domingo, 4 de março de 2012

As touradas na Moita


As touradas na Moita


        O gado bovino está intimamente ligado ao desenvolvimento da vila da Moita, pois ao longo dos séculos XVII e XVIII, foi o transporte de bens e pessoas de Lisboa para o sul do país e deste para Lisboa a grande riqueza dos moitenses e sua principal actividade. Da Moita para Lisboa o transporte era efectuado de barco mas para o sul era feito em carretas puxadas por bois. No final do século XVII estavam registadas mais de meia centena destas carretas, havendo ainda uma dezena de animais destinados à reprodução. Não admira, portanto, que os moitenses estivessem familiarizados com estes animais e discutissem as suas características, comportamentos e capacidades, para os diversos trabalhos em que eram utilizados. Ainda hoje, homens e mulheres, adultos e crianças, conversão sobre o gado bovino com verdadeira paixão, utilizando termos e vocabulário próprio dos entendidos.
        Apesar disso nunca a Moita foi produtora de gado, nem mesmo para as necessidades locais, fossem animais de trabalho ou para alimentação, visto o concelho ter uma área demasiado pequena, logo incapaz de fornecer as forragens e os pastos indispensáveis. Pela mesma razão nunca houve no concelho qualquer ganadaria ou criação de gado bravo para ser lidado e corrido. Ainda assim, a corrida de touros autorizada e legalizada, surgiu na Moita englobado no movimento mais amplo que se desencadeou por todo o país após a guerra civil, que terminou em 1834.
        Já antes, porém, tinham havido corridas de toiros no concelho, não na Moita mas no Rosário, que se faziam à revelia das autoridades, pois no auto de vereação de 10-5-1809 a câmara afirma que José Gomes Claro, (na época dono de treze das catorze casas existentes no lugar), pretendia fazer uma carreira para Lisboa e abrir uma estalagem, a que os vereadores se opunham, porque, entre outras razões, para a construção da estalagem desmanchou o cruzeiro de pedra que havia no adro da igreja fazendo outro em barro e levou uma carrada de pedra que os devotos da Sª do Rosário tinham colocado no arraial onde se corriam toiros.
        O primeiro pedido para realizar uma tourada por ocasião das festas de Nª da Boa Viagem surge em 1835. Nesta ocasião a câmara autorizou somente a realização de uma capação de bois, porque os povos pretendem desse modo mostrar a sua satisfação pelo governo da rainha e o provedor do concelho também aprovou por não ver no pedido senão inocência.
        No ano seguinte os festeiros do arraial voltam a pedir autorização para realizar duas corridas, com a intenção de mostrar o regozijo do povo por Nossa Senhora e pela programada abertura das cortes da nação. A câmara aprovou, atendendo à satisfação referida, e mandou que a polícia se encarregasse de manter a boa ordem.
        Os toiros voltam a ser referidos nos livros de actas da câmara só em 1871, concretamente para se construir uma praça de toiros. Sinal de que a festa foi garantindo adeptos e entusiastas e que manteve alguma regularidade ao longo destes anos. Em Agosto desse ano o presidente da Sociedade Tauromáquica Renascença, Sr. José Augusto Ferreira Chaves, pediu de arrematação a longo prazo um terreno no sítio no sítio da Caldeira, para construir uma praça de touros, mas a câmara não aceitou o pedido sem que primeiro fosse feita a escritura da formação da Sociedade. Em Setembro a Sociedade Tauromáquica volta a fazer o mesmo pedido juntando os documentos exigidos pela câmara. Nesta ocasião, considerando a câmara, que deste arrendamento resultava a maior conveniência municipal, não só porque aumentava as rendas próprias, porque provocava um grande movimento e actividade na sede do concelho, devido à visita de muitos estranhos e assim aumentar as receitas públicas e particulares, deliberou arrendar o referido terreno por vinte anos, pelo preço de 18 000 reis anuais, sob as seguintes condições: 1º que os 18 000 reis do arrendamento deveriam entrar nos cofres da câmara até trinta de Junho de cada ano, sem quebra, falta ou diminuição; 2º que o contrato é feito com todos os indivíduos que compõem a sociedade, ficando todos responsáveis em suas pessoas e bens ao pagamento da renda; 3º que após o concelho de distrito aprovar este contrato, seria ultimado pela câmara e pela sociedade tauromáquica por meio de escritura pública; 4º que não podendo o terreno servir para outro género de construção, visto ser um sapal, será alterado pela sociedade, deixando na construção um número de boieiros a indicar pela câmara, para a entrada e saída das águas do rio, obrigando-se a câmara na proximidade das corridas a fixar a porta de água, para evitar que a praça seja inundada; 5º se por motivo inesperado a sociedade tauromáquica fosse extinta antes de terminar o prazo do arrendamento, de forma que se extinga a praça, a câmara considerará a rescindido este contrato.
        Em Fevereiro do ano seguinte de 1872, foi lavrada e assinada escritura de arrendamento na presença do notário Luís Chandelier Júnior.
        A realização de touradas na Moita passou a ser também a principal fonte de receitas utilizadas pela Misericórdia de Alhos Vedros na assistência social que prestava. Isto porque todos os espectáculos eram obrigados a entregar 10% das receitas a uma instituição de caridade. As verbas provenientes das touradas na Moita eram entregues à misericórdia de Alhos Vedros que assim fazia depender a assistência que prestava das verbas que obtinha através das corridas de touros, único espectáculo que movimentava muitos milhares de pessoas. Quando após a implantação da república os empresários da praça se recusaram a pagar essa importância a assistência social prestada pela misericórdia deixou de se realizar.

Notícias da Moita. 1/ 9/ 1996.

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