domingo, 4 de março de 2012

O Tejo a Misericórdia e os barcos. Século XVIII.

O Tejo a Misericórdia e os barcos. Século XVIII.

Será escusado referir a importância que o rio sempre teve para o nosso Concelho. Os documentos seguintes só por si, são disso reveladores. No entanto, convém referir que são estas propriedades as que têm maior valor intrínseco e também maior renda. Em termos comparativos o valor de um sapal ou de um paul é sensivelmente o dobro de qualquer pedaço de terra, seja vinha, horta ou pinhal cujas dimensões sejam aproximadamente iguais. Por sua vez, uma marinha vale dez a quinze vezes mais que um sapal. Da mesma forma as casas situadas junto ao cais valem de duas a cinco vezes mais que outras situadas em qualquer outro lugar. Quanto ao moinho não são necessárias comparações, é de todas as propriedades da Misericórdia a mais valiosa a grande distância de todas as outras, excepto obviamente a igreja.

Livro do Tombo.
Folhas 298 e seguintes.
Petição.
Diz António Marcelino Mendes Salgado, como procurador da Santa Casa, porquanto sua constituinte se acha lesa, na medição e demarcação do prédio e Paul do Rio dos Paus, de novo quer melhor intentar sua acção.
Auto de Medição e demarcação do Paul chamado Rio dos Paus.
1782/3/2.
Pelo Norte, da ponta onde se meteu um marco encostado ao muro da passagem do Rio, até quase ao valado da vinha de Valentim Carrachóte onde se chama a porta da Era, onde se meteu outro marco mede 33m.
E deste marco medindo o Poente de Norte a Sul, confronta com Valentim Carraxóte até onde mede 85,36m, não se enterrou marco por oposição do padre Manoel Ribeiro, e seguindo até outro marco, confronta com courela da administração, mede 130,46 m, e até valado da vinha de Mariana dos Reis onde de meteu outro marco mede 88,22 m, e confrontando com vinha e brejo do padre Manoel Ribeiro mede 165m.
Pelo Sul até meio do Paul que possui António Ribeiro Freire, que é dos Padres da Graça mede 14,32 m.
Pelo Nascente  de Sul a Norte confronta com Paul dos sobreditos padres, até onde principiou e finda esta edição mede 510,62 m.
Avaliação: intrínseco valor de 40 000 reis e de renda anual de 1 600 reis.

Folhas 292 e seguintes.
Auto de medição e demarcação de uma marinha perdida, defronte e no fundo da quinta de S. Pedro. (Sapal que foi marinha. Terreiro que foi marinha).
1781/1/17.
Pelo Norte confronta com marinha de Baltazar Pereira, e viveiro da marinha dos Oliveiras de meias com marinha do Santíssimo desta vila, mede de Poente a Nascente desde junto ao terreno que serve de eira para sal, até cal do rio, entrando a quebrada das águas 75,46 m.
De Nascente com cal do mar que vai para o porto, até Azinhaga perdida, onde se pôs um marco junto da quinta de S. Pedro, mede de Norte a Sul 286 m.
De Sul confronta com Azinhaga velha do Concelho, serventias das mais marinhas, mede de Nascente a Poente 18,70 m.
Pelo Poente confronta com Azinhaga e caminho do Concelho, e marinha de Baltasar Pereira, mede de Sul a Norte 253 m.
Avaliação: intrínseco valor de 50 000 reis e de renda anual de 1 500 reis.

Folhas 128 e seguintes.
Auto de medição e demarcação de uma marinha chamada a do Sobreiro, antigamente chamada Admendoa que é da Santa Casa desta vila.
1780/12/1.
Consta de quarenta talhos, doze cabeceiras, dois corredores, e um caldeirão e um viveiro de meias.
Ao norte confronta com marinha de Joaquim de Sousa, faz chave onde estão dois marcos, mede de Nascente a Poente 112,75 m.
De Nascente confronta com Estrada Pública e mede de Norte a Sul 150,26 m.
Pelo Sul confronta com viveiro da marinha do desembargador Francisco Feliciano, tem de Nascente a Poente 49,50 m.
Pelo Poente confronta com Esteiro da marinha de Francisco Feliciano, que era dos Padres da Graça tem de Sul a Norte 167,64 m, e entre esta marinha e viveiro se acha um viveiro de Joaquim de Sousa.
Avaliação: intrínseco valor de 800 000 reis e de renda de 40 000 reis.

