domingo, 4 de março de 2012

A construção do cemitério na Moita

A construção do cemitério na Moita

        No nosso país foi prática secular, o enterramento dos mortos dentro e em redor das igrejas, até meados do século XIX. Embora logo em 1804 uma decisão régia proibisse tal prática, ninguém respeitou a proibição e só em 1835 com a legislação de Rodrigo da Fonseca Magalhães e sobretudo de Costa Cabral em 1844, os concelhos alteraram os hábitos pouco higiénicos de sepultar os defuntos nas igrejas, e construíram cemitérios fora das localidades segundo os modelos definidos pelos legisladores.
        Na Moita, logo em 1835 a câmara resolve construir um cemitério na extremidade da vila, porque, “pretende por meio de medidas sanitárias prover à salubridade da terra” pois o cemitério existente estava no centro da povoação. Em conformidade com esta decisão, ordenaram: que fosse arrancada a pedra junto do muro do cemitério junto à igreja e transportada para o sítio do Porto, onde se pretende estabelecer o novo cemitério; que este fosse inspeccionado pelo médico do concelho; que a obra fosse avaliada e arrematada, descontando a pedra do muro demolido, “atendendo ao pouco fundo do concelho e à inutilidade daquele muro depois”. Acrescenta ainda o auto de vereações, “que se demolisse o muro do antigo cemitério junto à igreja matriz desta vila visto que por medida sanitária não convém conservá-lo naquele lugar, e não fazer parte da igreja, mas obra da população e do concelho, e mesmo porque não só a pedra dele poupa despesa no novo cemitério, mas também porque vem a ficar o chão que era dele fazendo parte do adro”.
        Simultaneamente constata a câmara que não tem verbas para avançar com a obra, por isso acorda em fazer uma subscrição pública para realizar as obras, autorizando o secretário da câmara a inscrever o nome e as quantias que cada pessoa prometesse. Parece que esta subscrição não teve a adesão esperada, não constando que alguém tivesse aderido, pois em Março do ano seguinte conclui a câmara que as receitas não chegam para fazer face às despesas para construir o novo cemitério pelo que decidem lançar um imposto para eliminar o passivo. Assim ficou estabelecido: 800 reis por cada pedra de moinho de maré e 1600 reis por cada pedra de moinho de vento, pagos todos os trimestres; 800 reis por semana a todos os barcos de fora da vila, de uma só vela ou mastro, sejam fragata, batel, falua ou bote; 200 reis cada vez que qualquer pessoa de fora descarregar lama ou estrume no Porto.
        Todavia não é possível afirmar que este cemitério tivesse sido construído ou mesmo se tivesse feito enterramentos, visto que os livros de vereações não voltam a referi-lo e os livros de óbitos não são explícitos sobre o local onde os enterramentos se efectuavam, além de que a sua localização não correspondia às exigências legais.
        As dúvidas aumentam quando constatamos que no ano seguinte, de 1836, pouco mais de um ano depois das decisões anteriores o administrador do concelho, em cumprimento do estipulado no ofício da administração geral, solicita à câmara que “informe sobre o estado em que se acha o cemitério”, tendo a câmara respondido, “que ele (administrador do concelho) bem sabe que o cemitério se acha estabelecido no sítio de S. Sebastião, com paredes e altos e entogados valados até que as forças do cofre permitam total muração”, acordando no mesmo auto que o padre da freguesia fosse oficiado para benzer o chão designado, em S. Sebastião, para nele se enterrarem os mortos. Nesse sentido o padre da freguesia, António Marques da Conceição Albano pede uma cruz “ da altura de um homem” pintada de preto, três velas de quarto e um padre para coadjuvar na bênção do terreno. A câmara resolveu que as pretensões do padre fossem imediatamente satisfeitas.
        Como se constata a informação é contraditória, pois as decisões anteriores estipulavam a construção do cemitério no sítio do Porto, pelo que esta inversão súbita de posições apanha o administrador desprevenido e daí a urgência em benzer o novo local, talvez porque o Porto não correspondia às exigências para a construção e simultaneamente continuar a fazer enterramentos dentro do espaço sagrado da igreja, como era o caso de S. Sebastião, local tradicionalmente utilizado para o efeito.
        Em 1838 uma portaria do ministério do reino mostra que as anteriores tentativas de construir o cemitério não passaram disso mesmo, pois avisa a câmara para o construir no prazo de três meses, deliberando esta dar-lhe cumprimento. Agora a solução é diferente das anteriores, sendo escolhido o terreno por detrás da igreja de Nª Senhora da Boa Viagem, que foi adquirido por 48 000 reis aos herdeiros de Veríssimo Ferreira Chaves. Em Março deste ano é resolvido iniciar-se a construção deste novo cemitério, adquirindo a câmara mais um terreno e respectivo muro que é divisória do quintal, assim como uns pardieiros de Sebastião José Prudêncio pela quantia de 12 000 reis. O estabelecimento do cemitério neste local envolveu ainda outros acordos de menor importância com os rendeiros dos terrenos para que estes abdicassem do local.
