para arrancar e levar a bom porto mais este desafio, até porque, devo dizer sem qualquer vaidade, conhecíamos o terreno palmo a palmo e tínhamos o referido curriculum que nos dava um conhecimento histórico elementar.
        Assente e aprovado pela Cacav avançar com tal projecto, coloca-se o primeiro problema. Fazer arqueologia onde e para que? Conhecíamos diversos locais de interesse pré-histórico onde tínhamos recolhido artefactos em sílex e cerâmicas. Localizamos locais de construções religiosas dos séculos XVI e XVII entretanto desaparecidos, tínhamos plantas da vila com ruas e casas perfeitamente definidos desde o século XVIII, sabíamos o local exacto onde funcionam diversas indústrias, enfim, tudo lugares de inegável valor arqueológico que mereciam, e merecem, sondagens e estudos arqueológicos. Mas a pergunta permanece, arqueologia onde e para quê?
        Perante o impasse tive o privilégio de ser incumbido pelos restantes membros da Cacav de responder à pergunta e dar corpo à ideia. Que fazer então? Começar pelo princípio voltando ao princípio. Ou seja: procurar as raízes da ocupação humana nos limites da actual freguesia de Alhos Vedros, do ponto de vista histórico, (não digo, pré-histórico), começando por estudar os mestres da história local que se debruçaram sobre o assunto.
 Assim, respondendo à pergunta inicial, (que consta do projecto apresentado e aprovado pela Cacav e que está à disposição de todos os interessados nas nossas instalações) que é a seguinte: onde? Junto à igreja matriz de S. Lourenço. Para quê? Para determinar com o rigor possível a data da ocupação humana do local.
        Porquê esta opção? Porque em face do estudo actual da historiografia local é a questão mais pertinente, considerando os estudos conhecidos e que passo a referir: Professor Rui de Azevedo que defendeu a tese da formação de povoas marítimas na margem esquerda do Tejo no período pós-reconquista de que resultou Alhos Vedros entre outras localidades. A professora Maria Alfreda Cruz que para o caso específico de Alhos Vedros confirma as opiniões anteriores e avança uma teoria económica que teria proporcionado um desenvolvimento. O padre Carlos Póvoa relembra a lenda de Nª Sª dos Anjos e procura pela via etimológica a origem da povoação. O professor José Manuel Vargas analisa sob diversas perspectivas e defende a existência medieval da nossa terra. O professor Paulo Guinot confirma as teses anteriores e avança novas hipóteses de estudo.
        Como se verifica, todos defendem que a ocupação humana da vila se deu num período histórico, pelo que se torna fácil entender porque excluímos dos nossos propósitos as preocupações pré-históricas, para o caso concreto que pretendíamos esclarecer.
        Porquê junto à igreja de S. Lourenço, Por duas razões: a primeira porque é local onde as referências documentais são mais tardias e alterações geológicas mínimas, logo as probabilidades de datação serem mais seguras; segundo porque anteriormente o local já tinha sido sondado, embora com outros propósitos.
        Penso agora que todos entenderão porque fizemos arqueologia. As nossas intenções eram e são, cientificamente válidas e são o produto de um longo trabalho anterior. Não caímos do céu, não chagamos cá agora. Posto isto, relembremos ainda que neste projecto tivemos diversos apoios. Para além dos membros da Cacav, onde felizmente contamos com gente de diversas áreas das ciências sociais e naturais e das artes, das entidades oficiais, tanto civis como religiosas, autarquias, escola C+S de Alhos Vedros, paróquia, colectividades e associações, referindo de forma especial o Instituto da Juventude, diversos quadros das Câmaras da Moita, Barreiro, Palmela e Almada. Com destaque para o arqueólogo Luís Barros que dirigiu e coordenou os trabalhos.
        Por último e voltando à questão que nos propusemos esclarecer, qual a data aproximada ou exacta da ocupação do lugar? Que conclusões devemos tirar do trabalho que fizemos?
        Relembremos mais uma vez. No final das sondagens o arqueólogo Luís Barros teve oportunidade de esclarecer em pormenor, as pessoas presentes no centro cultural José Afonso, de todos os passos dados, exemplificando e mostrando os objectos recolhidos e analisando a sua importância para a história regional e nacional, que foi do agrado de todos e que me escuso por motivos óbvios de referir. A conclusão final é de que se trata de um cemitério medieval e foi essa a informação fornecida ao IPPC, o que em termos de história nacional que um interesse relativo, visto existirem centenas de outros similares.
Voltando à nossa questão, temos de concluir que o nosso propósito não foi atingido e a questão não está esclarecida. Entendo todavia que o trabalho foi útil e positivo e é mais um passo para o conhecimento da nossa terra, pois podemos acrescentar algo ao que já sabíamos. Ou seja, sabíamos que Alhos Vedros era habitado pelo menos desde 1298, ora nas sondagens que realizámos junto à capela de S. Sebastião, no último nível das sepulturas que escavámos, estava depositado o corpo de um indivíduo “in sito”, que tinha a acompanha-lo a típica moeda que lhe daria entrada no céu, atribuída ao reinado de Sancho II, ou seja anterior a 1248. Posso afirmar ainda, sem margem para dúvidas, que abaixo deste nível existem mais dois outros níveis de enterramentos, cujas ossadas se encontram sobre as fundações da capela. Sendo assim, e considerando que escavámos uma zona periférica do monumento, não só faz recuar algumas décadas relativamente à data que conhecíamos, como nos aproxima temporalmente do primeiro período da reconquista, ou mesmo de um período pré-cristão, o que recoloca o problema da lenda de Nª Sª dos Anjos, quer dizer, também esta lenda terá o seu fundo de verdade.
Esteiro. Maio de 1996

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