Folhas 146 e seguintes.
Auto de medição e demarcação de uma marinha chamada a Dobrada de S. João e um viveiro.
1780/12/20.
Consta de trinta e seis talhos oito cabeceiras, três caldeiras e um corredor.
Pelo Norte confronta com marinha do Desembargador José da Costa Ribeiro, mede de Nascente a Poente 29,15 m.
De Nascente confronta com marinha do mesmo Desembargador tem de Sul a Norte 154,44 m.
Pelo Sul confronta com viveiro do mesmo Desembargador tem de Poente a Nascente 37,50 m.
Do Poente confronta com Francisco António Rebelo Palhares, e as Roseiras do Excelentíssimo Porteiro Mor João de Sam Payo, mede de Norte a Sul 181,61 m.
Passando a medir o viveiro:
Parte do Norte com mar salgado e tem de Nascente a Poente 43,78 m.
A sul confronta com Simam Neto tem de Poente a Nascente 12,54 m.
De Nascente confronta com o mesmo tem de Sul a Norte 96,14 m.
No Poente confronta com desembargador José da Costa Ribeiro e mede de Norte a Sul 63,25m.
Avaliação de marinha mais viveiro: intrínseco valor de 400 000 reis e de renda anual de 24 000 reis.

Folhas 252 e seguintes.
Auto de medição e demarcação de umas casas sitas defronte do cais da Moita, que possui o Capitão Lourenço José da Costa, da vila da Moita.
1781/4/4.
Constam as casas de duas casas e duas lojas.
Pelo Norte confronta com José Honório de Poente a Nascente mede 4,91 m.
De Nascente confronta com enfiteuta, mede de Nascente a Poente 4,91 m.
Pelo Sul confronta com rua Publica, mede de Nascente a Poente 4,91 m.
Pelo Poente confronta com o cais, mede de Sul a Norte 11,61 m.
Avaliação: intrínseco valor de 20 000 reis e de renda anual de 500 reis.

O transporte marítimo foi fundamental para o desenvolvimento económico e social do Concelho da Moita. Prova disso é o seguinte documento:
… ele Juiz de Fora requereu a eles oficiais… que eles fizessem lançamento das quinze cavalgaduras na forma das ordens de Sua Majestade que ele Juiz Havia enviado a esta Câmara… e por eles foi dito a aviam feito toda a diligência e que não acharam nem havia pessoas que tivessem cavalgaduras por nesta vila e seu termo não haver almotaceis nenhum nem nunca as houver  por serem os moradores desta vila e seu termo barqueiros, carreteiros, calafates e biscoiteiros…
Livro De Vereações do Concelho de Alhos Vedros. Folhas 4 verso e 5. 1667/1/5.

Ora se a actividade marítima era de fundamental importância, então era normal a existência de leis que regulamentassem essa actividade. Das várias decisões sobre os barcos, passo a transcrever apenas três que permitem constatar que não se tratava de uma actividade anárquica, antes bem organizada e bem assim nos permite saber quais os tipos de cargas transportadas, os preços pelas viagens, assim como as obrigações dos barqueiros, a quantidade e capacidade dos barcos, etc.

… Juizes do oficio dos barcos Ensenso Dias e Jorge Gonçalves… estiva dos barcos da Moita…
Jorge Gonçalves Cardeal …………………………………………………………. 35 Pipas.
Ensenso Dias …………………………………………………………………………… 35 Pipas.
Jorge Arraiado ………………………………………………………………………… 32 Pipas.
Alhos Vedros ………………………………………………………………………….. 30 Pipas.
Lavradio …………………………………………………………………………………. 30 Pipas.
Domingos Gonçalves …………………………………………………………….. 24 Pipas.
… quem levar mais … pena de não tomarem mais carreira e 2 000 reis de coima …
Idem. Folhas 53, 53 verso. 1670/11/15.

