domingo, 4 de março de 2012

A festa no final da modernidade


A festa no final da modernidade

        O conceito de festa tem contornos bastante amplos que pode abarcar uma enormidade de situações, provocada por diversos motivos.
        As festividades de maior impacto social na Época Moderna e até final do século XIX foram festividades oficiais, institucionalizadas e ritualizadas. Revelam invariavelmente uma cultura política ou ideológica, mesmo tornando-se celebração pela união Estado – Igreja, e em ambos os casos é um acto colectivo e social.
        A festa assim instituída pretende dar a imagem do poder público, onde retrata a própria sociedade, aderindo à ideia de nação, acente na figura real e na moral católica, realçando os valores que ambas representam.
        O problema de saber, em que medida se deve dar festas ao povo, é milenar. O poder tende a controlar a festa, representando o próprio poder. O motivo dos festejos é sempre algo que ultrapassa a comunidade, acontecimentos considerados importantes ou celebrações católicas, que também participa nos acontecimentos oficiais. O diálogo que se estabelece entre a festa e as populações prolonga-se para lá do tempo de vida de qualquer geração e torna-se um espelho onde se vê o que se deseja ou se rejeita o que se vê.
        A festa gera também a anti-festa, ambas obedecem a uma ordem pré-estabelecida, como projecção simbólica da imagem produzida pelos grupos. A anti-festa revela-se como manifestação popular colectiva, contestatária ou festa proibida, nas paródias, caricaturas, ou práticas censuráveis. Pode tornar-se de forma espontânea, agressiva, polémica, utópica ou mesmo subversiva numa acção reacção geradora de História.
        As festividades mais numerosas foram as religiosas e os ditames eclesiais regulamentaram o comportamento humano individual e colectivo. A igreja, contra atitudes mentais e culturais adversas, enquadra-se através de mecanismos de substituição. Quando a igreja decide prescindir de muitos desses dias festivos, serão as autoridades civis a opor-se.
        A festa religiosa assumiu diversíssimas características; procissões, arranjo e transporte de círios, ladainhas, autos de fé, Te deum, exposições de santos, criancinhas pela rua a cantar e a rezar, suplicias públicas, demonstrações de piedade, solenidades, natal e Páscoa, do orago, do padroeiro, que preenchiam o calendário com feriados que permitia quebrar a monotonia e a rotina social de forma equilibrada, sempre por um motivo católico.
        Os festejos reais eram permanentes, a própria presença da pessoa do rei era motivo de festa. Para os reis absolutistas foram verdadeiras exibições públicas, luxuosas, galantes, espectaculares demonstrações de riqueza com o objectivo político de conquistar as populações, num sentido colectivo de consciência nacional. Eram assim motivo de festa as cerimónias oficiais, os casamentos reais, nascimentos, baptizados, aniversários ou outros acontecimentos por vezes insignificantes. Nestas ocasiões eram feitos dotes, obras pias, esmolas, fogos, banquetes, touradas, cavalhadas...
        Também a morte de algum membro da família real provocava demonstrações de pesar, com casas fechadas, luto nos edifícios públicos, cerimónias litúrgicas com a presença dos vereadores com as respectivas capas e estandartes.
        Nas festas locais e regionais de carácter político e religioso, as comunidades e autoridades locais, constroem uma comunhão de sentido com as festas da igreja. Não rompem a tradição, mas redireccionam-se. Há mais continuidade que invenção nos rituais das comemorações políticas, repetindo actividades presentes na festa religiosa. Os discursos políticos e os sermões católicos, constituem a parte séria da festa, onde se expõem as imagens que desejam glorificar ou perpetuar.
        A parte lúdica da festa pretende atrair populações pelos espectáculos, corridas, cavalhadas, exibições militares, mascaradas, fogos, bailes, etc, etc, a espaços públicos, onde os órgãos de poder pretendem mostrar e impor a sua autoridade.
        Associações particulares e privadas também promoviam festas, de âmbito restrito, com características e motivações artísticas e científicas. Nos séculos XVII e XVIII foram frequentes os salões de exposição onde se demonstrava física electrostática, se observavam efeitos algo surpreendentes como levantar objectos pesados com pouco esforço, obter imagens ampliadas, ver pela lanterna mágica, provocar granizo eléctrico, manipular objectos como o carrilhão, o torniquete ou o íman, ou onde as damas provocavam faísca, juntando dois fios metálicos e eram esclarecidas sobre os perigos da operação. A ciência tornou-se divertimento e dos salões saltou para a rua.
        Outros salões tinham motivações culturais e artísticas, onde se ouvia música coral e instrumental, se recitavam sonetos, odes e elegias ou se expunham brilhantes conceitos e orações sapientíssimas.


Notícias da Moita. 1 /9 /1996.

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