domingo, 4 de março de 2012

O pelourinho de Coina


O pelourinho de Coina

        Está historicamente provado, e em números anteriores desta revista documentado, a importância geográfica de Coina nas ligações entre Lisboa e a margem Sul, criando condições para a fixação de núcleos populacionais e à posterior adaptação dos seus recursos naturais às necessidades industriais.
        Parece inquestionável que tinha um papel de relevo no contexto económico e político da idade média em toda a margem Sul do Tejo.
        Assim não admira que tenha recebido Foral em 1516, outorgado por D. Manuel I. Este tipo de forais, designados como “forais novos” inserem-se na tentativa da coroa em assegurar um controlo mais eficaz sobre o território, através de um enquadramento legal e homogéneo, e visava sistematizar e uniformizar o exercício da sua jurisdição. As localidades a quem eram atribuídos os forais ficavam apenas dependentes da autoridade da coroa, ( o próprio foral estipulava essas relações ), livres portanto de obrigações senhoriais ou feudais, não podendo nelas nobres ou clérigos fazer justiça ou exigir impostos, o que era motivo de regozijo para quem os recebia.
        O foral promovia a localidade que o recebia à categoria de vila independente de outras, constituindo-se em concelho com poderes administrativos, judiciais e penais. A autonomia assim obtida era materializada nas casas da Câmara, na cadeia, nos oficiais da câmara, mas em particular no Pelourinho, símbolo da jurisdição e da justiça na área concelhia e da sua autonomia. Nesse monumento condenados sofriam as penas a que tivessem sido sentenciados, como as comuns chibatadas ou mesmo em certos casos a pena capital. Eventualmente seria utilizado para afixar os editais municipais, anúncios fiscais, judiciais ou outros de interesse para a comunidade.
        O Pelourinho é constituído por uma coluna de pedra, localizado em praça pública, quase sempre a mais central da localidade e em frente das casas da Câmara.
        A sua estética arquitectónica variou ao longo dos séculos. O pelourinho de Coina seria de estilo gótico, renascentista ou manuelino, com as características do pelourinho de Alhos Vedros, concelho vizinho que obtivera foral somente dois anos antes. Pelo que se percebe pelo mapa topográfico da vila de Coina datado do final do século XVIII e já reproduzido nesta revista, o pelourinho estaria assente numa base circular com dois degraus, eventualmente decorados com as típicas cordas como em Alhos Vedros no clássico estilo Manuelino. O fuste pelo contrário parece não ser idêntico, visto em Alhos Vedros ser constituído por um bloco monolítico, enquanto em Coina parece ser constituído por duas pedras sobrepostas. Pela figura não é possível verificar qual a sua forma, se uma simples coluna redonda, sextavada, octogonal ou outra, nem tão pouco eventuais decorações, marcas de ferros ou quaisquer outras incisões. O capitel é representado na figura, apenas com uma bola a encimar o fuste, pelo que também não é possível verificar a sua forma arquitectónica e decoração.
        Coina que foi uma localidade de intensa actividade industrial e comercial e importante centro político e judicial, perdeu essa importância até se tornar quase uma aldeia. Ainda hoje se lamenta o abandono em que estão antigas fábricas, igrejas, capelas e outros monumentos, símbolos de uma antiga grandeza e de grande valor histórico e arqueológico. No início deste século, segundo o anuário comercial, restava apenas um posto de correios, um lagar de azeite, uma fábrica de cal e dois barcos, sem dúvida muito pouco para a grandeza que antes tivera. Não nos debrucemos sobre esse declínio, mas tão só salientar que foi nesse contexto que o pelourinho levou sumiço, pois na acta da Câmara Municipal do Barreiro de 24/ 9/ 1913, o Vice-presidente da Câmara, senhor Manuel António de Faria faz uma proposta para ser citada às autoridades administrativas, onde informa, que “em Coina foi construído um cano e destruído um pelourinho que se achava na passagem do referido cano” e propunha procedimento judicial contra o infractor caso houvesse abuso. A proposta foi aprovada. Mas em 5 de Outubro desse ano em resposta à Câmara a Administração do Concelho informa, “que o pelourinho existente em Coina e destruído por um cano que naquele lugar construíram não tem nenhum valor histórico ou artístico, lembrando a conveniência em adjudicar as pedras do mesmo pelourinho que se encontram no referido local impedindo o trânsito”. A adjudicação ficou marcada para dia cinco do mês seguinte. Nesse dia, e depois de afixados anúncios nos lugares públicos e do costume, “abriu-se Praça para arrematação das lajes do pelourinho de Coina, não se tendo apresentado nenhuma proposta para a sua adjudicação”. Estas foram as últimas informações em documentos oficiais sobre o assunto. Outra informação data de 1924, através do Guia de Portugal, de Raul Proença, ao afirmar que Coina “foi antigo concelho servindo hoje o seu pelourinho mutilado de encontro a uma cancela”. Raul Proença, parece ter sido a última pessoa que o viu e identificou. A documentação disponível não refere mais o pelourinho, os actuais responsáveis desconhecem, as pessoas da terra ignoram. Onde foi parar o pelourinho?
        Os homens de 1913, num contexto de afirmação republicana, repudiavam os símbolos do poder monárquico. Hoje não se entende um pelourinho sem interesse histórico ou artístico, daí o interesse em localizar ou obter elementos mais detalhados sobre a sua exacta forma. Nesse sentido percorremos toda a povoação e ficámos com a firme convicção de não se encontrar em sítio visível. Perguntámos a vários populares dos mais idosos, por fotografias, postais, ou qualquer outra memória do pelourinho mas os resultados foram negativos.

Notícias de graves danos na Vila de Coina, ocasionados pelo terramoto de 1755 que fez ruir casas, pontes, igrejas, fontes e estradas.
“… Sim é verdade que houve em outro tempo calçadas desta Vila de Coina para Azeitão, por ser então a estrada da Carreira para Lisboa, porém esta se mudou nos nossos dias para a vila da Moita, que com este benefício cresceu e se aumentou de sorte que Vossa Magestade servido proximamente criar nela o lugar de Juiz de Fora, servindo de cabeça para as mais Vilas circunvizinhas até Coina; se o correio vem hoje por Coina é porque o seu oficial é morador em Azeitão, donde tem casa e família, mas não assim o recoveiro que mora em Setúbal. É certo que a causa de se mudar a Carreira de Coina para a Moita foi por justos e irrefragáveis motivos: - O 1º, foi porque as mesmas calçadas de Setúbal por serras, montes e cabeços, eram incapazes da sua conservação, e ser a passagem da serra perigosíssima para as carruagens; o 2º, foi por ser a dita estrada, por isso mesmo mais sujeita a ladrões, donde eram e ainda hoje são frequentes os seus roubos, pela maior abundância de lugares próprios para os cometimentos dos viandantes; o 3º, foi porque o porto e Rio de Coina corre mais de Norte ao Sul para Lisboa, era muito mais perigosa a viagem do mar, com ventos desta qualidade; o 4º, foi porque a estrada de Setúbal para a Moita é toda livre, plana e desembaraçada, sem refúgio algum escondido para os ladrões, nem atoleiros em tempo de Inverno; o 5º, foi porque a dita estrada é livre de calçadas, excepto a de Palmela, que o seu Concelho traz sempre pronta sem ajuda dos vizinhos; o 6º, foi porque o rio da Moita (Tejo) corre travessão a Lisboa, por causas é mais favorável, com todos os ventos para as viagens do mar”.
ANTT, Desembargo do Paço, Estremadura, m. 422, d. 28.
Um olhar sobre o Barreiro. Novembro de 1994.

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