Termo de requerimento que fizeram os arrais dos barcos grandes da Moita.
E logo na dita Câmara sendo presentes os ditos oficiais apareceram os arrais dos barcos grandes do lugar da Moita a saber Ensenso Dias, Jorge Gonçalves Arraiado, Jorge Gonçalves Cardeal e Domingos Rodrigues e requereram a eles oficiais da Câmara que eles com seus barcos são obrigados a servir no cais do dito lugar as semanas que lhe toquem a cada um de carreira e porquanto no dito lugar se tinham introduzido de fora… seis barcos pequenos os arrais não tão somente levam as cargas das estalagens e pessoas passageiras  que pertenciam ao barco da carreira como também levam todo o carvão que vinha ao dito lugar que era grande quantidade… que pertencia ao barco da carreira ou os que atrás dela seguiam e os ditos barcos o faziam pelo contrário… assentaram que nenhum barco pequeno tomasse coisa alguma no dito cais nem distritos desta vila nem carvão com pena de 6 000 reis pagos da cadeia e que qualquer dos arrais dos ditos barcos pudesse dar coima ao escrivão da Câmara daquele que o contrário fizesse e os barcos grandes serão obrigados assim os presentes como os ausentes a servirem no dito lugar na forma das posturas a saber a carreira levar aquilo que é costume tendo escolha de passageiros ou cargas ou pipas e será obrigado o barco de percalço a estar no dito cais para levar o carvão e o mais que lhe tocar e tendo o percalço pipas ou outra carga que lhe toque será obrigado faze-lo saber ao contra percalço para assistir no dito cais ao carvão e ao mais que houver com declaração que aquele que o contrário fizer pagará 4 000 reis para as despesas do Concelho e não entrará mais em nenhum tempo na carreira… que nenhuma pessoa tome lenha tojo pinheiros que estiverem nos portos destes termos qualquer quantidade que seja pouca ou muita pagará 500 reis pagos da cadeia e esta coima a poderá fazer o rendeiro ou qualquer outra pessoa que vir fazer o dito porto e esta postura se conservará na forma das posturas de quem corta pinheiros ou rama de pinheiros nos pinhais alheios…
Idem, Folhas 58, 58 verso e 59. 1671/1/21.

REGIMENTO DOS BARCOS GRANDES
Levarão os arrais dos barcos grandes que servirem de carreira no lugar da Moita de frete de cada pipa de vinho cheia que destas partes passasse para a cidade de Lisboa 120 reis de cada uma e das vazias 30 reis cada uma. E das pessoas passageiras que levarem ou trouxerem levarão por cada uma delas 50 reis E de cada carro de fato que levarem levarão 400 reis E de carreta 250 reis e de cargas que forem para a feira levarão 80 reis E da gente da terra que passarem levarão 20 reis por cada pessoa de ida e vinda e 10 reis por cada saco de trigo E os barcos que servirem de carreira a sua semana irão todos os dias a Lisboa e o que não for não poderá impedir a outro qualquer barco em que os passageiros queiram ir com o seu frete e hindo em outro lhe não pagarão cousa alguma e o barco que da carreira servir nenhum dos barcos pequenos levará cousa alguma à barca de carreira nem outro qualquer barco que seja na sua maré em que é obrigada a ir para Lisboa salvo se lhe pagar o frete do que importar aquilo que levar e não estando a barca da carreira no porto nem sendo a sua maré em que deva ir para Lisboa não impedirão aos barcos nem passageiros que quiserem ir para Lisboa salvo os barcos dos almocreves que pertenssem à barca de carreira servir E os ditos barcos que de carreira servirem serão obrigados a trazerem tres remos cada um e seu martelo de ferro pregos e verruma e estopa e incho e um coarto ou barril que leve um almude e esse cheio de água doce E o barco que o contrário fizer pagará 4 000 reis de coima e esses pagos da cadeia e outrossim serão obrigados a trazerem seu regimento nos seus barcos o qual tirarão todos os anos no princípio de Janeiro de cada um ano e o que o contrario fizer pagará a mesma pena e de tudo mandaram fazer este termo de regimento que todos assinaram E eu Manuel de Bulhão Barracho escrivão da Camara que o escrevi.
Idem, folhas 141 verso, 142, 142 verso.

Outro aspecto é o valor económico do barco. Sabendo que nesta época uma marinha custava cerca de 40 000 reis, duas moradas de casas cerca de 10 000 reis e o ordenado de um tanoeiro, ao dia, era de 300 a 400 reis, comparado com os dois documentos seguintes podemos verificar que o barco era mais caro e exigia elevadas despesas de manutenção.