        Em Maio a câmara entende que estão reunidas as condições para que o local seja utilizado, porque “não podendo por mais tempo enterrar-se os cadáveres no sítio de S. Sebastião, e achando-se o novo cemitério de tal modo já construído… se oficiasse o pároco desta freguesia para proceder à bênção do novo cemitério hoje, visto que ao presente há um cadáver a enterrar”.
        Esta inauguração foi no entanto antecipada, pois só em Junho a câmara contratou os pedreiros Eloi Rodrigues e Palos Joaquim para proceder às obras, e manda pagar 12 000 reis a António Rodrigues Mira referentes a cinco moios de cal que forneceu para a mesma. Em Agosto foi pago ao carpinteiro José Claudino de Abreu 3 170 reis referentes à construção da porta do cemitério, pregos e vencimentos, e só no ano seguinte foi pago 3 320 reis ao ferreiro João Tavares pelas ferragens que fez.
        No ano de 1839, o deputado Passos Manuel exige um relatório à câmara onde esta referisse as obras efectuadas no concelho após a guerra civil. Na resposta é afirmado que nesse período se construiu uma Calheta para conduzir as águas do chafariz e um cemitério. Em 1840 é decidido plantar árvores no largo da igreja que havido servido de cemitério.
        Após estas notícias os documentos calam-se, só voltando a referir-se ao cemitério na década de sessenta.
        Nos livros de vereações iniciado em 1864, constata-se que o cemitério volta a ser preocupação da câmara pois é confrontada com a obrigação de mudar de local, visto que o utilizado não obedece às normas estipuladas, sobretudo o cemitério em S. Sebastião, pelo que se torna necessário adquirir ou expropriar pelos meios legais o terreno conhecido pela, courela da Severina, para construir o cemitério o mais breve possível.
        Em 1865 é a câmara aconselhada “energicamente” a fazer o novo cemitério, no local previsto, a Norte da calçada de S. Se bastião, pelo que inseriu no orçamento desse ano a verba de 1000$000 para a referida construção. A câmara chega a acordo com os proprietários da courela da Severina. Adquiriu o terreno por 160 000$000. Todavia ainda nesse ano entende a câmara que a verba orçamentada fosse aplicada no reparo da calçada de S. Sebastião e na vala do Juncal que estava tapada, e, solicita autorização para que as muralhas do cemitério fossem construídas por arrematação e a construção do pórtico de pedra lavrada e o portão de ferro fundido por administração municipal. Como tais pretensões não são aceites, entende a câmara aguardar por “melhor estação” para fazer as obras.
        Nos anos seguintes não volta a ser focado o assunto e só em 1870 a câmara constata a necessidade de construir não só o cemitério como as casas da câmara e o assougue, propondo-se para isso contrair um empréstimo de 12 000$000 reis a uma entidade bancária e lançar um novo imposto de 10 reis por cada carga de 15 kg que fosse transporta pelas embarcações nos cais da vila.
        Ainda em 1870 a câmara compra mais um terreno a Joaquim António da Silva por 200$000 reis e adquire outro a Francisco Xavier de Jesus, dando-lhe 8 m2 de terreno onde pudesse estabelecer um jazigo de família e o usufruto das oliveiras frente ao cemitério onde estava projectado estabelecer uma alameda.
        Em 1871 é finalmente orçada a obra do cemitério, cujo custo se verificou ser de 1 324$431 reis que se deveria obter por empréstimo a pagar em vinte anos. A este propósito defendia o então presidente, “não são exigidos sacrifícios aos povos para a realização de tão grande cometimento, entendo que não o devia encarecer, porque a execução de tão brilhante pensamento para obras tão monumentais, vai assinalar uma nova época no concelho da Moita”.
        Apesar disso um ano depois as obras continuavam não sendo decerto no ano de 1872 que se conclui pois em Julho as obras previstas não se realizam, assim como é decidido alterar o pórtico de entrada porque este parece, “o portão de uma quinta”. Após 1872 não é possível continuar a acompanhar a evolução desta construção porque não existem os respectivos livros relativos aos vinte anos seguintes.
        Independentemente das peripécias na construção dos vários cemitérios no concelho da Moita, refira-se que neste período ninguém respeitou a proibição de enterrar nas igrejas, continuando essa prática, não só, junto da igreja da Moita e S. Sebastião como foi prática corrente dentro e no adro das igrejas do Rosário e de Sarilhos.

Notícias da Moita. 15 /8 /20

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