Escretura de obriguaçam de divida que fez Pero Fernandes Monte do lugar da Mouta a Thome de Matos Neto da Vila de Alhos Vedros.
Saibam quantos esta escretura de obriguaçam e divida virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo de mil e Seis Centos e trinta e dous anos dous dias do mes de dezembro do dito ano em esta Vila de Alhos Vedros nas casas de morada de Thome de Matos Neto capitam da infantaria desta Vila estando ele ai presente e bem assim Pero Fernandes Monte foi dito a mim tabeliam ao diante nomeado presentes as testemunhas no fim escritas e declaradas que ele fizera hua barca de praçaria com o dito Thome de Matos Neto que foi feita per seu dinheiro e hoje fizeram suas contas e por fim e enserramento delas Pero Fernandes a ele Thome de Matos Neto coarenta e nove mil trezentos e setenta e oito reis em dinheiro de contado ficando a metade da dita barqua no estado em que está dele dito Thome de Matos Neto e a outra metade dele dito Pero Fernandes pera cada um deles fazer de sua metade o que lhe bem parecer, pelo que disse ele dito Pero Fernandes que estes coarenta e nove mil trezentos e setenta e oito reis dará em dinheiro de contado ao dito Thome de Matos Neto todas as vezes que lhe pedir e quiser sem a isso por dúvida ou embargo algum em juízo nem fora dele per nenhuma via que seja e assim mais confessou ele dito Pero Fernandes que o dito Thome de Matos Neto lhe dera quinze mil reis além da contia assima dita e declarada pera cabedal de tojo da dita barqua quinze mil reis tem a sua conta e em seu poder e estes entreguara ao dito Thome de Matos Neto todas as vezes que a barca se vender ou desfizerem a praçaria que ambos nela tem de meas per alguma via, e que os quinze mil reis lhe dará do dia adiado sem a isso aleguar defeito nem dereito e pera tudo comprir em juízo e fora dele obrigou sua pessoa e bens…
Arquivo Distrital de Sétubal.
Tabelião João Cordeiro Zagalo. 8/4/1630-26/6/1634. Livro 4/12. Folha 166.

Arrendamento de hum barquo que arrendou Francisco da Rosa do lugar da Moita a Gonsalo Fernandes e a sua mulher… arrendamento de uma barqua por tempo de um ano… entre os mais bens de raiz que tem… é uma barqua que tem neste lugar da Mouta… aparelhada de todos os seus governos assim de velas como de fatexas e cordas em modo e maneira que bem podem navegar… por preço e quantia de 30 000 reis pagos aos quartéis… em dinheiro de contado moedas de prata…
Arquivo Distrital de Setubal.
Tabelião Manuel Cordeiro Zagalo. 17/371646-9/4/1648. Livro 5/15. Folha 12 verso.
Por último refira-se que a actividade marítima obrigava o desenvolvimento e outras actividades como o comércio e a construção de estalagens, o aumento do cais, o aparecimento da profissão dos carregadores, a necessidade de aumentar o número de carreteiros que faziam o transporte para e do barco, etc. Estava o barco tão familiarizado com a vida das populações que embora fora do contexto deste trabalho não resisto a transcrever o seguinte documento.

… que por Catarina Gomes ser mulher de mau procedimento e vadia a mandarão notificar que despejasse a terra sob pena de se proceder contra ela e pelo não querer fazer a mandarão prender e quem se achasse em sua casa… com efeito foi presa com João Gomes… por ser achado em sua casa de noite… solto por não acharem culpa… e a ela mandaram ao alcaide que a levasse à barca para Lisboa e fosse notificada com pena de um ano de degredo que não tornasse ela nem sua filha a esta Vila nem a seu termo pelo escândalo que dão com suas pessoas…
Arquivo da C. M. Moita.
Livro de Vereações do Concelho de Alhos Vedros. Folha 21. 1625/8/30.

Trabalho inserido nas actividades dos cursos de formação profissional promovidos pela Sª. Cº Misericórdia de Alhos Vedros.

Alhos Vedros, 13 de Julho de 1991.

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